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O rival tem que ajudar

Fabricantes de produtos de limpeza, como Unilever e P&G, planejam lançar juntas uma nova linha de produtos sustentáveis. A parceria é boa notícia para o consumidor?


	Fábrica da Unilever: parceria inédita no país com concorrentes
 (Marcela Beltrão/EXAME.com)

Fábrica da Unilever: parceria inédita no país com concorrentes (Marcela Beltrão/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 17 de dezembro de 2014 às 05h00.

São Paulo - A cada três semanas, executivos das dez maiores fabricantes de produtos de limpeza do país, como as multinacionais P&G e Unilever e as brasileiras Ypê e Bombril, reúnem-se num auditório no 5o andar de um prédio comercial na região da avenida Paulista, em São Paulo. É lá que fica a sede da Abipla, a associação das indústrias de produtos de limpeza.

Em vez de discutir questões típicas de qualquer associação, como carga tributária e alíquotas de importação, essa turma se reúne para debater uma questão normalmente guardada a sete chaves dentro de cada companhia — o desenvolvimento de um novo produto.

O plano é que todos os fabricantes lancem ao mesmo tempo novas linhas concentradas de sabão em pó e líquido para roupas e de detergente para louças. São produtos que consomem menos matéria-prima, necessitam de embalagens menores e têm um desempenho superior nas máquinas de lavar.

A anglo-holandesa Unilever, líder de mercado com a marca Omo e que já fabrica produtos semelhantes em outros países, chegou a avisar aos concorrentes que, se for preciso, colocará seus segredos industriais à disposição. Ou seja: quer abrir mão da vantagem de ser pioneira para ajudar a concorrência.

O que explica isso? Por que empresas acostumadas a disputar cada palmo das gôndolas dos supermercados de repente se rendem à mais genuína camaradagem? 

Lançar um sabão concentrado é mais complicado do que parece. Os fabricantes precisam convencer seus consumidores de que aquelas garrafas menores e mais caras valem mais a pena do que as tradicionais. Também precisam explicar que é preciso usar doses menores do que usam há décadas.

Para isso, é preciso investir muito em marketing — e ter paciência. Em 2008, as fabricantes de produtos de limpeza instaladas por aqui começaram a lançar, cada uma a seu tempo, amaciantes de roupas concentrados. Cinco anos e pelo menos 20 lançamentos depois, os produtos ainda representam apenas 12% do mercado, segundo a consultoria Euromonitor.

A Bombril, que lançou seu amaciante concentrado em 2010, esperava que a versão correspondesse hoje a 30% de suas vendas, mas tem um terço disso.

“Enquanto uma empresa faz comercial para falar das vantagens dos concentrados, outra lança embalagens cada vez maiores. O consumidor fica confuso e não muda de hábito”, diz o argentino Marcos Angelini, vice-presidente da Unilever no Brasil. “Se não for uma ação conjunta, fica muito difícil.” 

A solução: em vez de lutar para convencer o consumidor, melhor convencer a concorrência. Na Inglaterra, gigantes como Unilever e P&G conseguiram fazer seus rivais lançar, ao mesmo tempo, produtos concentrados para lavar roupas — que hoje respondem por 70% do mercado.

Para as empresas, as vantagens da mudança são evidentes: gasta-se menos com matéria-prima e transporte e fica mais fácil negociar espaço nas gôndolas dos supermercados. Cálculos preliminares da Unilever indicam que, se a mudança da fórmula dos sabões em pó for adotada no Brasil, deixarão de ser feitas 30 000 viagens de caminhão por ano.

Para a Unilever e sua cúpula, o sucesso da empreitada é especialmente importante. No Brasil, 40% dos executivos que trabalham com sabão e amaciante para roupas têm parte do bônus atrelado à migração do mercado de produtos tradicionais para concentrados.

Há quatro anos, a empresa estabeleceu a meta global de dobrar de tamanho e ao mesmo tempo reduzir seu impacto ambiental pela metade até 2020. A rival P&G estipulou a mesma data para reduzir 20% o tamanho de todas as suas embalagens. Para isso, ambas precisam convencer seus concorrentes.

Esforço conjunto

A meta é lançar por aqui os concentrados até 2016. Mas há uma série de questões a resolver. As empresas precisam concordar sobre o que significa um produto concentrado — há versões no mercado que rendem de 25% a 200% mais que os produtos tradicionais. Depois, é preciso mostrar para os órgãos de defesa do consumidor que a parceria é benéfica para todos.

Na Europa, P&G e Unilever foram condenadas em 2011 pela Comissão Europeia a pagar uma multa total de 315 milhões de euros por prática de cartel. O governo europeu entendeu que elas aproveitaram as mudanças nos produtos para combinar preços. “Estamos nos cercando de cuidados no Brasil para não levarmos susto depois”, diz Maria Eugenia Saldanha, diretora da Abipla.

Movimentos simultâneos de concorrentes costumam ocorrer por pressão externa. Um exemplo recente é a redução da quantidade de sódio em alimentos após pressão do governo brasileiro. Ou o rastreamento da origem da carne bovina, demanda antiga que só saiu do papel quando os grandes ­supermercados passaram a exigir certificados.

São mais raros casos como o da fabricante de carros elétricos americana Tesla, do bilionário sul-africano Elon Musk, que em junho liberou o uso de mais de 100 patentes e segredos industriais para acelerar a oferta de veículos elétricos. Musk sabe que venderá mais se o mercado crescer.

Ele costuma di­zer que seus maiores concor­rentes não são os carros elétricos de outras marcas, mas os 200 milhões produzidos todo ano com motor a combustão. Guardar segredos, nos casos de Tesla e Unilever, é jogar dinheiro fora.

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