Revista Exame

Os brasileiros querem prosperar. O que fará o novo presidente? 

O pessimismo com o novo governo supera o otimismo, mas os brasileiros querem prosperar no próximo ano, como mostra pesquisa exclusiva EXAME/IDEIA. Confira os desafios para o novo governo

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva terá inúmeros desafios (Mateus Bonomi/Anadolu Agency/Getty Images)

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva terá inúmeros desafios (Mateus Bonomi/Anadolu Agency/Getty Images)

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Carolina Riveira

Publicado em 17 de novembro de 2022 às 06h00.

No próximo dia 1o de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva tomará posse na presidência da República para um inédito terceiro mandato.

Vinte anos separam as cenas de agora e as imagens captadas em 2003, quando o petista assumiu sua primeira gestão. Nessas duas décadas, o Brasil navegou por ondas de construção e destruição de riqueza. Lula encontrará um país com uma miríade de ­desafios: divisão política, emergência fiscal, pobreza em alta e necessidade de investimentos para retomar a economia.

Do lado positivo, Lula recebe um país com uma agenda de reformas já estabelecida, instituições mais maduras e lições aprendidas de que as bases para o crescimento precisam ser sólidas. 

O espaço para erro é tão estreito quanto os menos de 2% de votos de vantagem que garantiram ao petista a vitória sobre o atual presidente Jair Bolsonaro. De 2010 a 2020, o Brasil registrou o menor crescimento médio do PIB desde 1900.

Os desafios de Luiz Inácio Lula da Silva

A EXAME elencou alguns itens da não exaustiva lista de desafios de Lula. O primeiro deles, e talvez o mais intangível, é entender o que querem os brasileiros para o futuro. O povo está pessimista quanto ao novo governo, segundo pesquisa exclusiva EXAME/IDEIA.

A boa notícia: a população quer prosperar em 2023, e o novo presidente será recompensado se atender a esse desejo. Nesse contexto, reafirmar o compromisso com a responsabilidade fiscal é uma urgência de primeira hora. Com essas bases fincadas, qualquer presidente poderá explorar temas como o alívio da pobreza, o combate à fome, a expansão da infraestrutura e a posição do Brasil diante do mundo.  

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Os primeiros dias de Lula em Brasília após eleito trouxeram sinais interessantes. O périplo entre residências oficiais dos presidentes da Câmara e do Senado e um entusiasmado encontro com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) apontaram para um futuro de boa relação entre os Poderes.

Certamente, isso pode auxiliar o petista a firmar uma agenda de governabilidade. Do ponto de vista financeiro, embora tenha escalado o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, para coordenar o processo de transição, sinais vindos do próprio Lula assustaram os mercados. Investidores e gestores sinalizam insegurança sobre a trajetória da dívida. E avaliam que as ideias até aqui inviabilizariam a estabilização da dívida pública em relação ao PIB. 


Um país desconfiado em busca de poupança

Com o novo governo, pesquisa EXAME/IDEIA mostra que os brasileiros estão desconfiados. A melhor forma de conquistá-los é dando o que mais desejam: prosperidade econômica e honestidade 

Consumo em São Paulo: em 2023, a maior parte dos brasileiros pretende consumir na mesma quantidade ou mais do que neste ano (Germano Lüders/Exame)

O foco aqui não é a famosa polarização política. Uma pesquisa EXAME/IDEIA com 1.200 pessoas em todas as regiões do país buscou entender o que quer o brasileiro para o futuro. O resultado é ambíguo — como costumam ser as coisas complexas da vida. Mas é certo que a população parece descrente sobre a capacidade de um novo governo empolgar.

De acordo com o levantamento, 46,4% dos brasileiros dizem não estar nem otimistas nem pessimistas sobre o próximo ano. Ao mesmo tempo, 42,8% dos entrevistados estão pessimistas em relação ao novo governo federal. “A maioria das pessoas não se sente nem otimista nem pessimista com relação à sua própria vida no próximo ano”, diz Cila Schulman, vice-presidente do Instituto IDEIA. “Quando convidadas a pensar sobre o novo governo, aí o pessimismo impera.” 

As expectativas de alguns grupos acabam refletindo o Fla-Flu eleitoral que dominou o país nos últimos anos. Os evangélicos, parcela da população fortemente apoiadora do presidente Jair Bolsonaro nas últimas eleições, têm as menores expectativas de otimismo para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com a pesquisa, apenas 24% deles se dizem otimistas — o menor índice entre as pessoas que declararam religião na pesquisa.

