(Henglein and Steets/Getty Images)
Bloomberg Businessweek
Publicado em 25 de maio de 2023 às 06h00.
Numa manhã ensolarada na cidade de Grândola, a 1 hora e meia ao sul de Lisboa, Sandy Chen sai de um Uber e se prepara para ver as cinco casas que planeja visitar hoje. À medida que Chen desce uma rua pacata na cidade de 14.000 habitantes, cachorros latem e moradores idosos, alertados pelo barulho, saem de suas casas para conferir a visitante. “Se eu comprar uma casa aqui, é capaz de ser a única pessoa chinesa na cidade”, diz ela.
Chen, aposentada que veio de Tianjin, no norte da China, está correndo para encontrar um imóvel antes que Portugal feche a porta de um programa que oferece residência e um caminho para a cidadania a estrangeiros dispostos a investir no país. Em 2021, Portugal reduziu as restrições de seu esquema de “visto de ouro” a pessoas que investirem 350.000 euros (383.000 dólares) — o simples ato de comprar uma casa já serve — e passarem pelo menos sete dias por ano no país.
Então, há dois meses, em meio a um descontentamento crescente com o aumento dos preços de imóveis, o governo português afirmou que acabaria com o programa assim que o Parlamento discutisse e aprovasse uma legislação revisada — provavelmente, nas próximas semanas. Contudo, se Chen assinasse um contrato e enviasse sua aplicação antes do voto dos parlamentares, ela ainda conseguiria receber um visto que permitiria a ela viver e viajar sem restrições pela União Europeia.
Na esteira da crise financeira mundial de 2008, Portugal e pelo menos dez outros países europeus buscaram tapar os déficits orçamentários com programas de venda de imóveis. Na ausência de regras que valessem a toda a União Europeia, os requisitos de elegibilidade variam de modo drástico: o investimento mínimo começa em 50.000 euros na Letônia; na Holanda, é de 1,2 milhão de euros. Em troca, os investidores conseguem viver e morar no país num período de três a cinco anos e, depois disso, podem pedir cidadania.
Há tempos a União Europeia pressiona governos para dar fim aos esquemas de vistos dourados com base no argumento de que eles são antidemocráticos e podem servir como uma maneira de o dinheiro sujo entrar na região. “Os valores europeus não estão à venda”, disse no ano passado Didier Reynders, comissário da União Europeia para Justiça e Consumo. Agora, com a maioria dos países europeus de volta a uma situação financeira estável e lidando com oposição interna cada vez maior à ideia, alguns lugares populares para os candidatos estão se tornando menos acolhedores. A Irlanda pôs fim em seu esquema em 15 de fevereiro. Já a Grécia diz que vai dobrar seu limite de investimento para 500.000 euros em vários locais importantes, inclusive Atenas. À medida que os programas europeus, como o irlandês, encolhem, consultores de imigração dizem que há uma disparada de interesse por Grécia e Espanha.
É difícil encontrar estatísticas que valham para a Europa inteira, mas a evidência disponível sugere que uma maioria significativa de pessoas que se aproveitam dos programas é da China. Na Irlanda, que concedeu residência em troca de um investimento de 500.000 euros para compradores com patrimônio pessoal de pelo menos 2 milhões de euros, cidadãos chineses respondem por mais de 90% dos 1.727 pedidos aprovados desde 2012. Na Grécia, eles representam quase 60% dos 12.818 vistos dourados ao longo da última década. Em Portugal, o número é quase metade das 11.758 licenças concedidas desde 2012. Antes da invasão da Ucrânia por seu país no ano passado, muitos russos se candidataram, e o número de americanos em busca de vistos vem crescendo nos últimos anos.
Os programas de fato trouxeram dinheiro para o mercado europeu de imóveis — cerca de 3,5 bilhões de euros por ano entre 2016 e 2019, segundo o Parlamento Europeu. E, em Portugal, uma revisão da lei realizada em 2015 tinha o objetivo de incentivar melhorias no estoque habitacional, ao reduzir o limite de investimento em um terço para candidatos que comprassem uma casa que precisasse de reforma. Essa foi a grande razão pela qual, das cinco visitas que Chen agendou em Portugal, em quatro os imóveis tinham mais de 30 anos.
