Revista Exame

O que os investidores avaliam para apostar em uma startup?

Captar recursos é uma jornada desafiadora. Quatro startups e dois fundos de investimento internacionais compartilham aqui suas visões dessa trajetória

Reinaldo Rabelo, do Mercado Bitcoin: só em 2021 a startup fez um volume quase 50% maior do que todo o volume de negócios realizado desde sua criação, em 2013 (Daniela Toviansky/Divulgação)

Reinaldo Rabelo, do Mercado Bitcoin: só em 2021 a startup fez um volume quase 50% maior do que todo o volume de negócios realizado desde sua criação, em 2013 (Daniela Toviansky/Divulgação)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 12 de dezembro de 2022 às 06h00.

Última atualização em 23 de outubro de 2023 às 18h01.

Há poucos meses, a fintech Paga­leve, que acaba de completar um ano, levantou 25 milhões de dólares em uma rodada série A liderada pela ­Salesforce Ventures, em seu primeiro investimento no Brasil. No fim de 2021, apenas um mês depois de iniciar suas operações, 3,5 milhões de dólares vindos de outros fundos já haviam sido injetados no negócio, que possibilita o parcelamento do Pix, garantindo a quem não tem cartão de crédito poder dividir o pagamento de suas compras online. 

Assim como ocorreu com a Pagaleve, atrair o interesse de investidores tem sido uma missão bem-sucedida para muitas startups brasileiras. Ao longo do ano passado, o ecossistema recebeu o montante recorde de 9,43 bilhões de dólares, em 779 transações, segundo o relatório Inside Venture Capital, do Distrito — um volume 60 vezes maior do que no começo do levantamento, em 2011.

Os números em ascensão, no entanto, não significam que captar recursos tenha se tornado menos desafiador. Pelo contrário. Com cada vez mais startups no mercado, o funil na hora de selecionar quem vai ser financiado segue estreito. Na OurCrowd, plataforma israelense de investimento de risco global com escritório em São Paulo, por exemplo, são analisadas mais de 300 oportunidades de investimento por mês, porém apenas duas ou três são aprovadas, segundo Rodrigo Monteiro, general partner do fundo no Brasil.

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O que querem os investidores?

Monteiro conta que, na seleção das empresas na OurCrowd, pesam principalmente a capacidade de crescimento rápido do negócio e o domínio do mercado e das tecnologias que são desenvolvidas, quesitos essenciais para ganhar a confiança do investidor, mas também estão em discussão diversos outros fatores. “Procuramos empresas com times capazes de produzir novas tecnologias, de criação proprietária, buscando novos mercados e que pretendam expandir globalmente”, afirma.

“Pode ser em qualquer setor, apesar de termos alguns favoritos. Em relação ao estágio, preferimos empresas fazendo série A de captação, melhor ainda se tiverem alguns contratos com receita já sendo gerada. Isso mostra que o produto já está em fase comercializável, diminuindo o nosso risco”, explica Monteiro. “O mercado de atuação também ajuda a entender o tamanho da oportunidade e quão competitiva essa startup pode ser. Por fim, como os investidores buscam liquidez após ganhos, investimos em empresas que possam ser adquiridas ou negociadas em bolsa de valores no mercado público futuramente.”

Na Salesforce Ventures, braço de investimento da empresa de software americana Salesforce, que já investiu em cerca de 400 empresas no mundo, o alinhamento às demandas do mercado é um dos critérios mais importantes. “Estamos sempre de olho em para onde estão caminhando a sociedade, os negócios e a nuvem. Nosso foco de investimento sempre foram empresas de tecnologia empresarial transformadoras.

No entanto, dentro do espaço corporativo, investimos em setores de alto crescimento, como dados, fintech, saúde, futuro do trabalho e colaboração e segurança. Vemos produtos que têm adoção precoce e robusta e que atendem ativamente uma necessidade predominante”, diz Rob Keith, managing director da empresa. 

Segundo o executivo, ver os valores da companhia refletidos no negócio é outro ponto relevante. “Estamos comprometidos em apoiar uma próxima geração de startups inovadoras e essenciais para o ecossistema Salesforce, mas que também estejam focadas em promover mudanças sociais positivas por meio da tecnologia, desde educação, desenvolvimento da força de trabalho e sustentabilidade, até DE&I (diversidade, equidade e inclusão) e tecnologia do setor social”, esclarece.

