Revista Exame

Por que o risco para Embraer é ficar só no mercado

Há pelo menos quatro modelos em estudo para a Embraer se unir à Boeing sem descontentar o governo. O que não dá é para a empresa brasileira virar as costas

Fábrica da Embraer: a parceria pode aumentar a competitividade (Germano Luders/Exame)

Fábrica da Embraer: a parceria pode aumentar a competitividade (Germano Luders/Exame)

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Maria Luíza Filgueiras

Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 10h14.

Há negócios que mudam não só o destino das empresas envolvidas mas também a dinâmica de todo um setor. Foi o que aconteceu no dia 16 de outubro, quando foi selado o futuro das quatro maiores fabricantes de aviões do planeta. Nessa data, a gigante francesa Airbus anunciou a compra do controle da divisão de aeronaves comerciais da canadense Bombardier. A transação criou uma empresa definida no mercado como “pacote completo”, capaz de fornecer aviões que vão de 100 a 525 assentos. Duas outras empresas concorrentes foram indiretamente afetadas: a americana Boeing, que fabrica aviões a partir de 150 assentos, e a brasileira Embraer, que lidera o segmento de aeronaves para 37 a 130 pessoas. No mesmo dia, analistas e consultores perguntavam-se como e quando viria uma reação. Essa hora chegou.

Embraer e Boeing começaram a discutir uma possível combinação de seus negócios há pouco mais de dois meses — e querem chegar a uma decisão até fevereiro. A Embraer é a maior exportadora de produtos manufaturados do Brasil, com mais de 6 bilhões de dólares anuais em vendas e 18 000 funcionários. Vale 15 bilhões de reais na bolsa. A Boeing é a maior fabricante de aviões do mundo, com 95 bilhões de dólares em receitas, 140 000 funcionários e valor de mercado de 200 bilhões de dólares. As duas empresas se aproximaram com uma série de parcerias nos últimos anos, que vão de desenvolvimento de pesquisa a estratégias de vendas — a Boeing é, por exemplo, parceira na comercialização e responsável pelo suporte operacional do KC390, cargueiro militar desenvolvido e fabricado pela Embraer. EXAME- apurou que as empresas estudam pelo menos cinco estruturas de associação — quatro podem passar no crivo do governo brasileiro.

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Uma das alternativas seria fazer uma cisão das divisões da Embraer em comercial, executivo e defesa, e negociar cada uma separadamente. Assim, a Embraer poderia, por exemplo, vender o controle da família de aeronaves comerciais E-Jet, num modelo de transação semelhante ao feito pela concorrente Bombardier com a Airbus. Outra opção seria juntar todas as áreas, inclusive a militar, numa joint venture com uma nova composição acionária intermediária entre as duas empresas. Há ainda a opção mais remota de um acordo da Boeing com o governo brasileiro para que a americana compre na bolsa até 30% das ações da Embraer, fatia que dispensaria uma oferta por 100% do negócio mas permitiria à Boeing ser a maior acionista. A quarta alternativa seria a transformação da Embraer numa holding sem o controle das subsidiárias, modelo já utilizado em outros setores — como a empresa de corretagem de seguros BB Seguridade, que é controlada pelo Banco do Brasil, mas tem sob seu guarda-chuva empresas de controle privado. E a última opção seria uma hoje improvável aquisição da Embraer pela Boeing. “Qualquer associação que preserve os conhecimentos de cada uma e mantenha as culturas corporativas separadas será ótima, pois os produtos são complementares. A compra não é o melhor negócio”, diz Richard Aboulafia, sócio da consultoria americana Teal Group, especializada em aeronáutica.

O maior empecilho para uma aquisição vem mesmo do governo brasileiro. A Embraer é uma empresa com capital pulverizado em bolsa, da qual a União não tem ações diretas (o BNDESPar detém 5% do capital). Na prática, já está nas mãos de estrangeiros, pois quase 85% de suas ações são detidas por investidores internacionais. Mas a União tem uma goldenshare, ação especial criada na época das privatizações para que o governo tivesse poder de veto em temas como mudança de controle acionário. Nesse caso, a decisão, em última instância, cabe ao presidente da República. Em dezembro, o governo ainda não tinha sido notificado sobre a transação, já que não houve proposta formal, mas achou por bem se adiantar quando algumas informações se tornaram públicas. EXAME apurou que o Planalto começou a organizar um comitê com três ministérios — Defesa, Fazenda e Segurança Institucional. A Força Aérea Brasileira também participa do debate, mas dentro do Ministério da Defesa, comandado por Raul Jungmann. Em janeiro, a Boeing teve reuniões em Brasília e a Embraer tentou acalmar as emotivas reações imediatas. O governo americano fica fora das conversas.

