Revista Exame

Operação limpeza da CVM

A punição de executivos da Sadia e um acordo milionário com a Vivendi fecham um ano de atuação avassaladora da CVM — o xerife está indo longe demais?

Fábrica da Sadia: um ex-diretor e nove conselheiros punidos pelo rombo com derivativos (Joel Rocha/EXAME.com)

Fábrica da Sadia: um ex-diretor e nove conselheiros punidos pelo rombo com derivativos (Joel Rocha/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.

"O preço do capitalismo”, costuma dizer o economista indiano Utpal Bhattacharya, “é a eterna vigilância”. Bhattacharya é um dos maiores estudiosos das consequências nefastas do desrespeito às regras do jogo no mercado financeiro. “Se não há vigilância e punição, quebra-se a confiança, principal esteio do mercado de capitais. O resultado é o desperdício do potencial econômico do capitalismo e, portanto, da criação de empregos”, afirma. Com a popularização do mercado de capitais brasileiro nos últimos cinco anos, o tema nunca foi tão crucial para nossa economia.

E em 2010, a Comissão de Valores Mobiliários, órgão responsável por fiscalizar as companhias abertas, vem mostrando apetite incomum para punir quem viola as regras. Até o fechamento desta edição, o total de multas impostas pela CVM em 2010 superava 570 milhões de reais. Além disso, os acordos  feitos entre o órgão e acusados de crimes contra o mercado somaram 166 milhões de reais, o triplo de 2009 e recorde na história da autarquia.

Dois processos concluídos no final do ano simbolizam o que muitos consideram uma nova postura da CVM. No dia 14 de dezembro, o órgão condenou um ex-diretor e nove ex-conselheiros da Sadia por não evitar operações financeiras arriscadas — os infames investimentos em derivativos que levaram a tradicional fabricante de alimentos à beira da falência em 2008. A pena mais pesada foi a do ex-diretor financeiro Adriano Ferreira, impedido por três anos de exercer cargo de administrador de companhia aberta.

Os conselheiros, entre eles nomes famosos, como Luiza Helena Trajano, sócia do Magazine Luiza, e o consultor Vicente Falconi, do INDG, receberam multas que somam 2,6 milhões de reais. O outro caso, encerrado quatro dias antes, envolveu a francesa Vivendi, acusada de fraude na compra da operadora de telefonia brasileira GVT. Para evitar o julgamento, a Vivendi prometeu pagar 150 milhões de reais à CVM. É o maior acordo já firmado pelo órgão regulador.

A projeção que a CVM vem ganhando se deve a dois fatores. O primeiro é o crescimento do próprio mercado de capitais, que aumenta, naturalmente, o número de acusações sob investigação. De 2004 até hoje, 127 empresas abriram o capital na Bolsa de Valores de São Paulo, e o volume diário negociado passou de 1,2 bilhão para 6,5 bilhões de reais. O segundo é a reestruturação interna pela qual a CVM passou para se adequar aos novos tempos.

Há dois anos, a autarquia uniu duas áreas antes independentes. Uma é especializada em investigação e formada por analistas de mercado. Outra, por advogados especialistas em mercado de capitais. A união faz com que inspetores e advogados trabalhem juntos nas investigações e evitem falhas em estágios mais avançados. O resultado da reestruturação foi a redução do prazo dos processos. Até 2008, a CVM levava, em média, quatro anos e meio entre a identificação de uma possível infração e seu julgamento. Atualmente, a média é de dois anos e dois meses.


A atual sanha fiscalizadora da CVM é exagerada? A multa aos conselheiros da Sadia deu motivo para discussão. A defesa perguntou: como eles poderiam ter acompanhado cada detalhe dos investimentos em derivativos e, ainda por cima, previsto a crise de 2008? “A decisão mostra que os técnicos da CVM não entendem como funciona o sistema de controle de uma empresa”, disse a EXAME um dos conselheiros punidos. “Nós tomamos decisões baseadas na confiança de que as informações dadas pela direção são checadas pelas auditorias internas e externas.”

Os advogados de defesa vêem no aumento da velocidade dos julgamentos um excesso de pressa da CVM, que acabaria comprometendo o rigor dos processos. “Em vários julgamentos, o órgão não tem respondido a todos os argumentos da defesa, como reza a tradição legal”, afirma um advogado de defesa que acompanha há vários anos o trabalho dos reguladores. Em sua defesa, a CVM alega que um dos fatores que aceleram o encerramento dos casos é a assinatura de acordos como o fechado com a Vivendi. “As empresas percebem que nossa atuação é séria e recorrem aos acordos”, diz Alexandre Pinheiro, procurador-chefe da CVM.

Claro, há também os que acusam a CVM de excesso de timidez, sobretudo em casos que envolvem acusações de uso de informação privilegiada. “Nessas horas, eles têm sido brandos demais”, afirma Renato Chaves, especialista em governança e ex-diretor de participações da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. “Para esse tipo de fraude é necessário aplicar a punição máxima: excluir o investidor do mercado de capitais.”

Nesses casos, dizem os críticos, os acordos saem baratos para os infratores. Nos Estados Unidos, a apresentadora Martha Stewart acabou presa num caso de venda de ações com informação privilegiada. A CVM alega que cobrar alto em acordos ajuda a dar o exemplo, dissuadindo novas infrações. O fato é que, por via das dúvidas, conselheiros e executivos brasileiros estão tendo de se proteger. Temendo ter bens confiscados e passar por outras inconveniências, esses profissionais já não vivem sem o seguro de responsabilidade civil para administradores — que cobre eventuais danos causados pela ação de órgãos reguladores. O segmento faturou 119 milhões de reais de janeiro a outubro de 2010, 27% mais que no mesmo período do ano anterior. O líder nesse mercado é o Itaú, mas quem mais cresceu foi a vice Zurich, que dobrou o faturamento para 30 milhões de reais. A eterna vigilância também tem seu preço. n

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