Revista Exame

Orgulho de pertencer: mudanças sociais promovem inclusão na prática

Para atrair e reter talentos em um mundo movido a propósito, empresas apoiam cada vez mais o engajamento de funcionários em ERGs — os grupos de representação de minorias

Festival de Cinema Acessível Kids: crianças assistem ao filme Frozen — Uma Aventura Congelante com audiodescrição, libras e legendas descritivas (Dudu Leal/Divulgação)

Festival de Cinema Acessível Kids: crianças assistem ao filme Frozen — Uma Aventura Congelante com audiodescrição, libras e legendas descritivas (Dudu Leal/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 4 de outubro de 2022 às 06h00.

“Eu quero ver a cena em que a malévola tenta remover o feitiço da Aurora. Porque eu gosto muito dessa parte e eu não sei como vai ser com audiodescrição”, diz Beatriz, deficiente visual de 8 anos, ao chegar ansiosa à sessão do filme Malévola, em São Paulo.

Na mesma expectativa estão Marlise e Bruna Pereira: “A Bruna acha que é muito importante, sim, que tenha um intérprete de libras de verdade porque o surdo gosta de cinema. Ele se emociona também”, diz Marlise. Bruna, sua filha, é surda. 

Beatriz, Bruna e Marlise estão entre os 18.000 espectadores que já participaram do Festival Cinema Acessível Kids, que busca unir cultura e tecnologia ao proporcionar uma experiência inclusiva para crianças cegas ou com baixa visão, surdas ou com deficiência auditiva, ou com deficiência intelectual.

A audiodescrição e a presença de um intérprete de libras são dois recursos de acessibilidade utilizados nas sessões do festival, que já teve 102 exibições em 36 cidades do Brasil e é apoiado pela Salesforce, empresa líder mundial em soluções de gestão de relacionamento com clientes (CRM).

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“Acreditamos que as empresas podem ser verdadeiras plataformas para mudanças sociais profundas e, por isso, promover iniciativas especiais como essa é uma de nossas responsabilidades e motivo de muito orgulho”, comenta o patrono do projeto na Salesforce, Luciano Sulzbach, vice-presidente regional de vendas.

O investimento da companhia em uma ação inclusiva como essa é exemplo da nova realidade com as quais as corporações vêm lidando. “Toda a sociedade, passando pelos nossos talentos e consumidores, quer marcas cada vez mais engajadas e que deixem um legado positivo, que vai muito além do produto ou serviço”, diz Raquel Zagui, vice-presidente de pessoas da Heineken.

Em síntese, há uma busca urgente por propósito e, por isso, da catraca para dentro, as empresas estão cientes da necessidade de repensar seus processos para atrair e reter os melhores profissionais. “A ideia de propósito tem caráter inspiracional e está presente na missão, na visão e nos valores da empresa, seja um banco, seja uma ONG”, diz José Valério Macucci, professor da Fundação Dom Cabral e do Insper, na área de liderança e de gestão estratégica de pessoas.

Segundo ele, a cobrança por propósito é um fenômeno observado nos últimos dez anos, primeiramente em países com menor desigualdade de renda, graças às novas gerações que chegam ao mercado de trabalho e querem ser mais ativas nas organizações.

Macucci vê uma conexão entre a busca por um propósito e o conceito de cadeia de valor compartilhado, estabelecido em 1985 por Michael Porter, professor na escola de negócios da Universidade Harvard, no famoso livro Vantagem Competitiva.

Para Porter, uma empresa só se torna competitiva quando gera valor para os clientes. Na leitura do professor do Insper, a cadeia de valor compartilhado traz essa necessidade de oferecer aos profissionais — além de boa remuneração e benefícios — um bom ambiente de trabalho, oportunidades de aprendizado e de reconhecimento. “Os novos profissionais querem ter orgulho de pertencer”, define Macucci. 

Atração pelas startups

Na Siemens, gigante da indústria de tecnologia, o senso de propósito está presente nos quatro pilares estratégicos estabelecidos em 2020: mentalidade de crescimento, empoderamento das pessoas, foco no cliente e tecnologia com propósito.

“Queremos apoiar as cidades e as indústrias a se digitalizarem para melhorar a vida das pessoas, para que tenham um transporte melhor, um alimento com menos produtos químicos, e mais qualidade de vida”, diz Caroline Zilinski, diretora de recursos humanos da Siemens no Brasil.

Na prática, a multinacional lança mão de iniciativas como a Digigrow, que explora a força conjunta de todas as áreas nas frentes estratégicas de atração e desenvolvimento de talentos, para criar produtos, serviços e soluções para clientes.

Um processo seletivo interno foi aberto para que jovens talentos pudessem se juntar a equipes lideradas por profissionais experientes, a fim de encontrar soluções voltadas para a descarbonização e maior eficiência energética na indústria.