Paralelamente, as mulheres e os nordestinos estão mais otimistas com o futuro do que outros recortes do levantamento em 2023. “Isso tem ligação também com a avaliação negativa que esses grupos têm do atual momento do Brasil e a perspectiva de que o novo governo possa trazer mais alegria em diferentes aspectos”, diz Schulman.

No recorte de classe, os mais pobres têm um otimismo maior em relação ao próximo ano, com 41,7% dos entrevistados das classes D e E respondendo nesse sentido. O número é superior ao das classes A e B (24,9%), e ao da classe C (24,7%).  

Nessa mesma dimensão, despontam algumas diferenças entre as perspectivas para 2023. Nas classes A e B, o desejo reprimido por viagens após os anos de pandemia chama a atenção: 42% dizem que viajarão mais, e 40% pretendem consumir mais.  

LEIA TAMBÉM: Dívidas em atraso tiram o sono de 84% dos brasileiros, diz pesquisa

O peso do Auxílio Brasil

Entre aqueles que recebem o Auxílio Brasil, 96,7% acreditam que seguirão recebendo o benefício, o que energiza a discussão sobre a manutenção do programa. Já entre a população em geral, 63,8% avaliam que o auxílio seguirá em 2023 — quase metade acha que o valor será menor do que os ­atuais 600 reais.

Para 15% dos brasileiros, o benefício simplesmente será descontinuado, a despeito das promessas eleitorais de ambos os principais candidatos, e somente 6,8% acham que o valor em 2023 será superior aos 600 reais. “A dúvida sobre o programa se relaciona às idas e vindas em torno do auxílio emergencial dos tempos da pandemia de covid-19 e ao debate sobre a necessidade de ainda aprovar recursos no Congresso para manter o benefício”, avalia Schulman. 

Cabe ao presidente eleito reorganizar as expectativas dos eleitores, especialmente na economia e na segurança. Questionados sobre se a inflação aumentará, por exemplo, praticamente metade dos brasileiros aposta na elevação geral dos preços.

Em um dos trechos do levantamento os pesquisadores perguntam: “Qual área o novo governo deve priorizar?”. Adicionando complexidade à visão média e ao que se lê nos noticiários, a população dá peso muito semelhante tanto à economia quanto ao combate à corrupção no próximo ano — 25,7% e 22,9% das respostas, respectivamente.

Temas como combate à fome, à miséria, segurança pública, educação e geração de empregos foram menos escolhidos pelos entrevistados. Uma interpretação possível é a de que os brasileiros esperam do governo prosperidade econômica e vigiarão quaisquer vestígios de corrupção.  

Em outro ponto da pesquisa, quando é medido especificamente qual é o maior problema que o Brasil precisa resolver em 2023, despontam a corrupção (20,9%) e o desemprego (19,8%). Tópicos que tradicionalmente lideram em questões desse tipo, como violência, educação e saúde, novamente tiveram menos evidência para os entrevistados. Temas como pobreza (5,5%), má administração (4,2%), polarização política (3,2%) e meio ambiente (1,3%) ficaram entre as prioridades menos escolhidas.  

(Arte/Exame)

Uma nova era para investidores

Do ponto de vista pessoal, há uma excelente notícia: quase um terço dos brasileiros quer guardar dinheiro para investimentos. É a resposta mais alta entre as opções apresentadas nessa pergunta, que dava aos entrevistados mais de 24 itens de escolha. Outros 12,7% querem investir em cursos para sua formação. Entre pessoas que se declararam pretas, esse dado sobe para 15,6%, o mais alto entre os recortes de raça.

Para 11,9%, o grande desejo é comprar o primeiro imóvel. A tão sonhada primeira casa própria segue como um dos itens mais importantes na vida de quem recebe até um salário mínimo (17,2%). Em comparação, 10,5% dos que recebem entre três e seis salários alimentam esse desejo no ano que virá. Outros 11% elencaram a troca de carro como a principal expectativa para 2023.

“A pesquisa traz uma visão do brasileiro responsável e ligado em investimentos com retorno ao imaginar o próximo ano”, diz Schulman. 

Somente um tema parece trazer concordância geral no Brasil. Entre todas as faixas e regiões, 76% dos brasileiros pretendem assistir à Copa do Mundo — e metade da população aposta que o Brasil vai levar a taça. “No entanto, 41% não acreditam que o patriotismo exacerbado pela bola tenha potência para acalmar os ânimos acirrados pela eleição a ponto de unir o país”, pondera a vice-presidente do Instituto IDEIA. 