Bonde da história

Há uma resistência ferrenha no governo em vender a Embraer, mas é consenso que fazer negócio com a Boeing pode ser crucial para o futuro da empresa. “A aquisição da totalidade da Embraer está fora de questão. Não é apenas discurso”, diz um alto funcionário do Ministério da Defesa. Ao mesmo tempo, no Gabinete de Segurança Institucional, a avaliação é que uma aversão a grupos internacionais pode fazer a Embraer “perder o bonde da história”. Para viabilizar o negócio, EXAME apurou que a Embraer tem dito ao governo que qualquer transação considera que ela continua-rá sendo brasileira e manterá a marca, os empregos e as fábricas. Boeing e -Embraer também preparam uma lista de exemplos de parcerias que deram certo preservando a soberania dos governos locais na área militar. Na lista estão as estruturas da Boeing na Austrália e na Inglaterra, onde a empresa criou subsidiárias de defesa para assegurar empregos e facilitar o relacionamento com os ministérios de Defesa.

Jungmann, ministro da Defesa: o comitê do governo vai discutir o futuro da Embraer | Fátima Meira/Futura Press

Para a Boeing, juntar-se à Embraer seria um contra-ataque certeiro aos avanços da Airbus. A empresa americana tem um projeto para uma aeronave média, chamada de 797, que ganharia velocidade com a engenharia e a tecnologia da Embraer. Com a consolidação global de fornecedores, a empresa entende que ser mais verticalizada será uma vantagem — a Embraer fabrica, por exemplo, trem de pouso, o que não faz parte da produção da Boeing. A empresa brasileira, por sua vez, se beneficiaria em diversas frentes. “Sozinha, a Embraer vai cair no ocaso em dez anos”, diz Francisco Lyra, diretor da consultoria de aviação C-Fly. Seu volume de encomendas tem sido fonte de preo-cupação dos analistas. Em 2017, bancos como Santander e Bradesco passaram a recomendar a venda das ações, diante de um cenário mais desafiador de competição e rentabilidade. Se não concluir o negócio com os brasileiros, a Boeing poderá decidir crescer sozinha no segmento médio ou fechar parceria com outra empresa. Nas contas do Bradesco, essa possibilidade tiraria 30% do valor das ações da Embraer. Com a expectativa do negócio com a Boeing, as ações da empresa dispararam mais de 20% nas bolsas brasileira e americana desde dezembro.

Dentro da Embraer, uma operação com a Boeing é considerada a chance de uma terceira onda de crescimento da companhia. A primeira foi logo após sua criação em 1969; a segunda veio com a privatização em 1994. O negócio poderia fazer a empresa ganhar fôlego em todas as áreas de negócio em que atua. Na defesa, traria recursos extras e influência diplomática. No segmento comercial, a parceria colocaria a Embraer à mesa de grandes negociações em salões internacionais. “Na aviação, não é necessariamente o melhor produto que ganha”, diz Shailon Ian, presidente da consultoria Vinci Aeronáutica. Escala, preço, manutenção, reposição de peças, tudo isso entra na negociação. A empresa aérea brasileira Azul é um exemplo do risco à frente. Ela é compradora no país de aviões de médio porte da Embraer, mas, como começou a fazer rotas comerciais mais longas, adquiriu recentemente jatos da Airbus. “É bem razoá-vel pensar que, na próxima rodada de negociações, a Azul poderá fechar um pacote completo com a Airbus e a Bombardier”, diz um conselheiro da Azul (questionada, a empresa diz que está satisfeita com seus atuais parceiros). Com a Boeing, a Embraer poderia também usar os centros de serviço dos americanos para fazer a manutenção das aeronaves, o que permitiria a venda para países que hoje estão fora de seu radar.

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Empresas que dependem do próprio caixa, como a Embraer, já vêm encontrando dificuldade competitiva num mercado cada vez mais influenciado por governos. A Bombardier, uma empresa privada, foi turbinada com 3 bilhões de dólares do governo canadense — um financiamento questionado pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio. Grande parte das inovações que chegam aos jatos comerciais é desenvolvida no setor de defesa, também financiado por grandes contratos com governos. Estatais da China e da Rússia são os exemplos mais recentes. Somente em 2017 o orçamento chinês para a defesa foi de 150 bilhões de dólares. Fabricantes estatais do país uniram-se para lançar um jato para 160 pessoas e finalizaram o projeto de um avião para 70 a 105 passageiros, o nicho da Embraer. A China ainda está trabalhando com a Rússia no desenvolvimento de um avião maior, para 250 pessoas, segmento da Boeing e da Airbus. A estimativa é que a China demandará 6 800 aviões até 2035 (mais de 1 trilhão de dólares em compras). Perder esse mercado afetará qualquer empresa.

Pela pressão de clientes e fornecedores,  a Embraer e a Boeing dizem ao governo brasileiro que a discussão deve ser rápida. A empresa, investidores, analistas e até o governo concordam que esse negócio precisa sair — só falta saber como. 

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