Eike Batista, dono do grupo EBX: em apenas dois anos, passou de candidato a mais rico do mundo a fracasso na bolsa. Sete erros explicam sua crise (Marcelo Correa/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 15 de agosto de 2013 às 22h38.
São Paulo - Em seu livro Como as Gigantes Caem, o pesquisador americano Jim Collins afirma que as grandes corporações passam por cinco estágios até sua morte definitiva. São eles: o excesso de confiança proveniente do sucesso, a busca indisciplinada por mais, a negação de riscos e perigos, a luta desesperada pela salvação e a entrega resignada à irrelevância.
Essas fases costumam levar anos, décadas — muitas vezes, gerações. Grandes empresas não passam do sucesso ao fracasso do dia para a noite. É por isso que a história do empresário brasileiro Eike Batista chama tanta atenção. Nunca se viu queda tão rápida como a do grupo EBX, controlado por Eike. Sob a ótica de Collins, ele levou meses para percorrer etapas que, em situações normais, levariam décadas.
De 2005 a 2012, Eike Batista captou investimentos de 26 bilhões de dólares para as empresas que levou à bolsa. Também financiou o conglomerado com o sempre solícito BNDES, cujas operações com o grupo EBX somam 10,4 bilhões de reais, e por bancos privados como Bradesco e Itaú.
As empresas X foram desenhadas para atuar de maneira complementar nos setores de mineração, energia, petróleo, logística e construção naval. Todas partiram do zero e tinham data marcada para entregar resultados. O prazo chegou, mas o resultado não veio. Hoje, Eike acumula dívidas, tem investimentos enormes a fazer, pouco dinheiro em caixa e, pior, ninguém está disposto a financiá-lo.
Diante da crise, o grupo EBX está em liquidação. O golpe potencialmente fatal aconteceu no dia 1o de julho, quando sua principal empresa, a petroleira OGX, anunciou que iria parar de investir em seu maior campo de petróleo. Em 2013, as ações da OGX caíram 90%. Em um ano, as empresas de Eike perderam 23 bilhões de reais de valor de mercado.
O que explica queda tão rápida? Nas últimas semanas, EXAME ouviu ex-funcionários, executivos do grupo e especialistas em gestão para listar os erros que levaram ao colapso em curso atualmente. Se casos de sucesso servem de inspiração, histórias como a de Eike Batista são um alerta para qualquer empresário ou executivo.
Oferecem lições em áreas tão distintas quanto estratégia de remuneração de executivos e jeito certo de diversificar negócios sem colocá-los em risco. Os sete maiores erros de Eike são descritos a seguir, um roteiro acabado do que não fazer.
1 Diversificou, mas concentrando riscos
Um dos grandes truísmos do mundo dos negócios é aquele que prega a diversificação como melhor forma de reduzir riscos. Eike criou um grupo que chegou a ter 16 empresas — mas de uma maneira que concentrou riscos em vez de espalhá-los.
Seu conglomerado atuava em mercados que vão do petróleo, com a OGX, ao entretenimento, com a IMX, que organiza os espetáculos do Cirque du Soleil no Brasil. Mas, por trás de tanta diversificação, estava um grupo altamente dependente de suas cinco principais empresas — feitas para auxiliar umas às outras .
Uma estrutura ótima quando as coisas vão bem, já que uma puxa o crescimento da outra. Porém, quando um dos negócios entra em parafuso, o resto corre o risco de ir junto. Entra-se no pior dos mundos: um empresário com atenções divididas entre mais de uma dezena de empresas, todas complexas, e com uma contaminando a outra.
Grupos que diversificam com sucesso o fazem aos poucos, tendo como eixo central uma empresa sólida e rentável. Finalmente, para se proteger, um conglomerado entra em negócios que sofrem efeitos diferentes em caso de crise. Assim, um mau ano na unidade de mineração da Votorantim, por exemplo, pode ser compensado pelo sucesso da área de cimentos.
