Loja do Walmart: expansão foi facilitada pela propina, diz denúncia (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 15 de junho de 2012 às 14h39.
São Paulo - Nos últimos dez anos, o modelo de expansão internacional da rede americana de varejo Walmart, a maior empresa do mundo, foi considerado um caso de sucesso. No período, o número de lojas passou de 4.414 para 10.158. O grande destaque da expansão foi a Walmex, que congrega as operações no México, na Guatemala, na Costa Rica, em Honduras, em El Salvador e na Nicarágua.
Apenas no México o crescimento foi de 135% em cinco anos. Hoje, de cada cinco lojas do Walmart no mundo, uma está no país. No sábado 21 de abril, vieram à tona revelações que, se comprovadas, poderão ajudar a entender as razões de tamanho sucesso.
De acordo com uma reportagem do jornal The New York Times, executivos da companhia no México teriam distribuído 24 milhões de dólares em propinas a centenas de prefeitos e funcionários públicos em troca da obtenção de licenças para a construção de lojas na última década.
A prática teria sido incentivada por um dos principais executivos da companhia, o equatoriano Eduardo Castro-Wright, que até recentemente era o vice-presidente do conselho global do Walmart e que esteve à frente da operação mexicana até 2005.
As acusações que envolvem a operação mexicana seriam por si sós suficientes para causar um imenso estrago à imagem global da empresa, que faturou 444 bilhões de dólares no último ano fiscal.
Mas, seguindo a regra de que tudo o que é ruim pode ficar pior, há evidências de que os executivos da matriz em Bentonville estavam cientes dos expedientes adotados no México — e não reportaram o caso para as autoridades americanas e mexicanas. Ainda não é possível saber o tamanho do impacto na companhia.
Nas últimas décadas, intensificou-se a busca das empresas por mercados externos e por custos mais baixos de produção nos quatro cantos do mundo — o que faz todo o sentido do ponto de vista da lógica econômica. Esse movimento foi acompanhado pela expectativa de que, além de cumprir as leis locais, as empresas também levariam na mala os padrões mínimos de conduta de seu país de origem.
Ou seja, além de dinheiro, as corporações deveriam exportar boas práticas para os novos mercados. Para não ficar tudo no plano das boas intenções, também foram criadas leis para garantir que as empresas ajam no exterior como se estivessem em casa. Os americanos foram uns dos primeiros, mas, nos últimos anos, o cerco à corrupção no exterior foi ampliado.
Em 2011, o Reino Unido criou uma legislação que atinge até empresas cujos fornecedores tenham subornado no exterior. No Brasil, o governo propôs, em 2010, um projeto de lei que atribui responsabilidade a empresas em atos de corrupção no país e no exterior.
As penas previstas incluem multas que podem chegar a 20% do faturamento da acusada e até a suspensão das atividades. Em abril, o projeto recebeu parecer favorável do relator. Antes de seguir para o Senado, deve ser votado na Câmara.
Lá fora, a legislação já trouxe resultado. Nos Estados Unidos, estima-se que, entre 2008 e 2011, companhias e executivos tenham recebido multas de 2,5 bilhões de dólares por ações que correram no Departamento de Justiça sobre violação da lei anticorrupção.
O caso mais notório é o da companhia alemã Siemens, que, entre 2001 e 2007, distribuiu 1,4 bilhão de dólares em suborno em países como Venezuela, Israel e México. Condenada, pagou 800 milhões de dólares em multas apenas nos Estados Unidos.
Apesar dos casos de condenação, não faltam novas denúncias. Dias antes da reportagem sobre o Walmart vir à tona, outra empresa americana foi acusada. De acordo com o jornal inglês Financial Times, a companhia de exploração de petróleo Cobalt, cujo principal acionista é o banco de investimento Goldman Sachs, é alvo de investigação do Departamento de Justiça americano e da SEC, órgão equivalente à CVM no Brasil.
O motivo é a suspeita de corrupção em Angola. Chamou a atenção das autoridades o fato de a Cobalt explorar três áreas em parceria com a Nazaki, empresa que conta com a participação oculta de Manuel Vicente, atual ministro da Economia, e de dois generais angolanos.
"Companhias que pagam propina e dizem que não tinham escolha são empresas mal geridas", diz Alexandra Wrage, presidente da Trace International, organização que promove programas anticorrupção.
Mesmo antes do estouro do caso Walmart, o México já estava no centro de outros escândalos de corrupção. De acordo com o instituto de pesquisa Global Financial Integrity, na última década o país perdeu 50 bilhões de dólares por ano para atividades criminosas, propina e evasão fiscal — no Brasil, a título de comparação, estima-se que tenham sido perdidos 6,7 bilhões de dólares anuais.
Um ambiente como esse costuma dar a sensação de impunidade. A lógica parece ser a de "dançar conforme a música" para não perder espaço para os concorrentes. "Não é fácil escapar das garras da corrupção. Mas isso não deve ser desculpa", diz Heather Lowe, diretora do Global Financial Integrity.
O que complica o quadro é a concorrência cada vez mais acirrada por mercados. Nem todos os países parecem igualmente preocupados com o combate à corrupção. Já se tornou notória a parceria de empresas chinesas com alguns dos governos mais "complicados", especialmente na África.
É como se a China quisesse replicar no exterior a famosa frase atribuída a Deng Xiaoping: não importa a cor do gato, desde que cace ratos. O que fazer se um concorrente de peso decide ignorar limites éticos? As empresas devem simplesmente abrir mão desse mercado — ou, ao contrário, fechar os olhos para o malfeito?
Não parece ter sido esse o caso do Walmart — ali, as suspeitas são de uma ânsia por crescimento a qualquer custo. Ainda é cedo para dizer se as autoridades americanas terão provas para condenar a empresa. O que, sim, está claro são os custos das acusações — somente no primeiro pregão após a denúncia, as ações da empresa perderam 5% do valor.
Muito pior são os prejuízos para a imagem, sempre no caso de as suspeitas serem confirmadas. Desde que o mundo é mundo, propina existe e é improvável que ela desapareça de cena. Mas cada vez menos é tolerado quem corrompe, suborna e faz negócios a qualquer preço.