Fábrica da Embraer em São José dos Campos, no interior de São Paulo: avanço nas áreas de jatos executivos e aviões militares (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 14 de agosto de 2013 às 14h21.
Paris e São Paulo - Nem mesmo as impressionantes manobras de caças nos céus de Paris durante o salão de Le Bourget, a maior feira da aviação mundial, distraíram o engenheiro carioca Frederico Curado de uma agenda frenética no dia 17 de junho. Numa sequência ininterrupta de encontros que se iniciaram logo pela manhã e só terminaram às 11 da noite, ele seguiu um cronograma semelhante ao de um chefe de Estado em visita oficial.
Pelos corredores ou a portas fechadas, falou com quase 70 pessoas — entre ministros, presidentes de companhias aéreas, fornecedores e jornalistas de todo o mundo. Não houve tempo sequer para o almoço, resumido a um lanche rápido no galpão da Embraer no evento.
Ao final daquele dia, a correria foi compensada com a confirmação de um dos maiores pedidos da história da fabricante brasileira — 100 unidades de sua mais nova geração de jatos comerciais pela companhia aérea americana SkyWest, num valor estimado em 9 bilhões de dólares em entregas a partir de 2018.
Em conjunto com a intenção de compra de outras 100 unidades, o montante pode dobrar. Em valores, os pedidos da Embraer só perderam para os da americana Boeing e os da francesa Airbus, as duas gigantes da aviação mundial, que venderam quase 40 bilhões de dólares cada uma — e, a rigor, não competem diretamente com a Embraer, já que fabricam aviões maiores.
A arquirrival canadense Bombardier, por sua vez, encerrou sua participação quase sem contratos. “É um aval de que acertamos em nossa aposta para o futuro”, diz Curado.
O pedido bilionário ajudou a inflar as ações da Embraer. Enquanto o Ibovespa encolheu 23% entre janeiro e junho de 2013, o valor de mercado da companhia cresceu 39% — a maior valorização entre os papéis que compõem o índice. Além do saldo em Paris, uma série de boas notícias sustentou o otimismo dos investidores.
Desde janeiro, a companhia anunciou mais de 5 bilhões de dólares em novas encomendas. Uma delas abriu para a Embraer as portas do maior mercado de equipamentos militares do mundo: em fevereiro, o governo americano confirmou seu primeiro pedido para a fabricante brasileira de 20 unidades do Super Tucano.
As conquistas, até agora, indicam a continuidade de uma rota ascendente. Em 2012, a Embraer faturou 12,2 bilhões de reais — 24% mais que no ano anterior. O lucro quadruplicou. Os resultados financeiros de 2012, as perspectivas para o futuro e a capacidade histórica de se manter competitiva em meio a pesos-pesados globais num setor de alta tecnologia levaram a Embraer a ser escolhida a Empresa do Ano de Melhores e Maiores 2013.
Uma notável capacidade de adaptação explica a resistência da fabricante brasileira. São movimentos meticulosamente calculados, movidos a investimentos vultosos e com riscos da mesma proporção. Para a Embraer, a mudança mais emblemática tem sido a diversificação de seus produtos.
Aos poucos, seus negócios avançam além do instável mercado da aviação comercial. Este ainda é o principal negócio da companhia — e os novos modelos vendidos em Paris receberão investimentos de 1,7 bilhão de dólares para sair do papel nos próximos oito anos. Mas a área perde peso gradualmente.
Em 2004, representava 82% das vendas. Em 2012, passou para 61%. Projeções da Embraer indicam que o percentual cairá para 52% em 2013. É uma ótima notícia para uma empresa que já sofreu com o vaivém típico de um setor em constante crise. Em 2011, a então concordatária companhia aérea American Airlines suspendeu inesperadamente a encomenda de centenas de aeronaves.
Como resultado, o lucro da Embraer caiu quase 73%. Para se proteger dessa ameaça, a empresa passou a investir numa obstinada busca por eficiência. E buscou diluir o risco investindo em outros negócios.
A transição já deu resultados. Num feito simbólico, a área de defesa faturou mais de 1 bilhão de dólares em 2012. A companhia, que ingressou no mercado de jatos executivos há apenas uma década, já havia alcançado o patamar de 1 bilhão de dólares por ano neste segmento em 2010 e hoje ocupa a terceira posição em número de jatos entregues, atrás apenas da Bombardier e da americana Cessna.
Trata-se de um avanço e tanto para uma companhia que nasceu estatal em 1969. A ambição de seus fundadores, um grupo de militares da Aeronáutica, era desenvolver excelência tecnológica capaz de criar aviões locais. Durante boa parte de seus primeiros 30 anos de existência, a empresa se manteve basicamente como um reduto de engenheiros formados no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Fundado em 1950 em São José dos Campos, no interior de São Paulo, o ITA nasceu do encontro de um grupo de 40 engenheiros estrangeiros — boa parte deles vinda do mítico Massachusetts Institute of Technology (MIT). No comando da Embraer estavam dezenas de marechais e brigadeiros.
