Revista Exame

Começam a surgir no Brasil os primeiros empreendimentos imobiliários para idosos

O crescimento do mercado imobiliário direcionado ao público da terceira idade é real e promissor, mas ainda esbarra em muitos desafios

Qualidade de vida: o conceito wellness building prioriza ambientes que promovem a saúde e o bem-estar dos moradores (Generated image/Divulgação)

Qualidade de vida: o conceito wellness building prioriza ambientes que promovem a saúde e o bem-estar dos moradores (Generated image/Divulgação)

NC
Natália Chagas

Jornalista colaboradora

Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.

Última atualização em 12 de março de 2025 às 10h16.

Enquanto falamos e discutimos como as novas gerações vão se comportar, o que vão consumir e onde vão morar, a população mundial vai na contramão de toda essa conversa — e envelhece. Para ter ideia, segundo dados do Estudo Tsunami60+, até 2050 o Brasil deve se tornar o sexto país mais velho do mundo, com 68,1 milhões de idosos. A explicação para esse fenômeno é bastante simples: estamos tendo menos filhos e vivendo mais tempo.

No país, a taxa de natalidade passou de seis filhos por mulher na década de 1960 para 1,7 filho por mulher em 2017; a expectativa de vida, que era de 45,5 anos em 1940, atingiu 76,6 anos em 2019. E tem mais: além de os 60+ serem um público crescente, também se destaca o seu poder aquisitivo. Para ter ideia, a chamada economia prateada deve gerar uma receita de 16 trilhões de dólares até 2030 só no Brasil.

Não para menos, a economia prateada interessa a uma ampla gama de setores e serviços voltados para pessoas idosas, incluindo saúde, transporte e, claro, moradia. Segundo Bete Marin e Camilla Alves, cofundadoras da MV Marketing, primeira agência digital especializada no público 50+, e especialistas em consumo prateado, o atendimento aos mercados da construção civil e empreendimentos imobiliários para essa faixa etária já aumentaram 57% em comparação a 2023.

Lançamentos repensados

Mas é importante se adaptar. Quando pensamos em onde morar, as necessidades mudam de acordo com a realidade do público-alvo. Para entender melhor, é só pensar no número de lançamentos de empreendimentos voltados para os mais jovens. São, em sua grande maioria, apartamentos menores, mais práticos e em ótima localização, normalmente perto do transporte público. Mas, se olharmos bem, já começam a aparecer nas grandes cidades algumas trocas significativas, como espaços de convivência mais bem pensados, proximidade a serviços como mercado e farmácia e, sobretudo, cômodos com portas amplas, banheiros maiores e itens de segurança e automação.

“Soluções habitacionais direcionadas para um público mais velho já vêm sendo citadas como tendência há algum tempo, mas os produtos — principalmente as tradicionais moradias assistidas e o senior living — ainda enfrentam barreiras culturais associadas à ideia de envelhecimento”, diz Rafael Sampaio, CEO da Where Consulting.

Um setor promissor

Antes de pensar em moradia para a terceira idade, é preciso entender do que estamos falando. Quando se fala em residenciais para idosos, no Brasil, os únicos conceitos existentes na regulamentação da Vigilância Sanitária são os de Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) e Clínicas Geriátricas.

“O primeiro, podemos chamar de moradia assistida, pois é voltado para pessoas idosas [acima de 60 anos] que são classificadas pela RDC 502/2021 da Vigilância com três diferentes graus de dependência, com o olhar nas atividades da vida diária de cada um”, explica Pedro Moraes, sócio-fundador e diretor financeiro da rede de franquias Terça da Serra, voltada para a terceira idade. Nesse caso, são necessários apenas cuidadores de idosos e recreadores, além de um responsável técnico com curso superior.

A Clínica Geriátrica já possui um viés de especialização em cuidados de saúde, sendo necessárias seguir algumas regras da RDC 50/2002. “Além desses pontos, existe uma barreira cultural muito grande relacionada ao setor. Muitas famílias têm medo e preconceito com o ‘abandono’ das pessoas idosas em lares como as Instituições de Longa Permanência. Uma forma que utilizamos para as famílias entenderem melhor o serviço, é demonstrar que ‘abandonar’ uma pessoa idosa, pode ser deixá-la em casa sozinha ou com um cuidador, sem socialização ou atividades durante o seu dia a dia”, explica o empresário.

Neste contexto, surge uma lacuna a ser preenchida. “A necessidade das famílias é muito grande, pois tivemos um aumento de longevidade, mas não necessariamente de qualidade de vida. Isso faz com que as famílias precisem, em muitos casos, cuidar das pessoas idosas dentro de casa, o que é um processo desgastante, custoso e muitas vezes ineficaz. Portanto, a crescente demanda por esses serviços, aliados a uma melhor prestação de serviços por parte dos residenciais sêniores, faz com que o setor seja muito atraente para novos investimentos. Além disso, é um negócio de receita recorrente e com um propósito muito grande”, avalia Moraes.

Em paralelo, é preciso olhar também para os desafios do setor. “As margens são apertadas quando você busca um trabalho de qualidade, a qualificação da mão de obra é um desafio no Brasil como um todo; portanto, antes de abrir um residencial para idosos, é importante ter uma boa ideia de todos os desafios, como tamanho da unidade, precificação, estrutura de equipe, controle de qualidade, marketing”, completa Moraes.  Também vale destacar que os idosos estão em todas as classes sociais; portanto, moradias com preços acessíveis e em número suficiente também deveriam estar contempladas em programas sociais de habitação.