Em tempos de ambiguidade, nada é mais promissor a um novo governo do que o desejo de prosperidade entre a população.  


O teto de gastos e a nova âncora fiscal

Na seara fiscal, o novo governo tem muito a fazer — a começar por sinalizar a estabilidade da dívida pública até 2026 

Coordenador da equipe de transição, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, cumprimenta o relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI). Ele tem a dura missão de costurar um acordo no Congresso sobre o Orçamento do próximo ano (Pedro França/Agência Senado)

O grande desafio prático do próximo governo — e a discussão mais aguerrida dos últimos anos — é a responsabilidade fiscal. Nessa seara, não se trata de um parnasianismo contábil. De largada, o tema central é quanto o governo gastará acima do atual teto de gastos para manter programas como o Auxílio Brasil em 600 reais. Até a publicação desta edição, o governo de transição negociava uma PEC para garantir o chamado “waiver”, isto é, uma licença para gastar fora do teto.  

Algum valor acima do teto era esperado, já que o Orçamento enviado ao Congresso pelo governo de Jair Bolsonaro em agosto não incluiu espaço para acomodar o programa completo — e esse Orçamento já previa um déficit de 63 bilhões de reais. Agora, manter o Auxílio Brasil em 600 reais com adicional de 150 reais por criança, prometido por Lula, e readequar o teto à inflação que terminou abaixo do previsto custariam 93 bilhões de reais adicionais, segundo cálculos do analista do Senado, Leonardo Ribeiro.

Além desse valor, há possibilidade de recomposição para programas como o Farmácia Popular, cuja dotação caiu 90%. Se incluídas outras promessas de Lula, como investimentos no programa Minha Casa Minha Vida, a conta pode chegar a 200 bilhões de reais.

“Há no Orçamento hoje uma série de situa­ções que não são razoáveis”, diz Manoel Pires, do Ibre/FGV. “Um orçamento cortado em 90% inviabiliza um programa. O waiver é uma tentativa de consertar esse orçamento.”  

LEIA TAMBÉM: PEC da Transição: impacto chega a R$ 197 bi com novos gastos fora do teto, além do Bolsa Família

Estabilização da dívida pública

A conta já está sendo feita nos mercados, que apontam sobretudo para o desafio de estabilizar a trajetória da dívida pública. Investidores trabalham com o seguinte cenário: no projeto orçamentário enviado em agosto para 2023, a despesa primária programada para o próximo ano era de 1,87 trilhão de reais. Estimando um waiver de 175 bilhões de reais e fazendo outras alocações, a despesa primária passa a 2,04 trilhões de reais, 11% mais do que neste ano.

Com uma inflação perto de 5%, trata-se de um crescimento real de 6% dos gastos públicos. Nesse ritmo, seria inviável estabilizar a dívida pública até o fim do mandato de Lula, em 2026. O mais provável é que uma expansão fiscal nesse nível impacte a inflação, além de forçar por juros mais altos e um prêmio de risco para financiar o governo, dizem gestores ouvidos pela EXAME.

Tudo isso poderia prejudicar o custo de vida dos mais pobres e os próprios programas sociais que o governo terá de bancar. 

Declarações de Lula na segunda semana de novembro levaram não só a bolsa a ter seu pior dia do ano, mas os juros futuros, com vencimento em 2024, a serem cotados a mais de 13%, isto é, na prática já sem queda em relação aos juros atuais. O Brasil fechou 2021 com dívida na casa dos 80% do PIB, patamar já superior ao dos demais emergentes.

Projeções diferentes apontam que o valor pode perigosamente passar de 90% nesta década se nada for feito — próximo de países desenvolvidos, que contam com moeda mais forte e histórico de credibilidade que, goste-se ou não, garante ancoragem das expectativas de forma mais fácil do que nos emergentes. 

A base do problema não é o gasto só deste ano, mas dos anos seguintes. Muitas despesas discutidas são permanentes, caso do Bolsa Família ampliado e do salário mínimo, que afeta também a Previdência. Um argumento frequente entre economistas é que a situação de excepcionalidade gerada pela pandemia, que levou o governo a gastar mais de 500 bilhões de reais acima do teto, já passou.