No caso de Eike, nada disso aconteceu. O eixo do grupo era a petroleira OGX — um projeto de alto risco que acabou indo à lona — e, como eram novatas e carentes de financiamento, as demais empresas sofreram igualmente com a crise de confiança que abalou o grupo.
2 Não protegeu a empresa de seus próprios defeitos
Empreendedores de sucesso imprimem na cultura de suas companhias traços marcantes de suas personalidades. É comum que sejam geniais, teimosos e pouco afeitos a compartilhar seu poder. A Apple é tão revolucionária e misteriosa quanto era seu criador, Steve Jobs. Elie Horn manda no dia a dia da construtora Cyrela até hoje.
Há um bom motivo para isso — como criaram companhias bem-sucedidas, é mesmo provável que eles entendam como poucos das peculiaridades de seus setores. No caso de Eike, seu arrojo, destemor e poder de convencimento foram fundamentais para transformar o grupo EBX num gigante. Ele mesmo se dizia um criador de empresas — mas jamais viria a reconhecer que gestão não era seu forte.
Na hora de administrar as empresas criadas, os mesmos traços de personalidade que eram virtudes fundamentais se transformaram em defeitos.
O otimismo exagerado o levou a fazer pouco de obstáculos que amedrontariam qualquer um, com aquilo que os analistas do Deutsche Bank chamaram de “indisciplina financeira” — Eike pagou o maior ágio da história dos leilões de petróleo do Brasil e depois gastou 5,3 bilhões de dólares numa campanha exploratória que não deu retorno.
Acabou metido em projetos que provou ser incapaz de administrar. No início, trouxe executivos de renome para comandar as empresas, como Rodolfo Landim, ex-presidente da distribuidora BR. Mas logo escanteava quem o tratava de igual para igual. Os conselhos de administração, repletos de nomes “de peso”, nunca impuseram limites à megalomania de Eike.
A falta de poder dos conselhos é exemplificada por um episódio recente. Em 2012, Eike prometeu um bilhão de dólares para a OGX caso o conselho requisitasse. Mas, como a crise se agravou e ele não quer torrar esse dinheiro, os conselheiros independentes deixaram o cargo. Hoje, o conselho tem apenas quatro membros. Eike, o pai, seu braço direito, o tunisiano Aziz Ben Ammar, e Rodolfo Riechert, presidente do banco Brasil Plural.
3 Guiou-se pelo mercado acionário, e não pela dinâmica de cada setor
Pessoas que trabalham ou que já trabalharam com Eike Batista costumam defini-lo como um exímio vendedor. Tal habilidade foi fundamental para levantar os 26 bilhões de dólares de investidores que financiaram seus negócios. Mas financiar tantas empresas iniciantes no mercado acionário teve um custo alto.
O grupo ficou dependente do preço das ações, encantado com seu próprio sucesso — e se esqueceu de dedicar-se a construir as empresas. Eike inventou um modelo de “criação” de negócios, numa fórmula que, para funcionar, precisava transformar os projetos em empresas com alto valor na bolsa. Foi algo inédito no mundo.
Projetos em setores como petróleo, mineração e energia costumam ser financiados por investidores especializados, que conhecem os riscos de cada setor e estão dispostos a esperar pelos resultados. Mas, como o mercado acionário estava encantado com Eike e disposto a pagar caro, as maiores empresas acabaram abrindo o capital.
O resultado foi um grupo “viciado” em bolsa, em que tudo era guiado pelo preço das ações, da remuneração à estratégia. Desde sua criação, a OGX divulgou 55 comunicados relacionados aos blocos sob sua concessão. Analistas recomendam que o início da produção de um novo campo seja tratado como teste por, pelo menos, quatro meses.
Nesse período, as empresas não costumam divulgar informações porque as previsões podem simplesmente não se confirmar. Mas, contrariando a praxe do setor, na primeira semana de produção de seu campo de Tubarão Azul a OGX informou que esperava 15 000 barris ao dia em cada um dos quatro poços.
