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Óleo e Gás brasileiros: rumo ao carbono neutro

O petróleo e o gás natural ainda são importantes para as empresas durante o período de transição energética. O Brasil está bem posicionado para aproveitar esse contexto

 (Petrobras/Divulgação)

(Petrobras/Divulgação)

Luciano Pádua
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 10 de novembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 13 de novembro de 2023 às 14h15.

O setor de óleo e gás brasileiro conta com diferenciais competitivos em relação aos concorrentes em direção à neutralidade de carbono.  Para responder ao desafio global de reduzir as emissões, as empresas de O&G brasileiras já diversificam seus investimentos para incluir tecnologias de baixo carbono em seu processo produtivo e medidas para reduzir emissões associadas às suas operações. “A indústria também é parte da solução, por contar com tecnologia de ponta, pessoal qualificado e capilaridade junto às economias de diversos países”, destacou Jean Paul Prates, presidente da Petrobras, em agosto último durante evento do Fórum Mundial Econômico, na Suíça.

A produção de petróleo no Brasil se caracteriza por uma baixa intensidade de carbono por barril  produzido — inferior a boa parte dos países produtores do mundo. No médio e longo prazos, a menor taxa de emissão do petróleo brasileiro tende a beneficiar o país como opção na garantia da segurança energética para setores econômicos de difícil descarbonização, como transportadores marítimos, companhias aéreas e indústria pesada, que representam uma fatia importante da riqueza dos países. Grandes produtores mundiais de petróleo,  como Canadá, Irã e Iraque, apresentam taxas de emissão de CO2 por barril consideravelmente acima da média global, hoje situada em torno de 20,4 quilogramas de CO2 por barril de óleo equivalente (kgCO2/boe). O Brasil, por sua vez, está em 16,9  kgCO2/boe (2019), conforme aponta o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que reúne as grandes produtoras do segmento de óleo e gás do país.

De acordo com a consultoria S&P Global Platts, que monitora as atividades de produção de campos petrolíferos do mundo todo, o petróleo bruto do Campo de Tupi, na Bacia de Santos, emite menos de 15 kgCO2/boe. De lá, sai quase metade do volume retirado do pré-sal. O dado corrobora a informação do IBP. No pré-sal, a taxa é ainda menor, próxima a 10 kgCO2/boe.

No caso brasileiro, apenas 18% dos gases de efeito estufa derivam da matriz energética — ante a média mundial de 76%. Governo, think tanks e organizações representativas da indústria destacam que, no Brasil, os maiores esforços em direção à neutralidade de carbono devem vir das políticas de combate ao desmatamento e de estímulo a práticas sustentáveis no setor agropecuário, que respondem hoje pela maior parte das emissões. Mais uma vez, o país conta com vantagens comparativas para lidar com o problema. O país detém grande potencial de NBS (soluções baseadas na natureza)  em seu território, respondendo por aproximadamente 20% desse potencial global. E, no caso brasileiro, é possível conciliar objetivos alimentares, energéticos e ambientais, por meio da conversão de 61 milhões a 85 milhões de hectares de pastagens degradadas em florestas nativas, florestas energéticas plantadas e agropecuária sustentável.

Relevância econômica hoje e no futuro

A relevância econômica das fontes tradicionais de energia no Brasil é incontestável. Em 2022, as vendas brasileiras de petróleo bruto para parceiros comerciais chegaram a 42,6 bilhões de dólares, o correspondente a 12,7% da receita total do país com exportações. Desde o início da exploração do pré-sal, em 2008, o volume de petróleo embarcado pelo Brasil mais do que triplicou. As receitas do petróleo e de seus derivados ficaram, respectivamente, em segundo e quarto lugares na balança comercial em 2022. Trata-se de um setor que desenvolve tecnologias de ponta, gera empregos e renda de qualidade e garante o suprimento de energia para o desenvolvimento da economia do país.

Estudo desenvolvido pelo governo brasileiro1 em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), lançado em fevereiro deste ano, mostra que em qualquer dos cenários traçados para a transição até a neutralidade de emissão de carbono em 2050, a participação de óleo e gás na matriz energética brasileira deverá se situar entre 13% e 27% (ante aproximadamente 50% atualmente). Em todos os cenários, a queda mais acentuada ocorrerá a partir de 2040. Na hipótese intermediária, em que o país persegue sua meta em um contexto de baixa cooperação internacional, o segmento responderá por aproximadamente 25% da matriz.