Ao novo governo caberia sinalizar que haverá mais responsabilidade. Outras despesas possíveis, como o aumento acima dos 5% previsto para servidores, nem sequer estão na conta por enquanto. O governo eleito sofrerá pressão, sobretudo porque muitos desses grupos apoiaram Lula.

“Principalmente com a valorização real do salário mínimo, outros setores vão se perguntar por que não terão reajuste”, diz Juliana Damasceno, da consultoria Tendências. Outros riscos fiscais podem aparecer, como precatórios e piso de enfermagem. 

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(Arte/Exame)

Com esse horizonte de médio prazo pouco favorável, o mercado pressiona para que, além de ­pedir uma “licença para gastar”, o governo­ eleito sinalize qual política econômica adotará ao longo do mandato.

O 'furo' do Teto de Gastos

Até o fechamento desta edição, não havia sido definido um ministro ou nomes do secretariado, apenas nomes da equipe econômica de transição. Definir a equipe abre caminho para a segunda dúvida: qual âncora fiscal perdurará no governo? A atual, o teto de gastos, foi colocada na Constituição em 2016 e ajudou a estabilizar expectativas quando o Brasil precisava mandar um recado convincente ao mercado.

A ideia era que o teto ajudasse na discussão de prioridades alocativas dos recursos em vez de aumentar o gasto. De lá para cá, porém, o teto foi furado cinco vezes, em parte por gastos extraordinários necessários na pandemia, em parte por mudanças na conjuntura política, com o Legislativo ganhando cada vez mais poder sobre o Orçamento.

Passada a pandemia, a leitura é de que será preciso voltar a algum grau de normalidade, argumenta o professor do Insper Marcos Mendes, um dos patrocinadores do teto atual. “Criou-se uma cultura [com a pandemia] de que pode gastar. O superávit neste ano não foi bom, o que ocorre é que a inflação comeu parte dessa dívida. Se seguirmos assim, é voltar ao pré-Plano Real”, diz. 

Hoje, até os mais ferrenhos defensores do teto aceitam alterações: à EXAME, Henrique Meirelles, principal patrocinador do teto no governo Michel Temer e cotado para um cargo no governo Lula, diz que uma revisão já estava prevista em 2024 pela própria emenda constitucional que introduziu o teto de gastos.

“Isso pode ser feito colocando alguma coisa [um mecanismo] que leve em conta o crescimento do PIB ou alguma coisa acima da inflação”, diz. “O importante é sinalizar uma âncora fiscal para não ficar simplesmente uma impressão de que existe uma licença para gastar e pronto.”


Os motores do crescimento

O Brasil precisa urgentemente voltar a crescer. Na última década, o PIB praticamente não subiu

Plantação no Piauí: enquanto a economia patinou na última década, o agronegócio cresceu aceleradamente. Agora o desafio é manter a produtividade com a proteção ao meio ambiente (Leandro Fonseca/Exame)

Seja qual for o arcabouço fiscal a ser pactuado para o Brasil no próximo ciclo, nenhum formato funcionará sem uma base primordial: crescimento sustentado, capaz de elevar o PIB e a arrecadação.

O governo eleito encontra um Brasil saído de uma “década perdida”, em que o crescimento médio do PIB foi de 0,3%, o menor do último século — um desempenho ruim até para o histórico brasileiro de “voos de galinha”, com períodos sempre breves de crescimento. 

Um novo governo traz a esperança de aprovar reformas estruturais. Geraldo Alckmin já declarou que tentará aprovar uma reforma tributária no primeiro ano. A reforma tributária que está no Congresso é bem-vista no governo e no mercado, e não é segredo que o PT deseja uma tributação sobre lucros e dividendos — tema abarcado pela proposta em tramitação. Idealmente, isso seria feito reduzindo na outra ponta o imposto sobre pessoa jurídica para não elevar a carga tributária das empresas.

Na ponta dos gastos, é difícil imaginar uma necessária reforma administrativa encabeçada por um governo petista diante da pressão de grupos organizados. “No longo prazo, a ideia é que parte do ajuste aconteça via crescimento e aumento de arrecadação. O arcabouço precisa ser bem desenhado no primeiro ano para não perder a oportunidade e entregar crescimento medíocre nos anos seguintes”, diz Sergio Vale, da consultoria MB Associados. 

(Arte/Exame)

Uma das promessas de campanha do PT é incentivar uma “reindustrialização”. Em carta a investidores da Rio Bravo, da qual é fundador, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco diz que a alusão é “deliberadamente vaga” e entra no rol de assuntos sobre os quais o novo governo “nada tem a dizer”.

