Revista Exame

Como a Chiquinho Sorvetes construiu um negócio bilionário com baunilha e chocolate

A Chiquinho Sorvetes saiu do interior de Minas Gerais para virar um gigante com quase mil lojas ao olhar com carinho para o interior do Brasil

Isaías Bernardes, da Chiquinho Sorvetes: produção, logística, marketing, tudo feito em casa (Leandro Fonseca/Exame)

Isaías Bernardes, da Chiquinho Sorvetes: produção, logística, marketing, tudo feito em casa (Leandro Fonseca/Exame)

Isabela Rovaroto
Isabela Rovaroto

Repórter de Negócios

Publicado em 14 de fevereiro de 2025 às 06h00.

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Sorvete é um produto simples de produzir. Basta juntar leite, açúcar, algum ingrediente para dar o sabor, além de químicos emulsificantes para dar a liga. Por isso, a iguaria pode ser encontrada em tudo que é lugar: gôndolas de supermercado, quiosques de rua, máquinas de fast-food e até mesmo em lojas sofisticadas. A produção fácil e o apelo popular (quem não conhece sorvete?) fazem da sobremesa um dos alvos mais óbvios da indústria alimentícia.

Só no Brasil há mais de 11.000 empresas ligadas ao setor de sorvetes e gelatos, de acordo com a Abis, a associação que representa o setor. Desse total, 92% são micro e pequenas empresas. Há muitas marcas de sorvetes com apelo regional ou até mesmo local. Afinal, toda cidadezinha do interior que se preze tem uma igreja, uma praça e uma maquininha de sorvetes para a alegria da criançada.

Loja da Chiquinho: empresa investiu em tecnologia para conectar a matriz ao ponto de venda (Leandro Fonseca/Exame)

Em meio a esse setor com barreira de entrada baixíssima, vale um olhar atento à história da Chiquinho Sorvetes, uma empresa fundada há 45 anos em Minas Gerais e que virou um gigante não apenas sob a métrica de um mercado tão fragmentado. No ano passado, a Chiquinho faturou 1 bilhão de reais, uma alta anual de 12%. Tanta receita vem de uma formidável rede de 870 lojas franqueadas e em constante expansão. Há mais de 130 unidades já vendidas para futuros franqueados. Todo mês, a companhia abre 15 unidades. A milésima, na capital paulista, deve abrir as portas no segundo semestre.

É um ritmo digno de gigantes do franchising. A título de comparação: a fabricante de chocolates Cacau Show, maior rede de franquias do país com 4.600 pontos de venda, abre pouco mais de 30 unidades por mês. Nas contas da Chiquinho, 80% das lojas estão fora das capitais. Em grande medida o crescimento da Chiquinho é em cidades até então pouco ou nada acostumadas a receber uma franquia. Nesta lista estão locais como Cerejeiras, município de Rondônia com 50.000 habitantes a 800 quilômetros da capital Porto Velho. Ou então Joaçaba, no meio-oeste de Santa Catarina, cujos 31.000 moradores estão a 400 quilômetros de distância de Florianópolis.

Uma atenção ao modelo de negócio da Chiquinho, portanto, é um olhar aos desejos e costumes de brasileiros que estão longe dos grandes centros. E, num momento de competição acirrada pela atenção dos consumidores em regiões mais urbanizadas, o alvo da Chiquinho tem tudo para ser o mesmo de outras marcas daqui para a frente.

Diferentemente de muitas franquias, a Chiquinho nunca teve problema em crescer no interior porque veio dali. A história da empresa começa numa lojinha de 16 metros quadrados de uma rua central de Frutal, cidade de 58.000 habitantes no Triângulo Mineiro na divisa com São Paulo. O ponto foi um presente de Francisco Olímpio, o Chiquinho, ao filho Isaías Bernardes. Por muito tempo, Francisco foi conhecido entre os moradores de Frutal por manter um um misto de sorveteria e casa de sucos que em pouco tempo virou o ponto de encontro dos moradores de uma cidade onde não é raro os termômetros superarem os 40 graus. Na época do presente do pai, Isaías tinha 18 anos e um aguçado tino comercial.

Desde a fundação da Chiquinho Sorvetes, em 1980, a intenção era levar a empresa que fundou com a ajuda do pai para além das fronteiras de Frutal. No início, a aposta foi em loja própria: a empresa chegou a ter 80 unidades em cidades mais ou menos do mesmo tamanho da matriz em rincões de Minas Gerais e São Paulo, com algumas exceções. Uma das primeiras praças relevantes para a empresa foi São José do Rio Preto, cidade de 500.000 habitantes, polo da região noroeste paulista e que virou a sede da empresa ainda nos anos 1990.

