Uísque envelhecendo nos barris de carvalho: processo de cura influencia o sabor e a cor do destilado (Júlia Storch/Exame)
Repórter de Casual
Publicado em 26 de outubro de 2023 às 06h00.
O drinque preferido de James Bond é o vodca martini, batido, e não mexido, por favor. Mas nos livros de Ian Fleming o espião britânico gosta mesmo é de uísque com soda. O destilado entrou em cartaz no filme 007: Operação Skyfall, de 2012, com Daniel Craig degustando a edição The Macallan Fine & Rare 1962. Desnecessário dizer o ganho de imagem para a marca de origem escocesa.
A Macallan tem parte de sua produção na Espanha, com os barris de carvalho e o jerez. A bebida com denominação de origem protegida faz parte do processo de cura dos barris que abrigarão os uísques da destilaria escocesa. Até 1996, o Reino Unido, maior consumidor do vinho fortificado espanhol, comprava a bebida ainda nos barris e a engarrafava na ilha. Nada era desperdiçado, e as barricas serviam para abrigar o uísque.
Com a alta na falsificação dos vinhos, porém, a Espanha determinou que a bebida fosse envasada no país de origem. Para falar dos uísques da The Macallan é necessário, primeiramente, entender sobre o vinho fortificado. No solo seco e extremamente branco de albariza, que surpreende pelo nascimento de parreiras, há 6.700 hectares de vinícolas na região de Jerez, sendo 900 hectares pertencentes à Valdespino, do Grupo Estevez, adquirida parcialmente pela Macallan em março deste ano.
Dessas vinícolas espanholas saem, por ano, 9 milhões de litros do vinho fortificado para 40 países. Dentre os vinhos produzidos estão o Fino, Manzanilla, Amontillado, Palo Cortado, Oloroso e Pedro Ximénez. Ainda que o vinho seja ingrediente essencial para temperar os barris, é preciso que haja um equilíbrio com a madeira. Assim, o jerez fica tempo suficiente para penetrar na madeira sem que seu sabor se sobressaia. “O malte não é o ingrediente principal, mas os barris que curam o uísque”, diz Raquel Raies, gerente de educação da destilaria.
Da Espanha também saem os carvalhos que se transformarão em barricas. Do norte do país são derrubadas as árvores que serão secas naturalmente ao sol na Andaluzia. Após a cura com jerez Oloroso, de 18 a 24 meses, os barris viajam para a Escócia, onde são preenchidos com o single malte. Assim que é esvaziado, o barril tem 15 dias para chegar ao norte do Reino Unido. Até 80% dos sabores e aromas do uísque são provenientes desse processo.
O método também influencia a tonalidade caramelo da bebida. A cor natural é o principal ponto do novo lançamento da marca, The Macallan Colour Collection. Trata-se de uma linha com cinco uísques de diferentes tons, do carvalho dourado do Colour Collection 12 anos ao castanho-escuro do Colour Collection de 30 anos. “Os barris de carvalho contribuem para a qualidade, sabores e aromas distintos”, diz David Carson, designer gráfico que desenvolveu as embalagens da coleção. “Vejo Jerez de la Frontera como uma enorme tela em branco, que tem mistérios esperando para serem descobertos.”
É difícil fugir do tema na cidade que dá o nome ao vinho local. Entre os atrativos turísticos está, é claro, a bebida. A poucos minutos do centro da cidade estão as parreiras e as uvas tipo Palomino Moscatel e Pedro Ximénez, que são colhidas em agosto. A 130 metros acima do nível do mar, um dos pontos mais altos da cidade, a vinícola do Grupo Estevez oferece experiências para além do óbvio. Com vista para a plantação, é possível tomar um café da manhã ou fazer uma degustação harmonizada de Amontillado Tío Diego com chocolates ao pôr do sol.
Em outra área fica a imensa adega, onde estão os mais de 25.000 barris. À primeira vista todos iguais, cada tonel com 600 litros guarda um tipo diferente de vinho. A degustação acontece diretamente dos barris para a taça com um instrumento característico da cidade, a venencia. Na ponta de uma longa haste de metal flexível está um pequeno copo cilíndrico que atravessa a levedura protetora chamada flor, que cobre o vinho. Como uma performance, o venenciador serve a bebida com uma grande distância da taça. Caminhando pelo centro de Jerez é possível avistar diversas fontes que são alimentadas por enormes venencias que jorram água.
Mais do que da cevada, água e levedura, o terroir do uísque da Macallan provém essencialmente das uvas e da madeira da Espanha. Os caminhos mais caros para a produção refletem no produto e no preço final. A marca possui sete dos dez uísques mais caros já vendidos em leilão, como o The Macallan Fine and Rare 60-Year-Old 1926, leiloado em 2019 em Londres por 1,9 milhão de dólares. “Ano após ano a destilaria quebra recordes de preços, construindo ainda mais sua fama como uma marca de luxo”, afirma Mauricio Porto, autor do blog O Cão Engarrafado e sócio-proprietário do Caledonia Whisky&Co.
*A jornalista viajou a convite da Macallan