Revista Exame

O segundo governo Trump e a perspectiva de desaceleração econômica

Presidente americano já não poderá contar com uma economia tão favorável quanto a dos últimos anos

Imagem de Trump na Bolsa de Nova York: a desaceleração da economia americana será um teste para seu governo | Bryan R. Smith/AFP Photo /

Imagem de Trump na Bolsa de Nova York: a desaceleração da economia americana será um teste para seu governo | Bryan R. Smith/AFP Photo /

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Da Redação

Publicado em 17 de janeiro de 2019 às 05h12.

Última atualização em 17 de janeiro de 2019 às 05h12.

É preciso reconhecer. em seus dois primeiros anos na Casa Branca, Donald Trump foi um presidente bem mais fiel às suas promessas de campanha do que a maioria dos políticos costuma ser. As críticas ao estilo impulsivo e à retórica agressiva, baseada em mentiras deslavadas, de nada adiantaram para que ele adotasse uma postura mais moderada no governo.

Trump passou por cima dos opositores e, para o bem ou para o mal, colecionou mais vitórias do que derrotas. A reforma tributária, a saída do Acordo de Paris, a renegociação do tratado comercial Nafta (agora chamado de USMCA) e a nomeação de juízes conservadores para a Suprema Corte são algumas de suas conquistas mais conhecidas. Houve resistência, é claro. A insistência de Trump em construir um muro na fronteira com o México, ao custo de 5,7 bilhões de dólares, levou à mais longa paralisação do governo americano na história. E a investigação sobre a interferência russa nas eleições de 2016, com a suspeita de participação da família Trump e de pessoas ligadas à sua campanha, continua a assombrar o presidente.

O que surpreende é que, apesar de a maior economia do mundo estar sendo governada por uma pessoa de temperamento impetuoso, os últimos dois anos foram, na verdade, bastante calmos. Trump não teve de enfrentar nenhuma crise econômica global, nem entrou em nenhuma guerra, como Barack Obama, George Bush filho e Bill Clinton.

Para completar, a economia dos Estados Unidos cresceu num ritmo bem mais acelerado do que os americanos estão acostumados, anabolizada pelo corte de impostos promovido pelo governo e pelo mercado consumidor aquecido. As empresas do país vêm contratando em número maior. Cerca de 200.000 empregos são criados todo mês e 66% das vagas são preenchidas por jovens que acabam de entrar no mercado de trabalho. Isso faz com que os Estados Unidos tenham hoje uma de suas menores taxas de desemprego dos últimos 50 anos, de apenas 3,9%. Um resultado de dar inveja a qualquer líder mundial.

Agora, se Trump conseguiu aproveitar o bom momento da economia na primeira metade do mandato, os próximos dois anos serão um teste de fogo para ele. Além de enfrentar uma oposição democrata fortalecida no Congresso, o presidente americano já não poderá contar com uma economia tão favorável quanto a dos últimos anos. A maioria dos economistas prevê que o crescimento deve perder o fôlego neste ano e, com o tempo, deve voltar a um nível mais modesto, como o visto até 2016. Em seu último relatório sobre as perspectivas da economia global, publicado em janeiro, o Banco Mundial estima que o produto interno bruto dos Estados Unidos deverá subir 2,5% em 2019, abaixo do ritmo de 2,9% do ano passado. Já para o ano que vem, a expectativa é de um crescimento bem menor, de 1,7%.

O esfriamento da economia americana tem duas razões principais. A primeira é que o estímulo fiscal provocado pelo corte de impostos — que, na prática, faz com que consumidores e empresas tenham mais recursos financeiros para gastar ou investir — vem perdendo a força. O segundo motivo é um problema criado pelo próprio governo Trump: a guerra comercial com a China. A retaliação chinesa ao aumento de tarifas tornou os produtos americanos mais caros, prejudicando o setor exportador. Além desses fatores, a própria paralisação do governo neste início de ano deve ter um custo para a economia, uma vez que 800.000 funcionários públicos deixaram de receber os salários. A estimativa é de um prejuízo de 1 bilhão a 2 bilhões de dólares por semana, o suficiente para reduzir alguns décimos do produto interno bruto americano.

Se nos últimos anos Trump se gabou  que o mercado de ações e a economia estavam “bombando” desde sua eleição, a dúvida é como o presidente vai reagir num momento de desaceleração. Nos últimos meses, Trump tem aumentado as críticas ao Fed — o banco central americano — por causa do aumento da taxa de juro do país para manter a inflação controlada. “O único problema de nossa economia é o Fed”, escreveu o presidente em uma mensagem pelo Twitter no dia 24 de dezembro. Embora as decisões sejam técnicas, a autoridade monetária dos Estados Unidos se mostrou preocupada com a queda brusca no mercado de ações no fim do ano, em linha com as críticas de Trump. A ata da última reunião de política monetária sinalizou que o Fed pode interromper a elevação nas taxas de juro nos próximos meses para avaliar em que direção a economia está caminhando.

Porto de Xangai: a guerra comercial prejudicou as exportações chinesas | Johannes Eisele/AFP Photo

Por enquanto, ninguém ousa falar que há uma recessão à vista, mas o fato é que o melhor momento da economia americana e mundial parece ter ficado em 2018. Um risco em especial que pode provocar uma desaceleração maior é a China. As tarifas impostas pelos Estados Unidos tiveram um impacto maior do que o esperado e foram uma das razões para a queda anual de 4,4% nas exportações chinesas em dezembro. Sozinhas, as exportações representam 20% da economia do país.

Outros sinais são preocupantes

Pela primeira vez em 28 anos, a China registrou uma queda nas vendas de automóveis de passeio. Em 2018, elas ficaram 4% abaixo do ano anterior. Só a montadora americana Ford registrou queda de 30% nas vendas de carros na China nos primeiros 11 meses de 2018. O tombo reflete uma desaceleração da produção industrial chinesa. O setor já teve participação maior no PIB chinês do que hoje, mas, ainda assim, é responsável por cerca de 40% da economia do país. “Essa desaceleração não parece ser o fim do mundo, mas os preços das commodities caíram nos últimos meses, porque o mercado já começou a precificar um crescimento mais modesto da China”, diz o economista Louis Kuijs, da consultoria britânica Oxford Economics, responsável pela análise das economias asiáticas.

Uma das primeiras empresas a soar o alarme em relação à economia chinesa foi a Apple, que cortou suas estimativas de receitas para o último trimestre de 2018 por causa de vendas mais fracas na China. Embora a queda também tenha a ver com a maior concorrência no país e com os altos preços do iPhone, os consumidores chineses parecem estar menos dispostos a gastar. Em novembro, o crescimento anual das vendas no varejo na China foi o menor em 15 anos, de 8%. O número de turistas chineses que viajam ao exterior parou de crescer. Na tentativa de evitar uma desaceleração maior e aumentar o crédito na economia, o Banco Central da China reduziu pela quinta vez em 12 meses a taxa do depósito compulsório — dinheiro que os bancos são obrigados a manter no Banco Central.

Um dos efeitos positivos da desaceleração das duas maiores economias mundiais é que os líderes dos dois países agora têm um motivo a mais para cooperar e reduzir as barreiras comerciais impostas no último ano. A primeira reunião entre China e Estados Unidos foi positiva e deixou os mercados mais confiantes de que, pelo menos, novas barreiras não devem ser adotadas. Se Trump conseguir fechar um acordo favorável aos dois países, será um alívio para o mundo — e para seu futuro na Casa Branca. 

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