Henrique Weaver, da Pagaleve: a empresa tem quase 1.000 varejistas assinados, entre eles grandes nomes do varejo, como Reserva, Ri Happy, Tok&Stok, Mizuno e Lupo (Edu Viana/Divulgação)

Possibilitar a inclusão foi um dos diferenciais para a aprovação do aporte na Pagaleve, por exemplo. “A empresa está preenchendo uma lacuna de mercado no Brasil, localizando o modelo ‘compre agora, pague depois’ e transformando a experiência de e-commerce no país. Para nós, sua capacidade de explorar um grande mercado não atendido, junto com sua sólida tração e liderança, tornou a empresa uma excelente oportunidade de investimento. Igualmente importante, a missão da Pagaleve de expandir o acesso ao crédito para milhões de brasileiros e o compromisso com a inclusão financeira se alinham aos próprios valores da Salesforce Ventures”, comenta Keith. 

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O que planejam as startups

Ser bem-sucedido na captação de recursos de uma startup vai muito além de meramente “ser escolhido”. O primeiro passo, do lado das empresas, é estudar o investidor e priorizar aquele que mais vai agregar valor ao negócio, trazendo o chamado smart money. “Os bons fundos ajudam com contratação, modelo de negócios, definição de preços, estruturação de vendas, M&A, expansão geográfica, net­working… O empreendedor tem de procurar um sócio que o complemente nos pontos em que não é forte”, orienta Rafael Stark, fundador e CEO do Stark Bank, challenger bank focado em grandes companhias.

Rafael Stark: empreendedor precisa buscar sócio que o complemente nos pontos fracos (Otavio Dias/Divulgação)

Neste ano, a fintech paulista recebeu um aporte de 45 milhões de dólares em uma rodada série B que contou com a participação da Bezos Expeditions, de Jeff Bezos, sendo o primeiro investimento da gestora criada pelo dono da Amazon em um negócio brasileiro. A empresa nascida em 2018, que passou os dez primeiros meses operando com dinheiro do próprio bolso de seu fundador, hoje processa alguns bilhões por semana. Com o novo capital, pretende processar bilhões por dia. 

Thomas Khalil, CFO da Caju, startup de benefícios corporativos flexíveis fundada em 2020, reforça que o melhor parceiro é aquele que, além de financiar o crescimento da empresa, contribui estrategicamente para a evolução dela. “Por isso, é importante conhecer bem o fundo o investidor, sua forma de atua­ção e em quais segmentos, geografias e estágios ele costuma investir, entre outras coisas”, aconselha. A última rodada da startup foi neste ano, a série B liderada pelo K1, em que captou 25 milhões de dólares.

“Na maioria dos casos, as startups começarão buscando investimento em troca de participação acionária. O processo demanda bastante energia, mas precisa ser muito bem-feito para viabilizar um futuro saudável para a startup”, salienta Henrique Weaver, cofundador e CEO da Pagaleve. Ele sugere fazer uma seleção dos investidores com maior potencial, considerando pontos como a experiência (familiaridade com a indústria, investimento em empresas similares, histórico de resultados); o tipo de investidor; se é estrangeiro ou brasileiro; e a disposição para ajudar em aspectos importantes para a empresa.

Rodrigo Monteiro, da OurCrowd: ”Procuramos empresas com times capazes de produzir novas tecnologias, de criação proprietária, buscando novos mercados e que pretendam expandir globalmente” (Divulgação/Divulgação)

Os termos comerciais são também fatores críticos. “O preço que cada investidor vai oferecer em troca de participação na empresa vai variar. As condições, também. Por exemplo, uma das coisas que alguns investidores pedem se chama preferência de liquidação. Nela, em um cenário futuro de venda da empresa, o investidor tem preferência para receber um valor predeterminado antes de todos os outros acionistas”, complementa Weaver.

Para Reinaldo Rabelo, CEO do Mercado Bitcoin, plataforma de criptomoedas que em 2021 recebeu um aporte de 200 milhões de dólares do SoftBank, como dentro desse ecossistema existem projetos em diferentes níveis de maturidade, investidores com tamanhos de cheques diversos e empreendedores com variados perfis, descobrir o melhor para cada negócio passa por conseguir encaixar essas peças da melhor forma possível.

Um elemento importante do quebra-cabeça, de acordo com Rabelo, é o estágio do negócio. “Uma startup em estágio inicial de validação de produto ou de engajamento de cliente tem pretensões bem diversas de outra que já está em modo scale-up. Aquela vai demandar menos recursos e mais atenção ao produto, ao relacionamento com o mercado e à construção de credibilidade; esta última, por sua vez, requer valores elevados de recursos e foco em crescimento, alocando quase toda a captação em mídia digital e incentivos para aumentar a base”, explica.

A busca precisa seguir critérios

Um ponto é unânime para os CEOs que vêm tendo êxito na captação: buscar recursos sem parâmetros bem definidos pode no fim trazer complicações ao empreendedor. Na visão de Rabelo, o capital a qualquer custo somente seria bem-vindo numa questão de sobrevivência. Fora isso, o empreendedor deve ser cauteloso e buscar dinheiro quando realmente estiver convicto sobre como aplicá-lo para gerar bons resultados. 