“Sobra apenas a criação de um ministério para tratar do assunto”, disse. A produção industrial brasileira encolheu 20% em dez anos, e o setor perdeu 1 milhão de postos de trabalho, principalmente em áreas que empregam muito, como vestuário, calçado e metalurgia. Além da produtividade estagnada, a competição com mercados como a Ásia foi avassaladora.

“Não dá para ver industrialização como antigamente, porque hoje não é mais um grande gerador de empregos. Mas também não dá para uma economia viver de serviços”, diz Claudio Paiva, economista da Unesp de Araraquara, que estuda o desenvolvimento econômico no interior de São Paulo, uma das regiões que mais perderam empregos na indústria. “Para a indústria aproveitar seus diferenciais competitivos, o Estado precisa lançar as bases, como ensino técnico, mas o setor privado precisa tomar risco, apostar em inovação que alavanque a produtividade.” 

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A missão de atrair novos investimentos

Destravar o crescimento passará também por atrair investimentos. O nível de investimento médio da década passada foi de menos de 18% do PIB, o menor desde os anos 1960. Em 40 anos, a produtividade média cresceu meros 0,3%. Só em infraestrutura, gargalo crucial para aumentar a produtividade, o investimento precisa subir 70%.

Para o economista Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, será necessário manter e aprimorar o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). “O setor público investiu neste ano somente 0,6% do PIB em infraestrutura, e será inviável aumentar muito esse valor diante das restrições fiscais”, diz. 

Na busca pela atração de investimentos, uma das boas notícias é o avanço no processo de ingresso na OCDE. Em um cenário de guerra na Ucrânia e de crise energética na Europa, o Brasil tem diferenciais competitivos valiosos no mercado global, como potencial de desenvolvimento em energia limpa, mercado de créditos de carbono e agricultura de alta produtividade, que podem ser explorados.

À EXAME, o embaixador da União Europeia (UE) no Brasil, Ignácio Ibáñez, avalia que o país tem “o que a Europa precisa” — e que a UE não quer “só comprar commodities”, mas estabelecer parcerias duradouras. “Estamos preparados para ajudar. Já vimos algumas coisas, como o Fundo Amazônia de Noruega e Alemanha, retornando. Nós estamos preparados para pensar em novos instrumentos”, diz. 

O Brasil pode usar essas áreas em que tem diferencial competitivo para guiar o crescimento. Um grande exemplo de ganho de produtividade está no agronegócio: enquanto o país crescerá perto de 0,6% em 2023, a produção de grãos crescerá 15,5%, e a área plantada aumentará 3%. Ou seja, haverá um ganho de produtividade.

Gustavo Vasques, CEO da ICL, especializada em fertilizantes, lembra que a pandemia exigiu alto nível de adaptabilidade das cadeias produtivas. “Fizemos mais com menos nos últimos anos. A guerra na Ucrânia trouxe outro desafio, e também uma oportunidade, em busca de novas tecnologias, substituições de processos, descoberta de outros produtos e fornecedores”, diz.

Como o preço dos alimentos subiu muito nos últimos anos, em 2023 a tendência é de queda. Com isso, melhorar os ganhos com os mesmos recursos se torna ainda mais crucial. “O nome do jogo é produtividade, aumentar a eficiência e a sustentabilidade”, afirma Sergio Schuler, vice-presidente do negócio de ruminantes da DSM, empresa de nutrição animal. 

(Arte/Exame)


O desafio da pobreza e da inflação

Os desafios para aliviar a miséria e recuperar o atraso nas áreas de saúde e educação após a pandemia são enormes 

Brasileiros em fila para receber o auxílio emergencial durante a pandemia: os baixos salários e a alta inflação pressionam o novo governo por programas sociais eficientes (Germano Lüders/Exame)

O governo eleito assumirá um país mais empobrecido. De fato, a taxa de desemprego está no melhor patamar desde 2015. A renda real dos brasileiros empregados, porém, segue a menor em uma década, um resultado de inflação alta e salários baixos — reflexo direto, por sua vez, da falta de crescimento que gere empregos mais produtivos. E 80% das famílias estão endividadas. 

A continuidade de um Auxílio Brasil ampliado é consenso. O programa, porém, terá de ser redesenhado para evitar ineficiências. O atual formato abrange 21 milhões de famílias. Especialistas apontam distorções como o crescimento de famílias de uma só pessoa e base de beneficiários desatualizada.