Em Lisboa, essas políticas econômicas, combinadas à suspensão dos controles de aluguéis e a uma campanha robusta para atrair turistas, têm sido transformadoras. Cais do Sodré, outrora um bairro à beira-mar de ruas estreitas repletas de bordéis, hoje transborda hotéis de grande estilo, aluguéis de curto prazo, restaurantes gourmet e butiques de luxo. Ao longo da artéria principal, um mercado de peixes e agricultores de 133 anos foi convertido numa praça de alimentação que atrai cerca de 4 milhões de visitantes por ano.
Mas o rejuvenescimento de um é a gentrificação do outro, e os preços de imóveis em ascensão alimenta percepções de que os detentores de vistos dourados ricos pagaram para afugentar os residentes. Em Lisboa, o custo médio dos imóveis residenciais triplica desde 2015, segundo o site imobiliário Idealista. Em Atenas, o preço médio das casas deu um salto de 48% nos últimos cinco anos, segundo dados do governo. Em Dublin, eles subiram 130% desde 2012, segundo o governo.
O aumento dos preços tem provocado protestos em que manifestantes apresentam queixas sobre o programa de vistos dourados, juntamente com sua oposição à gentrificação, aos aluguéis estilo Airbnb e à falta de moradia acessível. Em Lisboa, centenas de pessoas saíram às ruas em 1o de abril, atirando pedras e garrafas na polícia. Em Atenas, protestos contra a gentrificação e a especulação imobiliária têm sido uma constante da paisagem urbana desde 2019, quando um governo visto como favorável aos investidores estrangeiros assumiu o poder.
Houve retaliação, mesmo em países que concedem relativamente poucos vistos desse tipo. A Espanha, onde a cidadania pode ser adquirida por 500.000 euros e dez anos de residência, emitiu somente 136 vistos dourados em 2022. No entanto, não é incomum ouvir resmungos sobre o efeito que eles exerceram no mercado imobiliário. “É fácil para alguns senhores vir, solicitar uma autorização de residência e comprar uma casa com meio milhão de euros”, afirmou, em fevereiro, Íñigo Errejón, líder do partido político espanhol Más País, à publicação Cadena SER. “Parece quase colonial.”
No entanto, dados de mercado sugerem que vistos dourados têm pouca influência nos valores das propriedades. Na Irlanda, apenas algumas centenas de vistos são emitidas a cada ano, em um mercado que registrou 60.000 transações residenciais em 2022. “O esquema teve pouco impacto”, diz Ronan Lyons, professor de economia no Trinity College de Dublin. Propriedades compradas pelo programa de Portugal representam cerca de 0,3% das 300.000 transações imobiliárias do país, segundo a corretora imobiliária The Agency. “Isso não é suficiente para afetar coisa alguma”, afirma Ayres Neto, sócio-gerente do escritório da empresa em Portugal.
Pessoas que trabalham com o programa dizem que qualquer reação será temporária. “Há muito tempo, países ao redor do mundo têm sentido o benefício de atrair imigrantes qualificados e ricos para financiar novos negócios”, diz Nuri Katz, fundador da empresa de serviços de cidadania por investimento Apex Capital Partners. “É improvável que isso mude. Ainda que o visto dourado possa ser reformado, não será encerrado.”
No fim de seu dia em Grândola, Chen reduziu sua escolha a dois lugares. O primeiro, uma casa verde e branca de um andar numa propriedade pontilhada de laranjeiras; a outra opção era um imóvel abandonado de quatro quartos com um jardim de 2 acres que esteve vazio durante, no mínimo, meio século. Caso Portugal estenda um período de carência à rodada final de investidores do visto dourado, é provável que ela bata o martelo em uma das duas opções. E, se perder essa janela, ela está otimista quanto a conseguir, eventualmente, um visto em algum lugar. “Quando a próxima crise financeira vier e bagunçar as finanças públicas de novo”, diz ela, “eles vão reabrir os esquemas de visto dourado e deixar a gente investir.”
Por Evelyn Yu, Henrique Almeida e Morwenna Coniam, da Bloomberg Businessweek.
Tradução de Fabrício Calado Moreira