Sem saudade: empresas públicas que lesavam o cidadão, por má gestão ou ladroagem, não fazem nenhuma falta (Silvestre P.Silva/Folhapress)
Da Redação
Publicado em 13 de julho de 2016 às 18h00.
São Paulo – A nova lei das estatais, que acaba de ser aprovada pelo congresso e sancionada pelo presidente Michel Temer, é com certeza um caso de muito pouco e muito tarde, como se diz. Melhora a situação de fim do mundo que existe hoje nas empresas controladas e geridas pelo Poder Público, mas melhora pouco — muito pouco, na verdade, quando se leva em conta que as estatais brasileiras se transformaram ao longo dos últimos 13 anos numa pura e completa aberração.
Não se trata apenas de um poço sem fundo de corrupção, que levou a um estágio patológico todas as desgraças que infeccionam as companhias do governo desde o primeiro dia após sua criação. É mais do que corrupção: elas são hoje o maior sistema permanente de corrupção existente no mundo.
Além disso, as modestas melhoras que a lei pretende trazer vêm muito depois do que já deveria ter vindo — e isso só deixa as coisas ainda mais complicadas do que já são, pois, nesse tempo todo que passou sem nada ser feito, tudo que podia piorar já piorou, e muito do que piorou não tem mais conserto.
Enfim, e mais complicado ainda do que fazer pouco e fazer tarde, é a circunstância de que a nova lei deixa perfeitamente vivo o vírus fatal que provoca e mantém a doença toda: ela não acaba com as estatais e, enquanto as estatais não acabarem, a corrupção não acabará.
Pode ser elementar, e certamente é triste, mas é assim. O que cria a ladroagem nas empresas estatais é a existência de empresas estatais, nem mais nem menos. Sempre é possível imaginar, claro, um Brasil onde só os justos governassem as corporações administradas pela União, os 26 estados e os quase 6 000 municípios brasileiros. É possível e é inútil, porque isso não vai acontecer nunca.
A única solução possível — não a mais certa, ou a mais prática, ou a mais isso e mais aquilo, mas simplesmente a única possível — é acabar com as estatais. Todas? Sim, todas, menos as que obviamente são indispensáveis e não podem existir sem pertencer ao governo, como as que fornecem o transporte público de passageiros.
Elas não são um negócio. Precisam cobrar tarifas acessíveis à grande maioria da população; não podem dar lucro e têm de sobreviver com dinheiro de impostos, diretamente ou por meio de empresas subsidiadas, em favor do bem comum. Mas é isso, e só isso.
Não há nenhuma outra estatal que seja indispensável para a existência cotidiana do cidadão comum — ou sequer traga a ele algum benefício real. Ao contrário, só lhe dão prejuízo, pela ladroagem ou pela incompetência na gestão. Quando desaparecem, por ter sido privatizadas ou simplesmente extintas, não deixam um único traço de saudade; em compensação, deixam de saquear o Erário público.
Quando aconteceu o último caso de corrupção num dos bancos estaduais que infestavam os 26 estados brasileiros e serviam de caixa pessoal para governadores, políticos e amigos? Resposta: quando o último deles desapareceu. Estão fazendo alguma falta? Ninguém se lembra, também, de alguma negociata na Siderbras, extinta, ou nas estatais de telecomunicações, vendidas para a iniciativa privada, ou em qualquer outra companhia do governo que sumiu do mapa.
É um remédio tecnicamente infalível. Não é a receita que está sendo aplicada agora e, no mundo das realidades, nem poderia ser — acabar com uma Petrobras, uma Eletrobras, uma Nuclebras e outras de porte semelhante não seria politicamente possível no momento nem será ainda por um bom período de tempo.
Mas vai ser preciso começar em algum ponto no tempo, e isso nem sequer passou pela cabeça dos autores da nova lei. Mal deu para criar limites ao “livre provimento” de 1 800 cargos de comando nas estatais existentes, dentro do oceano de mais de 220 000 empregos ali disponíveis hoje, e muitos não queriam nem isso. (A propósito: por que não queriam? Por seu amor ao interesse público?)
É o que temos. Foi o máximo que se conseguiu. Antes pouco e tarde do que nada e nunca, é claro — mas é tudo que dá para dizer de bom nessa história.