Outro ponto relevante é que, para muitos, ainda persiste a crença de que “ainda não é a hora”, o que leva ao adiamento ou à negação da busca por soluções habitacionais específicas para essa fase da vida. “Mas, com a evolução do conceito de bem-estar e o foco na qualidade de vida, que já podemos afirmar ser uma macrotendência, surge uma perspectiva de novas oportunidades para modelos alternativos e inovadores, que integram moradia, serviços e experiências, ao mesmo tempo que promovem autonomia, liberdade e senso de comunidade, em contraste com o modelo tradicional de ‘cuidado assistido’”, explica Rafael Sampaio.

Joyce Duarte e Pedro Moraes, do Terça da Serra: oportunidade de levar um ambiente humanizado e acolhedor para mais pessoas (Matheus Campos/Divulgação)

Mas será que as soluções atuais atendem às expectativas de quem busca mais do que um lar, mas também um lugar para viver com autonomia e segurança? Para a arquiteta Fernanda Andrade, de São Paulo, é importante que os profissionais do segmento trabalhem para se adequar e oferecer soluções realmente úteis. “Os imóveis adaptados para a terceira idade têm sido uma demanda crescente, mas é essencial entender as necessidades desse público e buscar o equilíbrio entre inovação, acessibilidade e praticidade para a população idosa”, avalia.

Para Bete Marin, também é importante se debruçar no tema para conseguir resultados concretos. Em parceria com a arquiteta Flavia Ranieri, ela criou uma jornada de atendimento. Com a inteligência de dados, foi criado um simulador de personas 50+ e o mapa de empatia dos compradores seniores de empreendimentos imobiliários, que aceleram o processo de decisão sobre qual o melhor tipo de empreendimento para cada perfil.

“Na formação oferecida aos profissionais, passamos por temas como a moradia adequada a cada perfil; condução de pesquisa para validação do público-alvo; pacote de criação da marca; conceito arquitetônico do apartamento-modelo e das áreas comuns; e serviço de marketing para o lançamento do empreendimento”, completa a arquiteta.

E mais: “A jornada de compra de um imóvel, empreendida pelo consumidor maduro, envolve peculiaridades que são profundamente associadas ao momento de vida. Essa é uma reflexão que desafia o etarismo estrutural e, ao mesmo tempo, apresenta um convite aos profissionais do setor para abraçarem um letramento em longevidade; ou seja, é necessário adquirir um novo repertório para desenvolver produtos, serviços e comunicação adequados para o sucesso das vendas”, declara Andrade.

Para todos os gostos

De bate-pronto, empreendimentos imobiliários voltados para a terceira idade devem ser unidades habitacionais que buscam facilitar o dia a dia dos idosos, favorecendo principalmente a segurança, a mobilidade e a usabilidade em ambientes internos e externos. Apesar de já haver vários lançamentos especializados, essas mudanças podem ser levadas também para imóveis que já existem no mercado.

Alguns condomínios, inclusive, têm tornado a área de lazer mais segura para os idosos. “Em uma residência projetada para esse público é importante pensar em circulações mais amplas, portas maiores, área de giro para cadeiras de rodas e distribuição de barras de apoio, principalmente nos banheiros. Os imóveis devem ter acesso por elevador ou rampa e preferencialmente localizados no pavimento térreo”, explica Andrade.

Além disso, seguindo o fluxo de outros tipos de empreendimento, a tecnologia tem se tornado uma aliada importante do setor.  “Outra ferramenta importante para garantir maior segurança e independência dos moradores é a automação, que permite o controle de iluminação, fechaduras de portas e equipamentos pelo celular e até por comandos de voz. A automação também pode estar integrada com câmeras e alarmes que podem ser monitorados remotamente por familiares, garantindo maior segurança aos idosos”, explica Andrade.


4 tendências que prometem ter vindo para ficar

Bairros planejados

São locais com serviços no entorno, além de ruas, calçadas e praças mais acessíveis. De olho nessa demanda, a DOM Senior Living, operadora de empreendimentos residenciais voltados para o público 70+, lançará em breve uma moradia direcionada a esse público em SC.

Wellness em foco

Empreendimentos que trazem atributos de bem-estar, como jardins e salas de pilates, assim como agricultura urbana, fazem cada vez mais sucesso entre idosos. A incorporadora AG7 é uma das empresas que, com o conceito de “wellness building”, trazem produtos voltados para o tema.

Inspiração nas zonas azuis

Usado para se referir a regiões do mundo onde as pessoas vivem de forma mais saudável e longeva, ultrapassando os 100 anos, o conceito de blue zones tem entre os princípios um design urbano que estimule a mobilidade de pedestres e bicicletas, espaços de convivência e o consumo de alimentos frescos.

Projetos sob medida

Por fim, é preciso ficar de olho em empreendimentos no formato built-to-suit para a terceira idade. Eles permitem que infraestruturas e serviços sejam projetados sob medida para esse público — é o caso do Terça da Serra, apresentado nesta reportagem.

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