O presidente chinês Xi Jinping: agora sem amarras constitucionais, ele poderá governar a China por quanto tempo quiser | (China Daily/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 15 de março de 2018 às 05h00.
Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 15h46.
A revista The Economist o chama de “o homem mais poderoso do mundo”. O presidente chinês, Xi Jinping, que provavelmente se tornará presidente da China para toda a vida depois de remover o limite de dois mandatos de cinco anos previstos na Constituição, em meados de março, certamente concordará com a afirmação da revista. Desde que se tornou o chefe do Partido Comunista Chinês em novembro de 2012, Xi tem realizado um feroz expurgo político sob o pretexto de acabar com a corrupção e conseguiu se tornar o governante mais poderoso da China desde a morte do ditador Mao Tsé-tung, em 1976. Além de colocar dezenas de milhares de integrantes do Partido Comunista Chinês na prisão, Xi presidiu uma implacável repressão à sociedade civil, às redes sociais e aos dissidentes políticos, impondo o controle governamental mais severo da era pós-Mao.
O retorno ao rígido domínio autoritário na China sob Xi tem azedado as relações de Pequim com o Ocidente. Aqueles que esperavam que o desenvolvimento econômico e a modernização do país trouxessem uma transformação política acabaram desiludidos. Ao mesmo tempo, os estrategistas geopolíticos mais agressivos, que sempre se preocuparam com a possibilidade de um poderoso regime autocrático na China substituir a hegemonia do poder americano no mundo, ganharam influência e credibilidade.
Agora que Xi acumulou mais poder e que é quase certo que ele governará a China por mais de uma década, a questão é se o retorno ao governo de um único homem no país ajudará ou prejudicará o crescimento econômico chinês.
O prognóstico não é agradável se observarmos a história do Partido Comunista Chinês desde que o grupo chegou ao poder, em 1949. Nos primeiros 27 anos de governo comunista (de 1949 a 1976), um líder ditatorial, Mao Tsé-tung, exerceu uma autoridade suprema sobre o partido e sobre a nação chinesa. O resultado foi calamitoso. Sua visão utópica radical, -suas políticas equivocadas e sua megalomania pessoal levaram à morte de mais de 40 milhões de pessoas inocentes: pelo menos 36 milhões de pessoas morreram de fome na pior crise de escassez de comida do mundo, causada por seu plano econômico e social conhecido como o Grande Salto Adiante, entre 1959 e 1961. O próprio Partido Comunista Chinês sofreu sob o regime de um homem só. A Revolução Cultural, um violento movimento de massa lançado por Mao para purificar ideologicamente o partido, quase destruiu o regime comunista. Durante a era Mao, a economia chinesa estagnou e, quando ele morreu, o país era uma nação empobrecida do Terceiro Mundo.
O segundo período, que começou com a ascensão de Deng Xiaoping ao poder no final de 1978 e terminou com a chegada de Xi à Presidência em 2012, ficou marcado pela institucionalização de um modelo de liderança coletiva e de uma forma mais suave de governo autoritário. Olhando em retrospecto, esse foi o período de ouro para o Partido Comunista Chinês — e para a China. Apesar de uma experiên-cia de quase morte em junho de 1989, durante os protestos na Praça da Paz Celestial, o Partido Comunista Chinês desfrutou de uma atmosfera de paz interna, e a China alcançou o milagre econômico.
Claro, o modelo de liderança coletiva num estado onde existe apenas um único partido produz inevitavelmente corrupção generalizada à medida que o regime se degenera numa gigantesca máquina clientelista. Mas, em comparação com a ditadura de um homem só, como a China de Mao e a União Soviética de Stálin, uma autocracia com divisões e compartilhamento de poder é um mal menor.