Na época, a Chiquinho ainda operava de maneira artesanal em várias frentes. Cada loja tinha liberdade para comprar insumos nas redondezas e montar no local a mistura do sorvete. Apesar de a rede ter ganhado musculatura, faltava padrão de atendimento. Em alguns locais, o sabor de um sorvete de chocolate poderia ser bem diferente ao da loja original em Frutal. Nem sempre as lojas tinham o mesmo mix de produtos. 

Uma segunda virada veio em 2010, com a decisão de expandir a Chiquinho por meio de lojas franqueadas. Nessa época, Isaias tomou a decisão de fazer tudo dentro de casa — verticalizou a operação, no jargão comercial. De lá para cá, a execução desse plano é elogiada por quem tem experiência em franquias.

“A Chiquinho é um caso raro de empresa que conseguiu escalar de forma estruturada sem perder eficiência”, diz Tom Moreira Leite, presidente da Associação Brasileira do Franchising, a ABF, e sócio do Grupo Trigo, dono das cadeias de fast-food Spoleto, China in Box e Gendai. “Eles criaram um modelo simples e replicável.”

Como parte da estratégia, a fabricação do sorvete passou a ser feita numa fábrica terceirizada sob orientação da Chiquinho. Os franqueados hoje recebem a base do sorvete numa embalagem semelhante à do leite longa vida. O produto líquido dispensa refrigeração no transporte, o que costuma encarecer a logística.

Nas lojas, a base é processada em máquinas de sorvete expresso feitas especialmente para os franqueados da Chiquinho. Elas passam por um rápido resfriamento e incorporação de ar. O resultado é um sorvete cremoso e fresco. A saborização fica no final: a mistura de ingredientes nas máquinas pode render até 100 sabores — há até um milk shake de limão com leite Moça. Apesar disso, a combinação de baunilha e chocolate, criada quando a Chiquinho decidiu entrar no modelo de franquias, continua a mais vendida.

A decisão de fazer tudo em casa vai além da produção da sobremesa em si. Para levar a base dos sorvetes às lojas, a Chiquinho tem uma frota própria de 42 caminhões cuja missão é reabastecer as lojas a cada 15 dias. As campanhas de marketing passaram a ser feitas numa agência interna. Nos últimos anos, o destaque é a contratação de celebridades para as propagandas: as apresentadoras de tevê Maísa Silva, Rafa Kalimann e Sabrina Sato são alguns dos nomes que já passaram por ali. Mais recentemente, nomes das redes sociais ganharam espaço. A campanha mais recente foi estrelada pela culinarista Ju Ferraz, dona de 1,5 milhão de seguidores no Instagram.

O fato de ter uma agência própria também facilita a empresa a estampar as peças publicitárias no ponto de venda. Há até um escritório de arquitetura dedicado a adaptar pontos comerciais angariados pelos franqueados ao layout aprovado pela rede. “No início abrimos muitas lojas em pouco tempo e sofríamos um gargalo de serviços para os franqueados”, diz Isaías. “Decidimos internalizar para crescer.”

Num lance bastante único, a Chiquinho decidiu abrir uma empresa de tecnologia, a Apte, em 2021. O sistema é uma espécie de software de gestão misturado com o software utilizado pelas empresas para relacionamento com clientes, o chamado CRM. Por ali, franqueados podem resolver questões como pedir à matriz a reposição de estoques. Na ponta oposta, a matriz consegue comparar o volume de vendas entre lojas e ter uma visão sobre quem está mandando bem ou não — a empresa mantém a rotina de encerrar a operação de franqueados com mau desempenho.

“Todas as unidades estão conectadas ao nosso data center, o que facilita a gestão e o suporte aos franqueados”, diz Isaías. A atenção aos dados serve também para a definição dos novos pontos de venda. Números sobre fluxo de pessoas em ruas comerciais e renda per capita das cidades estão na lista de critérios para entrada numa cidade, além de ferramentas de geolocalização também usadas por outras redes de franquias.

Neste ponto, no entanto, a Chiquinho vê um limite para o uso da tecnologia. “Nossos consultores visitam cada local antes da abertura da loja para validar o ponto e garantir que ele tenha potencial para um bom desempenho, sempre em alinhamento com o franqueado”, diz Isaías.

Há muita gente de olho no modelo de negócios da Chiquinho. A quantidade de marcas de sorvetes com lojas franqueadas cresceu 68% desde 2021, de acordo com a ABF. No ano passado, o número de sorveterias filiadas a alguma rede cresceu 33%, para 4.603 pontos de venda. Nos últimos quatro anos, o número de lojas franqueadas multiplicou quatro vezes. A expansão vem na esteira de uma perda de apetite de fabricantes globais de sorvetes com o Brasil.

