Revista Exame

O Brasil anda procurando as companhias erradas

Para o plano de nossa política externa de entender-se melhor com os países que lideram a economia mundial, seria útil afastar-se de ditaduras calamitosas transformadas em nossos melhores amigos

Com nosso apoio: o Brasil aprova por escrito barbaridades cometidas por governos como o da Venezuela (Cristian Hernandez/ AFP Photo)

Com nosso apoio: o Brasil aprova por escrito barbaridades cometidas por governos como o da Venezuela (Cristian Hernandez/ AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 27 de março de 2014 às 20h03.

São Paulo - O Brasil, tanto quanto dá para entender quando ainda se presta atenção no que dizem as autoridades do setor econômico, está verbalmente empenhado em desentender-se um pouco menos com os países que lideram a economia mundial. O astuto objetivo dessa nova estratégia, também ao que parece, é atrair mais investimentos para o país.

Nosso governo, aparentemente, acaba de descobrir que o dinheiro disponível para ser investido na economia brasileira está nos países onde existe realmente dinheiro — e eles são, infelizmente, justo aqueles de que a diplomacia nacional menos gosta.

Que azar, não é mesmo? Bem no momento em que o Brasil está tão necessitado de receber dinheiro internacional para tentar uma retomada do crescimento, descobrimos que há 11 anos seguidos, desde que o PT foi para o governo, decidiu-se eliminar até o limite do possível qualquer simpatia em relação às “economias hegemônicas”, ou coisa parecida — e que isso, finalmente, pode nos causar problemas.

Basicamente, será preciso convencê-las agora de que o Brasil, no fundo, é muito gente fina — e, por falar nisso, não daria para separar algum e financiar uma hidrelétrica, por exemplo, ou fazer um trem andar numa dessas ferrovias que estão sendo construídas há 20 anos, já foram inauguradas sabe-se lá quantas vezes, mas nunca ficam prontas?

É preferível fazer isso, certamente, a atravessar a rua para criar caso com algum país rico que está passeando na outra calçada, como o Itamaraty faz desde janeiro de 2003.

Da mesma forma, seria útil para o plano mestre de nossa política externa afastar-se um pouco dessas ditaduras calamitosas que foram transformadas em seus melhores amigos — ou, pelo menos, não mostrar tanta excitação em bajular tiranetes de meia-tigela e aprovar automaticamente qualquer desatino que cometem, incluindo homicídio.

Ninguém pode andar em tal companhia e, ao mesmo tempo, imaginar que será respeitado por países democráticos e de cofres cheios. Não se trata apenas de encantar-se com engenheiros do caos empenhados em sepultar suas desgraçadas economias — o que, aliás, já é péssima recomendação para quem quer ser ouvido no mercado internacional.

Agora, como acontece no caso da Venezuela, o Brasil está aprovando, por escrito, o múltiplo assassinato de opositores por bandos armados a serviço do governo, a prisão de um líder de oposição que não cometeu a mínima ilegalidade e outras barbaridades. Aí, já é crime de quadrilha.

O possível esforço para interromper o afastamento em relação ao mundo desenvolvido até que não vai mal, embora também não chegue a ir bem — é tarefa muito difícil, neste governo, encontrar alguma coisa que realmente vá bem.

A presidente Dilma Rousseff ainda está esperando um “pedido de desculpas” do companheiro Barack Obama, por causa do projeto de espionagem mundial executado pelos Estados Unidos — algo que não vai receber nunca.

Continua achando que sabe mais do que a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e que os problemas do Brasil são provocados diretamente pelas economias ricas — embora não fique claro o que elas poderiam ter a ver com nossos 50 000 homicídios por ano, corrupção em níveis jamais vistos, índices miseráveis na capacidade de competir, semianalfabetismo, e por aí afora.

Mas não há muito problema com isso tudo, pois ninguém leva a sério o que o Brasil acha ou não acha politicamente — o que se olha mesmo são os fundamentos econômicos. Já a cumplicidade com regimes celerados pode sair bem mais cara.

É arriscado o Itamaraty assinar uma nota tão servil, falsa nos fatos e paraplégica na inteligência, como a que fez para apoiar o ditador da Venezuela — homem com todos os vícios de seu antecessor e nenhuma de suas virtudes.

Nenhum dos países de onde o Brasil espera investimentos se sente confortável com a instabilidade, a falta de princípios e o ambiente mental desconexo do governo Dilma — sinais emitidos em volume máximo por erros grosseiros como o apoio à Venezuela de hoje.

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