Logo se formou um ambiente com muita tecnologia, mas pouca eficiência. Nesse período, surgiram projetos como o do jato ERJ-145, um modelo de 50 lugares, que sustentou a expansão da companhia na aviação comercial no fim dos anos 90.
Quase quebrada à época da privatização, em 1995, a Embraer começou a passar por um choque de gestão ao ser comprada por um consórcio formado pelo banco Bozano, Simonsen e os fundos de pensão Previ e Sistel (do grupo original, apenas a Previ se manteve entre os sócios e hoje divide espaço com fundos como o BNDESPar e o americano Blackrock).
Começava então a segunda vida da empresa — quando se torna uma estrela (pequena, é verdade) da aviação mundial. Desde então, o maior esforço interno tem sido manter a tradicional excelência técnica associada à excelência gerencial. “Com modelos menores, mas robustos, a empresa rapidamente ganhou relevância entre os concorrentes”, diz Humberto Bettini, especialista do setor aéreo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Celebridades
Para a Embraer de hoje, embarcar em novas áreas significa aprender a variar até o repertório de táticas de venda. Em 2012, a empresa contratou seu primeiro garoto-propaganda, o ator chinês Jackie Chan, para promover seus jatos executivos. (A Bombardier havia contratado o ator americano John Travolta um ano antes.)
Também é sintomático que dois dos mais ambiciosos projetos de novas aeronaves estejam fora da aviação comercial. Um deles é o de um novo jato executivo, o Legacy 500, cujas entregas devem começar em 2014. O modelo será o primeiro de sua categoria que substituiu cabos por um sistema digital para comandos como movimentações do leme e do trem de pouso, considerado mais seguro, e é o único desse porte com altura suficiente para que os passageiros circulem de pé em seu interior.
Em paralelo, a companhia tem se dedicado ao desenvolvimento do cargueiro KC-390, a mais importante aeronave militar já desenvolvida pela Embraer. Nenhuma outra nessa categoria permite abastecer outras aeronaves em pleno voo. Até agora, o principal avião de defesa da empresa, o Super Tucano, compete num nicho de 3 bilhões de dólares. Com o KC-390, o potencial só na reposição de aeronaves antigas é de 50 bilhões de dólares.
Nessa nova fase, a Embraer pretende manter uma estratégia que deu certo até agora — não invadir o espaço aéreo das líderes Boeing e Airbus. A regra valeu na concepção de sua nova linha de aeronaves comerciais, que manteve o tamanho de suas aeronaves na categoria de até 130 lugares.
A rival Bombardier fez o inverso ao avançar na categoria de 150 assentos, mas não teve sucesso e perdeu a terceira posição em jatos comerciais para a Embraer. Ao manter distância das líderes, a empresa brasileira pode hoje transformar oponentes em aliados. Neste ano, fechou uma parceria com a Boeing para a venda do KC-390 nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Oriente Médio.
“Temos tido discussões semanais”, diz Chris Raymond, vice-presidente de desenvolvimento da Boeing Defesa, Espaço e Segurança. “Nossas culturas são semelhantes e nossas linhas de produtos não competem.”
Ganhar importância em novas áreas permitiu à Embraer expandir sua produção fora do país. “Estamos deixando de ser apenas uma exportadora para virar uma companhia global”, afirma Curado. Até 2012, a Embraer só mantinha a montagem de aeronaves em São José dos Campos e em Gavião Peixoto, no interior de São Paulo.
Em 2011, a empresa iniciou a produção de jatos executivos nos Estados Unidos, na cidade de Melbourne, na Flórida. No ano passado, começou a produzir peças na cidade de Évora, em Portugal. A empresa também se prepara para reativar a fábrica de Harbin, na China, até o fim deste ano.
Erguida em 2002 em parceria com o governo chinês, dedicava-se originalmente à montagem de aviões comerciais. Após uma mudança no interesse dos chineses, porém, a Embraer se viu forçada a mudar a vocação da unidade — que ficou um ano parada e voltará a produzir jatos executivos até o fim de 2013. Outra fábrica que deve iniciar a produção neste ano é a de Jacksonville, nos Estados Unidos, para cumprir o contrato militar confirmado em fevereiro.
Paralelamente, o corpo executivo da empresa começa a pensar no futuro do negócio além das aeronaves. Em 2011, a Embraer comprou 50% de participação na paulista Atech, que produz equipamentos usados em terra para controle de tráfego aéreo, por 36 milhões de reais. Em fevereiro, iniciou a produção de aviões não tripulados, conhecidos como drones, em parceria com a empresa brasileira Avibras.
Por enquanto, tudo isso ainda pode parecer pouco relevante. Mas os executivos da Embraer sabem que, para sobreviver no futuro, terão de fazer prevalecer a habilidade da companhia em criar negócios bilionários a partir do zero — e escrever os próximos capítulos de sua fascinante história.