Se a história nos oferece alguma orientação, a transição de um regime de liderança coletiva para um governo controlado por apenas uma pessoa, na China sob Xi, poderia descambar para um novo período de turbulência política e de baixo desempenho econômico. A primeira vítima da escalada do poder de Xi será a unidade do próprio Partido Comunista. O limite de dois mandatos se aplica a todas as autoridades públicas. Se Xi, que retirou os limites para si mesmo, tentar impor restrições aos mandatos dos demais políticos e governantes, ele vai alimentar um ressentimento generalizado e poderá até encontrar resistência dentro do partido. Por mais poderoso que seja um líder forte como ele, não é de seu interesse administrar um governo repleto de descontentes.
Outro provável ponto de preocupação é a maior probabilidade de um autocrata tomar decisões prejudiciais para o país. A superconcentração de poder tipicamente paralisa o processo de tomada de decisão porque qualquer medida exige a bênção do governante. Assessores e ministros submissos e incompetentes também tendem a cercar o líder, que dificilmente dará atenção às vozes discordantes sobre questões-chave envolvendo políticas públicas. Pior ainda, um governante forte e envelhecido que permanece no poder por tempo demais é muito mais propenso a tomar decisões equivocadas à medida que sua capacidade física e mental se deterioram. O último ditador da China, Mao, iniciou sua Revolução Cultural quando tinha 72 anos. Xi terá 69 anos quando seu terceiro mandato começar em 2022.
A má tomada de decisão no governo de um homem só também põe em perigo a continuidade do crescimento econômico chinês nos próximos anos. Um dos mal-entendidos sobre a decisão de Xi de acabar com os limites para o mandato presidencial é que isso permitirá que ele reúna uma autoridade extra para impulsionar as reformas econômicas de que a China tanto precisa, como reestruturar o sistema tributário, desalavancar a economia, reduzir a dependência do investimento e acabar com as chamadas empresas “zumbis”, que estão insolventes.
Infelizmente, essa é uma ideia distorcida. Xi teve tanto sucesso em consolidar o poder com sua campanha anticorrupção que, em 2015, ele já desfrutava de uma influência sólida o bastante para aplicar qualquer reforma econômica. O histórico de reformas econômicas nos últimos cinco anos fala por si mesmo: exceto algumas medidas modestas, não houve grandes avanços. Parte da explicação para isso está na visão contraditória que Xi tem em relação à economia chinesa. Por um lado, ele promete permitir que as forças do mercado desempenhem um papel decisivo na economia. Mas, por outro, ele propõe tornar as empresas estatais chinesas, que são gigantes ineficientes que destroem mais valor do que criam, “maiores, mais fortes e melhores”. Os dois objetivos são incompatíveis. A menos que Xi mude de ideia, as empresas estatais continuarão a puxar a economia para baixo.
Além dos objetivos contraditórios de Xi e da ausência de reformas significativas, surgiu um novo risco para o crescimento econômico: a rápida deterioração das relações entre a China e o Ocidente. Como qualquer governante forte que deseja deixar sua marca na história, Xi arquitetou uma revisão completa da política externa chinesa. Nos últimos cinco anos, Pequim abandonou a estratégia de “manter um perfil discreto” no cenário global, uma tradição desde os tempos de Deng Xiaoping. Em vez disso, sua política externa tornou-se excessivamente nacionalista e assertiva nas áreas de segurança e comércio exterior. Em resposta a Pequim, o Ocidente, especialmente os Estados Unidos, revisou sua política de engajamento em relação à China e concluiu que ela falhou em grande parte de seus objetivos e deveria ser substituí-da por outra abordagem, muito mais voltada para a confrontação. Não é por acaso que Washington recentemente classificou a China e a Rússia como “adversários estratégicos” do país, e não é por acaso que uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China está se desenhando no horizonte.
Obviamente, os riscos não passam pela cabeça das pessoas convencidas de que o retorno a esse tipo de regime de poder entregará outro milagre econômico. Pode ser tarde demais para elas mudarem de ideia agora. Mas ainda não é tarde demais para dizer a essas pessoas que elas estão equivocadas.