Cobli: as logtechs surgem para aumentar a produtividade da cadeia de logística no "last mile" (Cobli/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 19 de julho de 2018 às 05h00.
Última atualização em 19 de julho de 2018 às 10h22.
“Os dados são o novo petróleo.” A máxima, atribuída ao matemático inglês Clive Humby, famoso por ter criado um programa de fidelidade da varejista britânica Tesco, é uma das frases mais citadas por defensores do uso de dados para apoiar a tomada de decisão nos negócios. A expressão traz consigo a ideia de que a análise de dados é a grande estratégia que ajudará as empresas a retirar valor de uma commodity pouco valiosa até então. Assim como se faz com o petróleo, é preciso refinar os dados, entender quais informações são úteis para quais finalidades e, então, definir como os dados serão aplicados — mesmo que seja somente para jogar luz sobre um aspecto desconhecido do mercado.
Apesar do interesse recente sobre o assunto, termos como “ciências de dados” ou big data não são novos: matemáticos falam sobre esse tema desde os anos 60. Algoritmos e modelos de análise já são usados há décadas por programadores de software. Empresas de ramos menos avessos a guardar informações, como seguradoras e bancos, já trabalham com algum tipo de análise há anos. Mas essa tecnologia está cada vez mais acessível a empresas que não são grandes nomes da tecnologia e da computação, como as americanas Oracle, IBM e SAS. Startups que desenvolvem serviços de análise, software de inteligência artificial e até hardware para coleta das informações estão cada vez mais presentes nesse mercado, que deve dobrar de tamanho em dez anos. “O que ocorre hoje nessa indústria é algo sem precedente. Nos últimos dois anos foram gerados mais dados do que em toda a história da humanidade, e o poder de processamento aumentou 40 vezes. As barreiras de entrada caíram e hoje é possível fazer análise de dados com cada vez menos recursos”, diz Marina Cigarini, sócia que lidera a área de tecnologia na consultoria de gestão McKinsey.
Hoje é mais fácil ter acesso aos dados, já que aplicações de computação em nuvem reduziram a necessidade de uma empresa manter um data center próprio e fizeram cair os custos de armazenamento. O investimento das maiores companhias do setor de tecnologia — Google, Amazon e Microsoft — em bancos de dados passou de 20 bilhões de dólares em 2017, mais do que nos três anos anteriores somados. Com processadores mais rápidos, o preço de armazenar um gigabyte caiu de 277 dólares em 1995 para 0,02 centavos de dólar no ano passado. A redução de custos e a facilidade de acesso permitiram que pequenas empresas de tecnologia entrassem no setor, oferecendo serviços de análise de dados e modelos preditivos como soluções para diversos tipos de negócio.
De acordo com a consultoria especializada Wikibon, com sede na região de Boston, o mercado global de análise de dados deve crescer, em média, 11% ao ano na próxima década, atingindo um faturamento de 103 bilhões de dólares em 2027, quase o triplo do ano passado. Mas o aspecto mais interessante dessa indústria é que não há um grande nome dominante no mercado. A IBM, uma das líderes do setor, tem 8% de participação; a Oracle e a Amazon, 3% cada uma. Já as empresas pequenas e médias detêm 68%, de maneira pulverizada. Outra particularidade é que as linguagens de programação utilizadas por cientistas de dados são de código aberto, e isso acaba facilitando a criação de pequenos concorrentes que, por sua vez, conseguem se dedicar a atender nichos de mercado. Para Fernando Lemos, vice-presidente de tecnologia da Oracle na América Latina, a ideia de que a análise de dados exige um grande investimento é algo do passado. “Os custos para trabalhar com dados caem ano após ano, e cada vez mais startups surgem na área. Estamos sempre procurando trazer para dentro da Oracle a rapidez com que essas empresas trabalham e aplicar isso no mercado corporativo”, diz Lemos.
Uma das startups desse setor que vêm ganhando espaço no Brasil é a DataRobot, companhia americana de análise de dados e inteligência artificial. Fundada em Boston, nos Estados Unidos, em 2012, ela faturou cerca de 20 milhões de dólares em 2017. Quando a empresa surgiu, seus fundadores previam que a demanda por serviços de análise de dados cresceria numa proporção bem maior do que o número de cientistas de dados, e então seria necessário aumentar a produtividade desse tipo de trabalho. A DataRobot faz isso permitindo que um banco de dados seja analisado em mais de 400 milhões de modelos de análise preditiva disponíveis na base da empresa. É um número que cresce a cada dia, já que a própria ferramenta tem a capacidade de gerar novos modelos conforme mais informações são incluídas. “Normalmente, esse trabalho demanda muito tempo em coleta de dados, modelagem e elaboração de código. Tentamos facilitar isso automatizando vários passos da análise”, afirma Tom de Godoy, cofundador e diretor de tecnologia da DataRobot.