A Häagen-Dazs, marca da americana General Mills, fechou as lojas próprias no país para focar as vendas em supermercados e restaurantes. A Ben & Jerry’s, da Unilever, tem pontos de venda apenas em bairros nobres do Rio, São Paulo e algumas capitais. As marcas gringas vendem um produto mais caro a um público com renda mais elevada.

Nos últimos anos, essa demanda vem sendo abocanhada por marcas brasileiras com tíquete equivalente às estrangeiras como Borelli e Bacio di Latte, onde uma casquinha de apenas um sabor não raro sai por mais de 15 reais. “O custo de operação no Brasil é um desafio por causa do câmbio e da carga tributária”, diz Martin Eckhardt, presidente da Abrasorvete, que reúne fabricantes, revendedores e demais empresas do setor. “Empresas nacionais, com operação mais eficiente, acabam ganhando competitividade.”

É o caso da Chiquinho, onde, com o mesmo desembolso de uma casquinha da Bacio di Latte, é possível tomar um milk-shake de 500 mililitros. No fim das contas, quem consegue vender um produto a um preço mais acessível chega a até mais consumidores. Segundo a Abrasorvete, 56% dos consumidores estão na faixa de até dois salários mínimos, o que explica o sucesso das marcas nacionais que operam com preços mais acessíveis. “O mercado brasileiro valoriza qualidade, mas preço ainda é um fator determinante”, diz Eckhardt. “As redes nacionais cresceram porque conseguiram equilibrar essas duas pontas.”

A sorveteria americana Ben&Jerry’s: marcas globais têm presença tímida no Brasil (Education Images/Universal Images Group/Getty Images)

Daqui para a frente, a Chiquinho pode enfrentar desafios para expandir o negócio para além do primeiro bilhão. Além das pequenas sorveterias independentes, a Chiquinho enfrenta a concorrência de grandes franquias de fast-food. Redes como McDonald’s (2.700 lojas) e Burger King (1.200) também vendem sorvetes numa faixa de preço equivalente à da Chiquinho, embora suas lojas estejam concentradas em grandes centros e cidades médias.

Numa liga parecida, a de picolés e sorvetes de caixa, está a paulista Oggi Sorvetes, hoje a maior franquia do setor no país, com 1.100 lojas. Nada impede uma delas — ou mesmo um gigante até agora fora da briga pelos sorvetes, como a Cacau Show — de concorrer diretamente com a Chiquinho. Além disso, novas marcas estão surgindo. A Milky Moo, famosa pelos milk-shakes, foi fundada em 2019 e já tem mais de 500 lojas. As redes de açaí em tigela também concorrem por um cliente com fome parecida à suprida pela Chiquinho. A The Best Açaí, criada em 2017, está ampliando o portfólio e oferecendo sorvetes em 573 unidades.

Apesar disso, Isaías quer dobrar a aposta no modelo que deu certo até agora. Nos últimos meses, ele aportou 150 milhões de reais na construção da Cidade Chiquinho, um complexo administrativo de 260.000 metros quadrados em São José do Rio Preto destinado a reunir toda a operação da empresa. A obra deve terminar no ano que vem.

Aos 63 anos, ele prevê seguir à frente da companhia por muito tempo. Nada de venda de participação da empresa por enquanto. “Nosso foco é consolidar o que já construímos”, diz ele. “Ainda há muito espaço para crescer.” No fim das contas, quem conseguiu transformar um simples sorvete de baunilha e chocolate num negócio de 1 bilhão de reais pode ir ainda mais longe.


DÉCADAS DE DOÇURA

Os marcos da trajetória da Chiquinho Sorvetes

Isaías Oliveira, aos 18 anos: primeira unidade foi presente do pai, Francisco Olímpio (Arquivo Pessoal/Divulgação)

1980 Fundação da primeira loja em Frutal, Minas Gerais

1986 O negócio cresce com unidades próprias no interior de São Paulo e Minas Gerais

2010 → A Chiquinho passa de uma rede familiar de 80 lojas próprias para um modelo de franquias

2014 → Início da verticalização, com negócios de logística, marketing e arquitetura feitos em casa

Loja da Chiquinho Sorvetes em Guaíra, São Paulo, em 1990 (Arquivo Pessoal/Divulgação)

2019 → A empresa chega a 504 unidades em todos os estados

2021 → Criação da empresa de tecnologia Apte para integrar 870 lojas ao data center da marca. Faturamento passa de 500 milhões de reais

2024 → Bate 1 bilhão de reais de receita e 868 unidades

2026 → Inauguração da Cidade Chiquinho, num investimento de 150 milhões de reais, para consolidar as operações numa área de 260.000 metros quadrados


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