Kelman, presidente da Light: seu trabalho para melhorar o serviço será testado no próximo verão
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2013 às 18h02.
No dia 29 de junho, ao desembarcar no Rio de Janeiro de uma viagem à Espanha, Jerson Kelman, presidente da distribuidora de eletricidade Light, recebeu uma notícia que o desnorteou. Uma turista americana havia sofrido queimaduras em 80% do corpo após a explosão de uma câmara subterrânea da empresa.
Kelman, que assumira a companhia havia quatro meses, seguiu do aeroporto direto para o hospital onde a turista estava internada. "Foi a situação mais estressante que vivi em quase 40 anos de carreira", diz. No trajeto para casa, Kelman decidiu parar no local da explosão. Queria entender o que, afinal, havia acontecido.
Lá, não conseguiu a resposta - o laudo com as causas do acidente ainda não foi concluído -, mas, na condição de anônimo, ouviu moradores que culpavam a Light por esses e outros problemas. "Ficaram claros, ali, o nível de desgaste que nossa imagem havia sofrido e o tamanho do desafio que seria recuperá-la", diz Kelman.
O acidente com a turista foi mais um entre os muitos problemas que envolveram a Light desde o final do ano passado. Em novembro, a rede da Light sucumbiu inúmeras vezes, deixando a capital e várias cidades do interior fluminense sem energia. O Leblon, bairro da elite carioca, ficou sem luz por 23 horas.
Nos dois últimos meses de 2009, os apagões resultaram em 460 milhões de reais de prejuízo ao comércio carioca. Durante o verão, o mais quente dos últimos 50 anos, um em cada quatro clientes da concessionária passou o dobro do tempo sem energia em relação a verões anteriores.
Assim, não foi surpresa quando a Light recebeu uma multa de 9,5 milhões de reais, a maior já aplicada pela Aneel, a agência reguladora do setor elétrico. Entre janeiro e julho, quase 2 500 reportagens com críticas à empresa foram veiculadas em jornais, rádio e TV, corroendo sua reputação.
No início deste ano, ficou claro que a Light vivia um caos operacional, a gênese de sua crise de imagem. O carioca Kelman foi o homem escolhido para resolver a situação. Reconhecido como um dos maiores especialistas do setor elétrico, ele nunca havia trabalhado na iniciativa privada.
Sua carreira foi construída na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde foi professor de engenharia por 20 anos, e no setor público. Sua experiência como presidente da Aneel foi decisiva para a escolha de seu nome, em março deste ano.
A expectativa é que Kelman melhore o padrão de serviço da Light, não só para recuperar sua imagem perante os 4 milhões de clientes mas também para que a companhia escape das punições da Aneel. Um projeto da agência prevê a redução da taxa de reajuste de tarifas de concessionárias que registrem piora no serviço.
Uma das primeiras medidas de Kelman foi a instalação de um painel que mostra, em tempo real, todas as áreas em que há interrupção de energia e o tempo de duração de cada corte. O monitor foi instalado na sala em que ele e os seis diretores dão expediente juntos.
Um grupo de 133 técnicos da Light e da Cemig, a companhia de eletricidade de Minas Gerais e principal acionista da concessionária fluminense, foi formado para diagnosticar as razões dos problemas. O exame mostrou que um dos focos das panes era a rede subterrânea da empresa, instalada nos bairros nobres da capital.
A saída obrigatória foi o aumento das inspeções nas galerias do subsolo, que passaram a ser operadas apenas por funcionários próprios. Cerca de 70 000 metros de cabos de cobre foram furtados da rede da Light nos últimos três anos por funcionários terceirizados.
A empresa também reajustou em 25% os contratos das prestadoras de serviços, que passaram a pagar bônus por produtividade a seus empregados. Ao todo, os gastos na rede aumentaram 20% neste ano, para 900 milhões de reais.
Consumo em alta
É evidente que os problemas da Light não surgiram de um dia para o outro. Eles remontam a anos de problemas financeiros e de gestão. Privatizada em 1996, a empresa passou às mãos da estatal francesa EDF, que não se adaptou ao mercado brasileiro, particularmente ao roubo de energia, prática disseminada no Rio que drena receita das distribuidoras.
Dez anos depois, a empresa foi comprada por um consórcio formado por Cemig, Andrade Gutierrez e banco Pactual, passando ao controle integral da Cemig no fim de 2009. Em quatro anos, o antecessor de Kelman, o executivo José Luiz Alquéres, transformou um prejuízo de 3,5 bilhões de reais, acumulado de 1999 a 2006, em lucro de 2,7 bilhões, conseguidos num período de três anos de gestão.
Mas, enquanto a empresa se recuperava financeiramente, os problemas operacionais aumentavam. Na administração de Alquéres, a Light voltou sua atenção às áreas periféricas, que tinham os piores indicadores de serviços. Sem reparos e sem reforços, o restante da rede não aguentou o aumento do consumo energético alimentado pelo crescimento econômico dos últimos anos.
O grande teste da gestão Kelman está por vir, com o aumento das temperaturas e do consumo de energia por aparelhos de ar-condicionado. "Não prometo um verão impecável, mas a Light voltará ao padrão de excelência", diz ele. Kelman não arrisca um prazo para banir o risco de apagões no Rio de Janeiro.
Mas fica cada vez mais evidente que os problemas não podem durar muito mais. O valor da empresa na bolsa caiu 15% neste ano. Investidores e reguladores estão alertas. E ainda há a pressão do tempo. Em quatro anos, o Rio será uma das sedes da Copa do Mundo.
Em seis anos, sediará a Olimpíada. Nada disso acontecerá sem garantia de energia. "A atual avaliação da empresa é ruim, mas os investimentos devem prepará-la para o aumento de consumo que vem pela frente", diz Marcos Severine, do Itaú Securities. Kelman, que nesses seis meses virou madrugadas em reuniões, ainda deve enfrentar várias noites em claro.