O empresário é brasileiro e se mudou para os Estados Unidos, em 1998, para cursar física. Lá, conheceu o colega de turma Jeremy Achin, que se tornaria seu melhor amigo e sócio. Juntos, eles trabalharam durante anos criando modelos preditivos, principalmente para seguradoras na região de Boston, até que perceberam que poderiam utilizar sua expertise para desenvolver uma ferramenta que aprendesse sozinha com esses modelos. Os dois ouviram um sonoro “não” de mais de 100 investidores, que duvidavam ser possível fazer isso de forma autônoma com inteligência artificial. Até que encontraram o apoio de um investidor local. Contrataram cientistas de dados, abriram filiais nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Austrália, em Singapura e no Brasil, e levantaram mais de 125 milhões de dólares para investir.
Bancos, seguradoras e startups do setor financeiro estão entre as empresas que mais utilizam a plataforma da DataRobot. Mas companhias de outros setores também são clientes da startup. Um exemplo é a unidade brasileira da fabricante de eletrônicos Lenovo, que usa a ferramenta há quatro meses. A empresa cruza informações de varejistas parceiros com dados de expectativas econômicas, sazonalidade do mercado consumidor e campanhas de marketing. O objetivo é prever como serão as vendas e usar as informações para ajustar a produção na fábrica, evitar o encalhe de produtos, diminuir os custos de entrega e direcionar os investimentos. “Hoje temos um índice de acerto de 90% nas estimativas de vendas e já conseguimos prever o que vai acontecer nas próximas oito semanas”, diz Rodrigo Bertin, diretor de desenvolvimento de novos negócios da Lenovo no Brasil. Segundo ele, a ideia inicial era desenvolver a solução dentro de casa. Mas a equipe levou quatro semanas na elaboração de um software que analisasse os dados de apenas um único varejista. Detalhe: a Lenovo tem 50 parceiros em todo o país, e cada um desses sistemas exigiria atualização constante. “No final, essa tarefa de criação foi automatizada e nosso trabalho interno agora é mais de analisar as informações do que os códigos de programação”, afirma Bertin.
Há startups brasileiras que hoje desenvolvem soluções que coletam os dados diretamente nos clientes usando hardware e tecnologias de comunicação em tempo real, algo ideal para empresas que têm menos dados compilados. A Cobli, startup paulistana de gestão de frotas, por exemplo, coleta dados de automóveis e caminhões com o objetivo de agendar entregas, traçar rotas mais eficientes, reduzir custos com combustíveis e acompanhar o uso dos carros pelos motoristas. “Se estiver chovendo, a plataforma precisa entender como isso afeta o trânsito, a gestão daquela frota e como resolvemos o problema do cliente”, diz Rodrigo Mourad, cofundador da Cobli. A solução é utilizada hoje por empresas de segurança, de instalação de serviços de internet, fabricantes de cigarros, entre outras. A companhia tem 550 clientes e espera um crescimento de sete vezes no faturamento deste ano. Em 2016, a Cobli foi a primeira empresa da América Latina a conquistar o prêmio New Venture Competition, da Universidade Harvard, dado às melhores startups fundadas por ex-alunos, e isso abriu portas para fechar negócio em Portugal e na Turquia.
Para as companhias, é cada vez mais óbvia a importância dos dados. Na estimativa da consultoria McKinsey, as ferramentas de análise têm o potencial de gerar um ganho anual de até 5,8 trilhões de dólares num total de 19 setores no mundo. É uma oportunidade da qual nenhum líder empresarial quer ficar de fora. Numa pesquisa da consultoria Accenture, 79% dos executivos consultados disseram que as empresas que não abraçarem esse tipo de inovação correm o risco de desaparecer. Mas, para isso, não basta apenas coletar os dados e processá-los. É preciso saber de fato como aplicá-los na prática. Nesse mar de dados, ainda não é possível encontrar os que tomem as decisões sozinhos.