“Há casos de fundadores que chegam a séries B ou C com um percentual insignificante do captable. Nessa situação, nem podemos falar em empreendedores, porque todos já viraram funcionários da organização. Uma startup bem-sucedida na captação é aquela que consegue manter pelo maior tempo possível o foco dos seus fundadores exclusivamente no negócio”, afirma. 

Embora tenha recebido diversas propostas ao longo dos anos, o Mercado Bitcoin, criado em 2013, seguiu até o ano passado como bootstrap startup (operando apenas com recursos próprios, sem captação). Somente em 2021, com uma competição mais acelerada e profissional, os sócios decidiram aceitar investimentos externos. De lá para cá, foram levantados perto de 300 milhões de dólares, capital necessário para o desenvolvimento da plataforma nos próximos dois anos, sem representar uma diluição relevante do captable. “Isso certamente permitirá que busquemos novas captações no futuro, se houver necessidade”, avalia o CEO.

Weaver, da Pagaleve, lembra que, se o aporte não for bem negociado, pode até mesmo influenciar negativamente o potencial de exit da empresa. De acordo com ele, alguns investidores podem, por exemplo, colocar barreiras para que o negócio seja vendido para tipos específicos de empresas ou antes de uma quantidade determinada de anos — questões que precisam ser muito bem avaliadas.

Thomas Khalil, da Caju: a startup atende mais de 13.000 empresas e teve um crescimento de mais de 430% em comparação ao ano passado (Divulgação/Divulgação)

“Empreender é uma jornada longa, com muitos altos e baixos. Num desses baixos, caso o empreendedor tenha trazido o investidor errado, essa pessoa pode deixar as coisas mais difíceis ao tentar controlar o destino da empresa, até tomando o controle ou demitindo o empreendedor. Por isso, antes de aceitar investimentos, é preciso passar bastante tempo com o investidor, conversar com outros empreendedores que levantaram do mesmo fundo e entender como ele age quando os negócios não vão bem”, aconselha Rafael Stark.

Quem não é visto não é lembrado

Definidas as expectativas para a captação de recursos, vêm as estratégias para atrair a atenção do investidor. As táticas podem ser variadas, porém uma é inquestionável. “A melhor forma de conseguir ser visto é ter bons resultados. Essa é a máxima. Nada supera a execução e a entrega de resultados; esse tem de ser sempre o foco número 1”, enfatiza Khalil, da Caju. 

A proposta do negócio tem de ser muito boa também, como resume Henrique ­Weaver. Na visão dele, se o empreendedor ainda não está muito confiante em relação ao impacto que está trazendo, é mais produtivo se aprofundar em conversas com especialistas, amigos e colegas para lapidar o modelo de negócios até que fique extremamente sólido. “A conversa com o investidor não deve ser usada para fazer brainstorming”, alerta.

Considerando que, no caso das startups, o capital de risco deve ser buscado não só localmente mas também globalmente. Rabelo, do Mercado Bitcoin, diz que é essencial que o projeto da empresa seja exposto em todos os meios possíveis de contato com potenciais investidores. Isso inclui eventos, debates de associações, roadshows com fundos e dinâmicas de pitch deck.

Para o empreendedor que ainda está nessa trajetória em busca de capital, o fundador da Pagaleve usa sua experiência de sucesso para compartilhar algumas dicas. A primeira é que endosso e contatos valem ouro nessa jornada. “Comece as conversas pelos investidores com quem você tem alguma conexão, mesmo que não seja muito forte. Ser apresentado ao investidor por alguém que o conheça e possa falar alguma coisa de você ajuda bastante”, diz. 

Falar com um número razoável de investidores em potencial também é importante, segundo ele, não somente para aumentar o topo do funil mas para gerar insights úteis sobre como cada tipo de investidor pensa. E faz a recomendação: “Seja muito organizado nesse relacionamento com investidores. Tenha uma planilha para registrar todas as informações, o status e os próximos passos com cada um”.

Rob Keith, da Salesforce Ventures: “Estamos comprometidos em apoiar uma próxima geração de startups inovadoras, mas que também estejam focadas em promover mudanças sociais positivas por meio da tecnologia” (Divulgação/Divulgação)

Outra orientação é, na oportunidade de mostrar seu negócio, ter uma apresentação muito bem estruturada. “Treine seu pitch com funcionários, amigos e família. Peça ajuda para pessoas que já passaram por isso, mesmo que não as conheça tão bem. Quanto melhor for a preparação, maiores serão as chances de sucesso”, afirma Rabelo. 

Por último, como tudo na vida do empreendedor, é preciso ter resiliência, pois é comum ouvir “não” de investidores. “Isso não quer dizer que eles não acreditam no negócio, mas somente que a empresa e seu estágio de desenvolvimento não se encaixaram ao plano deles no momento”, finaliza o CEO.

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