Seis meses depois, quando se descobriu que eles tinham capacidade para 5 000 barris ao dia cada um, teve início o colapso da OGX. Enquanto isso, a empresa cometia pecados banais no setor. As petroleiras separam os times de exploração, responsáveis por encontrar petróleo, dos engenheiros que definem se o reservatório tem viabilidade econômica.
A OGX tinha uma equipe de exploração tirada a peso de ouro da Petrobras. Ela era responsável pelas “descobertas” e por embasar os anúncios ao mercado. Faltava, no entanto, uma equipe tarimbada de produção, que efetivamente tirasse o petróleo de lá. Na hora do aperto, ter tantas empresas abertas só potencializou a crise de confiança e acelerou a queda do grupo X.
4 Desenhou uma estratégia tudo ou nada
O sucesso da venda de parte da mineradora MMX para a Anglo American, em janeiro de 2008, inflou o otimismo de Eike Batista. Para ele, aquela era uma prova de que seria possível criar empresas e vendê-las para grandes grupos num curto espaço de tempo. A transação inflou, também, o valor que ele mesmo atribuía às suas ideias.
E deu origem a um plano que ou criaria um dos maiores grupos empresariais do mundo ou terminaria em fracasso. Há cinco anos, começou a tentativa de repetir o sucesso da MMX nos outros setores — cinco empresas do grupo abriram o capital a partir dali.
As empresas cresciam com dívidas elevadas, nenhuma geração de caixa, planos de investimentos ousados e premissas otimistas para o preço das commodities — e, como já foi visto, tudo entrelaçado de forma simbiótica. Uma combinação extremamente arriscada, já que o sucesso final do grupo dependeria de uma miríade de fatores, muitos deles fora de seu controle.
Mas Eike seguiu, firme, em sua tentativa de quebrar a banca. O otimismo era tanto que, em 2010, ele recusou os 7,5 bilhões de dólares oferecidos pela chinesa Sinopec por 40% dos direitos de exploração de seus poços de petróleo na Bacia de Campos. “Era o momento de ter um sócio para dividir o risco, mas prevaleceu a ganância”, diz um executivo que acompanhou as negociações.
Se tivesse vendido parte da empresa na época, a OGX não teria uma dívida de 4 bilhões de dólares e lhe sobraria algum caixa para investir em novos campos. Mas aquele se provou um brutal erro de cálculo. Depois, Eike tentou vender participações em outras empresas, mas não conseguiu e acabou obrigado a administrar todas as companhias e efetivamente colocar, ou tentar colocar, os projetos de pé.
O excesso de confiança fez com que Eike não se preparasse para um cenário em que as coisas não dessem tão certo. “Ele poderia ter usado parte do dinheiro que captou para comprar empresas estabelecidas e rentáveis”, diz o presidente de um banco de investimentos.
“Isso diminuiria o risco de colapso.” Como todos os projetos estão em fase inicial, e ele não tem onde se apoiar, acabou obrigado a colocar à venda todas as suas empresas.
5 Enriqueceu executivos sem enriquecer a empresa
Para atrair profissionais tarimbados para suas companhias, Eike Batista ofereceu pacotes de remuneração extremamente generosos, com base na distribuição de gordos lotes de opções de ações. Se os papéis valorizassem, todos sairiam ganhando. Mas havia um problema.
Ao contrário do que acontece em empresas como a cervejaria Ambev, o pagamento do bônus não era atrelado a indicadores que garantissem a saúde de longo prazo das empresas — mas meramente à cotação das próprias ações na bolsa. Criou-se um paradoxo. Os projetos do grupo EBX eram de longo prazo, mas todos os incentivos financeiros eram ligados ao curto prazo.
Por causa disso, dezenas de executivos que atuavam no grupo ficaram milionários muito antes de as empresas começarem a extrair petróleo, exportar minério, construir plataformas. De 2010 a 2012, os cinco principais executivos da petroleira OGX, por exemplo, embolsaram 129 milhões de reais, de acordo com relatórios da companhia.