Segundo o mesmo estudo, o país já se encontra hoje avançado em sua transição energética em comparação ao resto do mundo. Sua matriz ostenta metade da energia primária oriunda de fontes renováveis (49% em 2020), bem acima da média mundial (14% em 2019).

Redução de emissões em O&G: casos de sucesso

Utilizando a técnica de captura e armazenamento geológico do carbono (CCS, também conhecida como CCUS), a gigante mundial Petrobras informou ter reinjetado 10,6 milhões de toneladas de CO2 no ano passado nos campos do pré-sal, de onde saíram 76% da produção brasileira de petróleo. Isso representa um quarto de todo o carbono reinjetado no mundo. Desde 2008, a Petrobras injetou 40,8 milhões de toneladas no fundo do mar, quantidade que deixou de ser liberada para a atmosfera. Resumidamente, a reinjeção no próprio reservatório evita a emissão do carbono, permite o aproveitamento comercial do gás e contribui para aumentar a recuperação final de petróleo.

Transição no gás natural

Apesar de o Brasil ainda ser dependente do petróleo, o gás natural apresenta-se como um combustível de transição para a indústria, a geração de energia termelétrica e o abastecimento de veículos. Em 2019, um acordo entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Petrobras estabeleceu compromissos para aumentar a competitividade do mercado de gás natural e permitir a atração de investimentos. Desde então, a produção diária chegou a 140 milhões de metros cúbicos e pode atingir os 253 milhões de metros cúbicos em 2029, segundo estudo de grupo de trabalho do Ministério de Minas e Energia, realizado em 2020. Outras políticas públicas buscaram criar um ambiente fiscal e regulatório mais estável para os investidores.

A transição energética da indústria cimenteira, por exemplo, é dificultada pelo próprio processo de produção, que depende da queima intensa de combustíveis — atualmente, 70% do suprimento dos fornos é coque de petróleo. Para o setor não depender apenas da captura de carbono, uma alternativa é a troca gradativa por gás natural e eletricidade, aponta o documento “Neutralidade de Carbono até 2050”. Ao longo dos anos, o coque seria substituído integralmente, com predominância do uso de gás natural. Os fabricantes de cimentos emitem 23% dos gases de efeito estufa gerados na indústria.

Desafio no transporte

Responsável por 80% do comércio mundial de mercadorias e 3% das emissões de gases de efeito estufa, o transporte marítimo terá um processo mais lento de transição energética. Os navios dependem de combustíveis de alta densidade de energia para percorrer longas distâncias com maior eficiência. Atualmente, o bunker — produto refinado do petróleo — é o dominante, mas pode ceder participação para o gás natural liquefeito, entre outros combustíveis.

Avião pousa no Aeroporto de Guarulhos: o setor de transporte é um dos mais desafiadores para a transição energética (Claudio Capucho/Getty Images)

Outros investimentos virão da produção de petróleo na Margem Equatorial, do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Até 2027, a Petrobras pretende aplicar 2,9 bilhões de dólares na pesquisa de poços na região, que se mostra promissora depois de descobertas nas Guianas e no Suriname. Se confirmadas, as reservas poderão ter um efeito semelhante ao do pré-sal. Na Bacia da Guiana, estima-se um volume de 11 bilhões de barris de petróleo. Por comparação, toda a reserva provada do Brasil é calculada em 14,9 bilhões de barris.

A investigação na fronteira equatorial precisará equilibrar o cuidado com as questões ambientais e de segurança e a transição energética. “É uma oportunidade única para alavancar a produção e o desenvolvimento socioeconômico e precisa ser tratada de forma responsável”, afirma Ana Paula Repezza, diretora de negócios da ApexBrasil.  Segundo ela, é necessário avaliar de forma estratégica como dosar adequadamente o ritmo dessa transição no país, para garantir o acesso à energia a todos, a um custo razoável. “É crucial que estejamos cientes de nossas capacidades e vantagens competitivas, além de trabalhar para a atração de investimentos que tenham um impacto qualitativo significativo", diz Ana Paula. “Isso se aplica tanto à produção de energias renováveis, como eólica e solar, quanto à exploração de petróleo e gás, especialmente com nosso conhecimento em tecnologias para exploração em águas profundas, como atualmente nas Bacias de Campos e Santos, e, agora, com a perspectiva da nova frente exploratória na Margem Equatorial.” A transição até a neutralidade de carbono é uma decisão inadiável. Até lá, muitos novos desafios deverão surgir pelo caminho.

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