Em outra frente, a companhia vem buscando chamar a atenção dos novíssimos talentos ao apoiar o Programa Startups Connected, desafio rea­lizado pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo, que visa promover o desenvolvimento de novos negócios entre grandes empresas e startups. A Siemens é âncora no desafio voltado para soluções de realidade aumentada na indústria e infraestrutura para obter inovações que aproximem o ambiente presencial do digital. As startups vencedoras vão elaborar um projeto-piloto com a Siemens e terão uma série de benefícios, como suporte para internacionalização e ajuda de custo para colocar a ideia em ação.

Um ERG para chamar de seu

Por falar em inovação, a Dell Computadores criou, em 1997, o Pride, que talvez tenha sido o primeiro ERG do mundo corporativo. Essa é a sigla em inglês de employee resource groups (grupos de afinidade entre funcionários, numa tradução livre). Em geral, esses grupos representam perfis que não encontram representatividade no quadro geral de colaboradores de uma empresa, como são os casos dos profissionais negros, com deficiência, mulheres e LGBTQIA+, entre outros.

“Nosso norte é criar um ambiente cada vez mais amigável para que as pessoas ­LGBTQIA+ possam se assumir como elas são aqui dentro”, explica Antonio Azambuja, diretor de marketing de serviços da Dell e líder do Pride no Brasil e na América Latina.

Para tanto, o ­Pride implantou banheiros unissex na empresa e tem uma agenda intensa de eventos, como ­webinars e rodas de conversa, impactando profissionais de todas as áreas, da diretoria ao chão da fábrica em Hortolândia, São Paulo.

“Somos mais de 300 membros no Pride BR, entre trans, lésbicas, gays, bissexuais e aliados.” O Pride, aliás, tem metas estabelecidas no comitê de diversidade, entre as quais o compromisso de apresentar resultados nos negócios.

Assim, desde março de 2022, o time de vendas da Dell vem passando por treinamento focado em como lidar com os clientes quando estes são LGBTQIA+. “Não podemos perder negócios por não sabermos lidar com essa circunstância”, diz Azambuja. 

Parada do Orgulho LGBTQIA+: durante o evento, a Amstel levou o cartório às ruas de São Paulo para retificar o nome de mais de 800 pessoas transgênero (Cris Faga/Getty Images)

Para medir os resultados das ações, o Pride coordena uma pesquisa interna, na qual são verificados KPIs como representatividade, diversidade e performance financeira. Segundo o líder do Pride, com times mais diversos a empresa torna-se 20% mais lucrativa, a equipe é mais inovadora e entende o posicionamento dos mercados mais rapidamente. “A diversidade passou a ser uma estratégia de negócios”, defende Azambuja. 

Na Salesforce, que promove a igualdade salarial desde 2015 e apoia causas importantes às minorias, os Grupos de Igualdade — como são chamados internamente os dez ERGs — existem desde 2008 e, assim como na Dell, na ­Heineken e na Siemens, têm caráter voluntário.

O Abilityforce, grupo voltado para a inclusão de pessoas com deficiência, une pessoas com deficiências visíveis e invisíveis, inclusive entes queridos de funcionários. “Participar de um grupo de igualdade demanda desenvolver várias habilidades: planejamento e execução de projetos, táticas de convencimento, articulação, empatia e, sem dúvida, lidar com a incerteza, pois sempre estamos diante de situações novas”, descreve Juliano Polito, gerente de contas B2C na Salesforce e líder do ERG Abilityforce.

“Isso contribui, de modo natural, para o sucesso de nossos clientes — afinal, diferentes pontos de vista são primordiais para o desenvolvimento de novas soluções e processos, além de criar uma empatia cada vez maior com nosso público.”

Nesse sentido, a cervejaria Heineken trabalha em várias frentes para atrair candidatos e engajar os colaboradores com os propósitos da companhia. Estão disponíveis mais de 900 treinamentos gratuitos na plataforma Universidade Heineken e, como também tem diversão como valor, a empresa patrocina eventos com suas marcas e criou encontros dentro e fora do escritório.

“São formas de fortalecer o senso de pertencimento e o orgulho do nosso time”, diz Raquel Zagui, vice-presidente de pessoas da Heineken. Em junho passado, por exemplo, a marca Amstel levou o cartório às ruas de São Paulo na Feira Cultural da Diversidade da Parada LGBTQIA+ e auxiliou a retificação do nome de mais de 800 pessoas transgênero, em uma ação do grupo de afinidade Além do Colorido, dedicado à causa LGBTQIA+. E, na estrutura interna da Heineken, o grupo trabalhou em parceria com outras áreas para que a retificação se tornasse um benefício fixo entre os próprios colaboradores transgênero. Uma boa notícia a celebrar na happy hour.

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