Essa estratégia era ótima para os funcionários e péssima para os negócios. Para tornar a coisa ainda pior, Eike aceitou uma sugestão dos funcionários da OGX para cortar de quatro para dois anos o período pelo qual os executivos eram proibidos de negociar o lote de ações que recebiam.
O resultado é que estavam todos vendendo ações próximas do preço recorde sem que uma gota de petróleo tivesse sido extraída do fundo do mar. “O pulo do gato não é oferecer bônus elevados, é incentivar os funcionários a trabalhar pela causa correta”, diz Leonardo Salgado, diretor da consultoria de recursos humanos Hay Group.
6 Confundiu ambição com pressa
Pressa não costuma combinar com bons resultados no longo prazo. Especialistas em gestão e estratégia recomendam que uma companhia comece a diversificar sua atuação apenas quando seu negócio principal estiver maduro a ponto de sustentar as empresas iniciantes — que demoram a engrenar e, fatalmente, perdem dinheiro em seus primeiros anos.
Conglomerados bem-sucedidos costumam seguir essa lógica. O grupo Odebrecht, maior conglomerado brasileiro da atualidade, com mais de 16 empresas, levou 35 anos até partir para seu segundo negócio. De 1944 a 1979, atuou apenas em construção. Hoje, tem empresas de petroquímica, de energia e até de administração de estádios.
O fundo 3G, de Jorge Paulo Lemann, que compra empresas de dois em dois anos, só parte para o próximo alvo depois de concluir uma reestruturação completa na companhia adquirida antes. Ninguém pode acusar Lemann ou a família Odebrecht de pensar pequeno. A diferença entre eles e Eike está no método, não na ambição.
Eike criou negócios em uma velocidade inédita na história do capitalismo brasileiro, em setores altamente complexos e sem dar tempo para que uma empresa servisse de pilar do grupo. Tudo foi feito ao mesmo tempo para aproveitar o dinheiro farto que vinha de investidores estrangeiros. “Ele subestimou os inúmeros desafios que naturalmente surgiriam em cada um desses projetos”, diz um ex-membro da cúpula da EBX.
7 Promoveu apenas os otimistas
Eike Batista não gosta de más notícias. por isso alçou ao topo da hierarquia o “yes man”, aquele que sempre diz sim ao chefe. O mais notório foi o geólogo Paulo Mendonça, promovido a presidente da OGX em abril de 2012, dois meses antes do início da derrocada.
Considerado no setor um geólogo brilhante, porém otimista demais, Mendonça tornou-se o par aparentemente perfeito para o empresário, que o apelidou de Dr. Oil. Hoje, a amigos, Mendonça reconhece que não queria ser visto como mensageiro de más notícias.
O valor das ações da OGX era impulsionado pelas notícias infladas divulgadas pela companhia, o que enriquecia os executivos e criava um terreno árido para quem dissesse que o rei estava nu. A quem dizia que estava errado, costumava responder com frases como “Quem é o dono disso aqui?” e recebia funcionários perguntando que “boas notícias” tinham para dar.
Marcelo Faber Torres, ex-diretor financeiro da OGX, caiu em desgraça quando se opôs a uma operação financeira arquitetada pelo patrão. No início de 2012, Eike queria captar recursos no exterior usando como garantia a produção futura da OGX. Torres argumentou que o fato de a petroleira ainda não ter produção regular faria com que os investidores exigissem um desconto muito alto para comprar os papéis.
Desgastado, Torres foi demitido em abril. Mendonça, hoje uma espécie de bode expiatório para o fracasso da OGX, era um otimista aparentemente sincero. Uma cópia de sua declaração do imposto de renda de 2012, obtida por EXAME, mostra que ele tinha mais de 9 milhões de ações da OGX. Um ano atrás, essas ações valiam 53 milhões de reais. Hoje, valem 5 milhões.