Operários da Ford na China: o salário deles terá de aumentar - e muito (China Photos/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 27 de junho de 2013 às 06h00.
São Paulo - À primeira vista, a economia chinesa segue robusta. O ritmo do crescimento do PIB, de cerca de 7% ao ano, é alto para a maioria dos padrões. Mas é o dado mais fraco desde 2009. E pior: está se tornando cada dia mais evidente que os níveis de endividamento, o motor do crescimento, estão altos demais.
Estima-se que, para cada dólar adicionado ao PIB, a China aumente sua dívida em 4 dólares. Muitos se perguntam qual será o prazo de validade desse modelo. Para um número crescente de economistas, está ficando óbvio que esse ritmo de gastos não pode continuar por muito mais tempo.
O governo chinês estabeleceu uma meta de crescimento econômico anual de 7% para os próximos cinco anos. Ao contrário de outras vezes, agora o anúncio foi recebido com ceticismo. No médio prazo, a economia chinesa deve avançar, dizem os analistas financeiros, na faixa de 5% a 7% ao ano.
Acredito, porém, que mesmo essas previsões ignoram o fato de que todos os países que experimentaram um milagre de crescimento movido pelo investimento tiveram um ajuste muito difícil. Em vários casos, a freada acabou se revelando pior do que as previsões mais pessimistas.
É difícil imaginar que um real reequilíbrio da economia chinesa seja consistente com um crescimento muito acima de 3% na média dos próximos dez anos.
Como a China representou uma parcela significativa do crescimento global dos últimos anos, muitos economistas e líderes empresariais estão tentando compreender o impacto de um crescimento mais lento. A boa-nova é que os recém-empossados líderes chineses deixaram claro que compreendem o quanto é arriscada a atual estratégia e parecem determinados a reequilibrar a economia.
Isso vai requerer mudanças muito difíceis. Como é certo que essas transformações irão despertar forte resistência de grupos politicamente poderosos, não é fácil prever as chances de sucesso dessa empreitada — sem falar da dificuldade de tentar estimar a velocidade com que as reformas serão executadas.
Independentemente do desenlace desse processo, está claro que as taxas de crescimento do país vão desacelerar muito nos próximos anos. Isso poderá acontecer de uma forma amena ou não. Mas vai acontecer.
Essa mudança certamente criará problemas para alguns setores da economia global, mas surgirão oportunidades para outros. À medida que a China tirar o foco do investimento, reduzirá seu consumo de produtos como cobre e ferro. Apesar de o país representar somente 12% da economia mundial, consome uma fatia muito maior da oferta global.
Uma consequência da mudança no modelo chinês será uma queda, talvez um colapso, do preço dessas commodities. Isso será muito ruim para seus produtores, mas um crescimento mais lento da China não é necessariamente má notícia para todos.
Preços mais baixos de commodities criarão um impulso econômico para empresas que usam esses insumos. Famílias de todo o mundo terão acesso mais barato a vários produtos de consumo. Suas compras poderão crescer. Ainda mais importante é o que essa mudança significará para o setor industrial de dezenas de países.
Nos últimos 20 anos, a China se tornou a maior exportadora mundial de artigos manufaturados — de coisas simples, como sapatos e brinquedos, a navios e outros produtos com presença intensiva de capital. Como os industriais brasileiros bem sabem, esse aumento da produção manufatureira ocorreu à custa de fabricantes de todas as partes do mundo.
Nos últimos anos, os chineses deixaram um rastro de destruição em setores industriais, principalmente nas nações em desenvolvimento. O sucesso exportador do país é consequência direta do modelo de crescimento que foi adotado.
Para manter as taxas de crescimento altas, Pequim manteve sua moeda significativamente desvalorizada, seus salários baixos e, mais importante, forneceu quantidades ilimitadas de crédito artificialmente barato para os grandes polos industriais do país. Anabolizados, os fabricantes chineses ficaram extremamente competitivos nos mercados internacionais.
Parte da conta dessa política foi paga pelas famílias chinesas. Nos últimos 30 anos, a renda média cresceu num ritmo muito mais lento que o do PIB. Com a renda crescendo menos, não surpreende outra faceta desse modelo. As famílias consomem cerca de um terço de tudo que o país produz — a proporção mais baixa do mundo.
É por essa razão que a China é tão dependente das exportações e do investimento para gerar crescimento. Dito de outra forma, as famílias na China não têm força suficiente para impulsionar vigorosamente a expansão do PIB.
Cada vez fica mais evidente que, para reequilibrar sua economia, a China terá de mudar esse modelo. Escolher mais consumo interno e menos vendas externas. A política econômica que subsidia as exportações deve ser revertida. Os salários precisam aumentar muito mais rapidamente do que no passado.
A moeda deve ser valorizada, e, sobretudo, é preciso deixar as taxas de juro subirem para que as famílias tenham um retorno positivo de suas poupanças. Essa transformação será uma boa notícia não apenas para a China. O reequilíbrio da economia não poderá ocorrer sem uma forte erosão da competitividade das exportações.
À medida que isso ocorrer, vários segmentos da indústria brasileira e de outros países irão prosperar. Já estamos vendo isso em alguns países da Ásia, mas esse processo apenas começou. Na próxima década, o crescimento chinês será muito menor, a demanda e o preço das commodities sofrerão uma queda, mas indústrias de todos os cantos do mundo poderão experimentar um renascimento.