“Essa base deturpada impacta não só o Auxílio Brasil mas outros programas que usam o CadÚnico”, diz a socióloga Leticia Bartholo, ex-secretária nacional adjunta de Renda de Cidadania. Ela calcula que famílias de uma pessoa passaram de 15% para 26% em um ano. “O auxílio paga o mesmo valor para uma família de uma pessoa ou de quatro, incentivando esse movimento”, afirma. 

Em frentes como educação e saúde, o governo lidará com mais uma herança deixada pela pandemia, que piorou cenários tradicionalmente graves, como a baixa aprendizagem, a pouca oferta de creches e longas filas de exames. Somado a isso, a situação fiscal dos estados e municípios — que bancam boa parte de educação e saúde na ponta — será outro desafio, diante dos cortes de ICMS promovidos para baixar o preço da gasolina.

Para 2023, estados projetam perder 124 bilhões de reais com a desoneração de combustíveis, segundo o Comsefaz, que reúne secretários da Fazenda estaduais. A educação é afetada sobretudo via Fundeb, principal fundo do setor e cuja cesta é vinculada ao ICMS.

“Ninguém é ingênuo de achar que será possível retirar a desoneração logo de cara, mas os estados demandam um modelo claro de transição”, diz Vitor De Angelo (PSB), atual presidente do Consed, conselho dos secretários estaduais da área. Segundo De Angelo, uma das demandas prioritárias é o avanço na implementação do Sistema Nacional de Educação (SNE), já aprovado e que distribuirá melhores responsabilidades entre entes federativos. 

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Os desafios da saúde

No campo da saúde, a demanda é por mais recursos e melhor uso dessas verbas. As despesas do SUS chegaram a mais de 200 bilhões de reais durante o pior momento da pandemia em 2021, e a previsão é que caiam para 149,9 bilhões em 2023.

Para especialistas, são necessários pelo menos mais 20 bilhões para alcançar metas importantes, definidas pelo programa Previne Brasil, criado em 2019. Além de dinheiro, o SUS precisa aperfeiçoar a gestão entre os entes federativos.

“O SUS é descentralizado, com muitos serviços prestados de forma tripartite, mas precisamos coordenar esses recursos”, diz Rudi Rocha, professor na FGV-SP. Um novo pacto federativo para o sistema é necessário. “Na prática, a gestão da saúde pública muda a cada dois anos”, afirma Nésio Fernandes, presidente do Conass, que reúne secretários estaduais de saúde.

Adicionalmente, usar os recursos de forma mais inteligente é um desafio do SUS. Entre outras inovações, a telemedicina também pode ser usada pela rede pública, principalmente nas consultas de baixa complexidade. “Para 2023, há um tripé de ações prioritárias na área de saúde: recursos, prevenção e saúde digital”, afirma João Abreu, diretor executivo da Impulso Gov. 

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A lista de demandas para o novo governo seria difícil por si só, mas turbulências externas podem agravar o cenário social. Pressões inflacionárias e risco de recessão global seguirão no radar e afetarão o dia a dia dos brasileiros mais pobres.

O preço dos combustíveis, por exemplo, voltou a crescer depois de cair momentaneamente com desonerações e trégua no preço internacional do petróleo. Os alimentos seguem subindo acima da inflação média. Assim, a transferência de renda, embora ampliada, não dá conta de enfrentar todos os problemas.

Há outras ações nas quais o Brasil é referência, como o programa de merenda escolar, o de cisternas e os estoques reguladores de alimentos, todas elogiadas pela ONU. “O Brasil não está sozinho em navegar o balanço delicado entre promover crescimento, inclusão e resiliência climática em um orçamento apertado, enquanto mantém a disciplina fiscal”, diz Shireen Mahdi, economista do Banco Mundial para o Brasil.

É um equilíbrio tênue, porque desequilíbrio fiscal, ao mesmo tempo que pode expandir programas sociais, sobe juros, dólar e inflação e corrói a renda dos mais pobres. A instituição aponta que o novo governo terá de situar as prioridades dentro de um “plano fiscal de médio prazo” o mais rápido possível. Os elementos-chave incluem também “racionalizar as transferências sociais regressivas e tornar a tributação mais progressiva”. Garantir as condições — incluindo fiscais — para o cumprimento das demandas sociais será tão difícil quanto urgente.  

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