Revista Exame

Odebrecht e Petrobras têm, juntas, um rolo de dificílima solução

As duas empresas mais afetadas pela Lava-Jato controlam uma gigante petroquímica, a Braskem. Uma quer vender sua fatia, a outra quer participar do processo

Fábrica da Braskem: enquanto os donos negociam, os resultados da empresa dão um alívio (Mirian Fichtner)

Fábrica da Braskem: enquanto os donos negociam, os resultados da empresa dão um alívio (Mirian Fichtner)

AP

Ana Paula Ragazzi

Publicado em 13 de março de 2017 às 05h55.

Última atualização em 13 de março de 2017 às 12h22.

São Paulo — É impressionante a lista de empresas que tiveram a reputação arrasada pela Operação Lava-Jato. A maioria seguiu mais ou menos o mesmo script depois de ser pega: assinou acordos de leniência, pagou multas, afastou os executivos investigados e anunciou que reforçaria a equipe de controles internos. A petroquímica Braskem fez tudo isso nos dois últimos anos, assim que alguns de seus executivos foram citados em delações premiadas como integrantes de um esquema de corrupção destinado a favorecer a companhia em contratos com a Petrobras e na obtenção de benefícios fiscais.

Falta, no entanto, a resolução de um problema crucial: quem vai comandar a empresa daqui para a frente? A Braskem é controlada por duas das companhias mais enroladas na Lava-Jato, a Petrobras e a Odebrecht. A primeira já anunciou que quer vender sua participação na petroquímica, um passo importante para ajudar a reduzir sua dívida colossal. Mas, antes, precisa negociar as condições da venda com a Odebrecht — um acordo complexo que tem motivado uma disputa entre os sócios.

A Petrobras, de acordo com executivos próximos à negociação entre os sócios, quer mudar as regras do acordo de acionistas antes de achar um comprador para sua participação na Braskem — a estatal tem 36% do capital da petroquímica, o equivalente a 9 bilhões de reais. O objetivo é dar mais poderes a quem vier a comprar sua participação, tornando o negócio mais atraente para os potenciais interessados. Hoje, a Petrobras tem uma influência limitada na gestão da Braskem: ela pode vetar decisões estratégicas — como a aquisição de uma nova empresa — e indica quatro dos 11 membros do conselho de administração.

A maioria das cadeiras do conselho e seu presidente foram escolhidos pela Odebrecht, que é também quem escolhe o presidente executivo e, assim, toca a Braskem no dia a dia. Para a Petrobras, isso limita a escolha de compradores a quem topar sentar no banco do passageiro. EXAME apurou que a Odebrecht concorda em ceder mais direitos a um novo sócio — a companhia contratou a consultoria EY para fazer uma reestruturação interna e transformar o grupo num investidor, em vez de ser gestor das empresas em que investe.

Mas quer discutir os novos termos ao mesmo tempo que trata da renovação do contrato de fornecimento de nafta pela Petrobras (a nafta é um derivado do petróleo e a principal matéria-prima da cadeia petroquímica no Brasil). O contrato atual vence em 2018 e, na avaliação da Odebrecht, ninguém vai se interessar em comprar uma participação relevante na Braskem sem saber quais serão as condições de longo prazo para o fornecimento de nafta depois que a Petrobras deixar o bloco de controle. Além disso, a Odebrecht quer discutir os dois pontos com os interessados em comprar a fatia da Petrobras, e não apenas com a estatal. Já a Petrobras sinaliza que quer se concentrar em vender quanto antes sua participação na Braskem e deixar para discutir o novo contrato mais tarde.

Desconto na bolsa

Enquanto não chegam a um acordo, os sócios seguem buscando um comprador para a parte da Petrobras. O que pode ajudar a atrair interessados é o fato de a Braskem ser negociada na Bovespa com um desconto médio de 45% em relação ao valor de mercado de suas principais concorrentes internacionais, entre elas Dow, Basf, Sumitomo, Alpex e Lanxess, segundo cálculos dos analistas do Bank of America. Em parte, o desconto se deve à recessão brasileira e ao fato de concorrentes na América do Norte terem acesso a matérias-primas mais baratas vindas da indústria de gás de xisto. Mas, para Fernando Musa, presidente da Braskem, o desconto pode diminuir se a empresa se tornar mais eficiente.

“Há espaço para melhorar nossa logística e nossos processos”, diz ele, que assumiu o comando da petroquímica em maio, depois de uma carreira de seis anos na empresa (ele era responsável pelas operações da empresa nos Estados Unidos e na Europa). “Outra frente que pode valorizar as ações é nosso projeto de expansão, via aquisições e construções de fábricas aqui e no exterior.” Uma dessas fábricas é uma unidade de produção de polipropileno, que a empresa já anunciou que pretende construir no estado americano do Texas. “Obviamente, se houver uma mudança no controle, o novo acionista virá com sua visão e expectativas de negócio e nós vamos ter de incorporá-las. Mas, enquanto isso não acontece, seguimos na mesma estratégia”, diz Musa.

Quem tem 9 bilhões de reais na manga para comprar uma participação minoritária da Braskem? Banqueiros e executivos do setor de petróleo apostam em petroquímicas e fundos soberanos do Oriente Médio. No caso dos fundos, o objetivo seria pagar barato para fazer um investimento que pode trazer bons retornos no longo prazo. A Braskem reduziu o risco de ter problemas em suas operações no exterior ao fazer um acordo de leniência e outro com autoridades no Brasil, nos Estados Unidos e na Suíça, em que se comprometeu a pagar uma multa de 3,1 bilhões de reais. Parte desses recursos pode, inclusive, ir para a Petrobras se o Ministério Público assim decidir.

Outra vantagem para os possíveis interessados é o fato de a empresa distribuir dividendos generosos aos acionistas — em 2016, foram 2 bilhões de reais. Para as grandes petroquímicas do Oriente Médio, que não têm presença na América Latina, uma sociedade com a Braskem pode ser uma porta de entrada para esse mercado. No caso de uma empresa que já atue na região, poderá haver uma sobreposição de negócios e a necessidade de tomar medidas para adequar a operação para não ter de concorrer com ela mesma se virar sócia da Braskem. A Braskem é a maior petroquímica da América Latina e passou a ter 70% do mercado brasileiro. Odebrecht e Petrobras não deram entrevista.

Na parte operacional, os resultados da Braskem foram um alívio. As receitas cresceram e a produção de petroquímicos básicos chegou a 8,5 milhões de toneladas em 2016, um recorde. A geração de caixa aumentou 23%, para 11,5 bilhões de reais, outro recorde. A empresa teve prejuízo de 768 milhões de reais em razão da multa de 3,1 bilhões de reais. Metade do valor da multa foi paga em 2016 e o restante será parcelado em seis anos, mas a quantia foi integralmente provisionada no balanço do ano passado (sem essa provisão, a companhia teria tido lucro de 2,3 bilhões de reais).

Com o bom desempenho, as ações subiram. A alta foi de 190% desde que a empresa foi citada nas delações da Lava-Jato no início de 2015 — no mesmo período, o Ibovespa subiu 36%. São indícios de que, se seus donos saírem do enrosco em que se meteram, a Braskem poderá funcionar como uma empresa normal — e que consiga dar retorno a seus milhares de acionistas.

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