Revista Exame

O resgate de Wall Street

Na contramão da onda anticapitalista provocada pela crise nos países ricos, é fundamental lembrar: o sistema financeiro é crucial para toda a sociedade

Wall Street, em Nova York: o capitalismo financeiro ganhou conotação negativa a partir da crise de 1929 (©AFP/Archives / Timothy A. Clary)

Wall Street, em Nova York: o capitalismo financeiro ganhou conotação negativa a partir da crise de 1929 (©AFP/Archives / Timothy A. Clary)

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Da Redação

Publicado em 25 de maio de 2012 às 10h39.

São Paulo - Na história do cinema, poucos personagens são tão raros quanto um banqueiro em papel de herói — se é que já houve algum. Nas telas, essa figura central do sistema capitalista está sempre na pele do vilão ganancioso, personificando o mal.

Ainda que um filme seja uma obra de ficção, sem necessidade de um lastro firme na realidade, talvez os roteiristas tivessem dificuldade de tornar crível um banqueiro filantropo, responsável pela diminuição da pobreza, pelo aumento da expectativa de vida em países pobres ou por estimular jovens empreendedores.

Fenômenos, aliás, bastante evidentes hoje no Brasil. Mas, para incredulidade de uma massa cada vez maior de desempregados mundo afora, em especial nos Estados Unidos e na Europa, é preciso reafirmar: sim, os banqueiros e o capitalismo financeiro são responsáveis diretos pela produção de riqueza e bem-estar na sociedade. O sistema é imperfeito? É. Porém, em vez de apenas criticá-lo, é preciso entendê-lo — para poder melhorá-lo.

É o capitalismo financeiro que permite que as pessoas invistam em uma ideia. Financiar a atividade humana — como a criação de um produto, a edição de um livro ou a abertura de uma empresa — significa permitir o trabalho em conjunto. Afinal, sozinhos até conseguimos fazer pequenas coisas.

Mas é muito difícil dar as grandes tacadas que movem a sociedade. Nossa economia não se baseia mais em pequenas empresas familiares, mas em grandes companhias. Para grandes ações, é preciso estar em grupo. Seguindo o mesmo raciocínio, para grandes negócios são necessários muitos recursos.

E de várias fontes. Aí entra o financiamento, que dá a chance de uma ideia ganhar vida. E o mesmo sistema que transforma banqueiros em magnatas possibilita que grandes cientistas, engenheiros e escritores realizem seus projetos com chance até de ficar, se não milionários, pelo menos ricos. 

O termo capitalismo financeiro ganhou uma conotação negativa com a quebra da bolsa de Nova York em 1929. Não se pode dizer que o mercado financeiro tenha angariado simpatia das pessoas comuns desde então — afinal, alguns dos homens e mulheres mais ricos do mundo, que construíram verdadeiros impérios, fazem parte do universo das finanças (e grandes fortunas sempre despertam um grande senso de injustiça nos menos afortunados).


Os grandes capitalistas herdaram um legado das dinastias da Idade Média, que, nos tempos do feudalismo, tinham o poder das terras e da riqueza — origem das desigualdades sociais daquele período. Assim como nos tempos dos senhores feudais, a vida de milhares de pessoas hoje depende, de certo modo, desses novos líderes — e esse poder é um ultraje para muita gente. Movimentos como o Occupy Wall Street são fruto dessa ojeriza crescente. 

Mas essa aversão ao mundo financeiro e a ricos capitalistas tende a ser muito menor onde o capitalismo vai bem. Para que progressos ocorram numa nação é preciso haver muito empreendimento, e isso requer organização. É, hoje, o caso do Brasil. Parte do sucesso recente da economia brasileira se deve à evolução do capitalismo no país.

Nesse contexto, vemos, por exemplo, esforços de democratização das finanças, como o representado pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Essa evolução começou a ser construí­da com a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que agiu de modo a promover o capitalismo financeiro — o que se repetiu com Dilma Rousseff, sua sucessora.

O Brasil é um exemplo, com índices evidentes de diminuição da pobreza, de melhora da educação e de aumento da expectativa de vida. No capitalismo financeiro, se todos estiverem bem, as pessoas não vão achar ruim se uma minoria estiver muito melhor — e é por isso que não há um Occupy Wall Street nas ruas das cidades brasileiras. 

Se há otimismo no Brasil, há ceticismo nos Estados Unidos e na Europa. De um lado, a crise da dívida soberana europeia ainda não está resolvida. E, como essa crise é essencialmente psicológica, fica impossível prever suas consequências. Além disso, o sistema bancário na Europa e nos Estados Unidos se tornou muito vulnerável — e pode estar ainda mais fraco do que há alguns anos.

Outro fator a deprimir os humores — e, portanto, a reforçar a ira contra o capitalismo financeiro — é que a recuperação econômica tem sido muito lenta. Já faz quatro anos que a crise começou, mas o desemprego em muitos países ainda está muito alto. Tudo isso pode causar inquietação social, especialmente se o desemprego não diminuir rapidamente.

O atual quadro negativo nos Estados Unidos e na Europa pôs lenha na fogueira anticapitalista. Ela já ardia com força quando, no calor da crise de 2008, dois episódios rumorosos se sucederam: a divulgação dos bônus pagos a altos executivos de grandes instituições financeiras e a decisão do governo americano de injetar dinheiro nos bancos para evitar sua quebra.


Mas o governo não errou ao salvar essas instituições da bancarrota. A situação poderia estar pior sem elas. E, assim como não houve erro nas operações de salvamento, não é errado que algumas pessoas enriqueçam no mercado financeiro.

Há incentivos e recompensas para quem aceita fazer um trabalho que nem todos gostariam ou conseguiriam executar. Quem aceita e faz bem o serviço acaba ganhando bem porque se torna disputado no mercado. O problema não está, portanto, no capitalismo financeiro em si.

Evolução permanente

O capitalismo está sempre em evolução. Essa crise nos mostrou que o sistema era muito vulnerável e podia ser abalado facilmente. Foi na esteira desse aprendizado que os Estados Unidos e a Europa começaram a criar ferramentas que ajudam a prever riscos sistêmicos, um trabalho que está em curso no momento.

Ainda há muito a ser feito — por exemplo, para entendermos com mais precisão o processo que provoca as instabilidades. Também faz parte da evolução a adoção de soluções mais eficazes contra os desequilíbrios, como um imposto de renda para diminuir a desigualdade social.

Outra das novas ferramentas que poderíamos avaliar seria uma hipoteca para proteger o proprietário de um imóvel contra quedas no preço. (Essa ideia, aliás, poderia ser útil no Brasil, na hipótese — que eu não estou prevendo, frise-se — de os preços dos imóveis virem a cair muito no futuro.)

O cinema pode continuar sem grandes capitalistas no papel de heróis. Figuras como Warren Buffett, admirado pelas pessoas mesmo sendo um dos homens mais ricos do mundo (a filantropia e o fato de ele não ser nada consumista certamente contribuem para isso), podem até continuar sendo exceção.

Mas os erros do sistema não são todo o sistema. Os mercados financeiros foram criados para produzir riquezas e bem-estar para todos, não para uma minoria. O capitalismo é uma invenção nunca finalizada — e ainda tem muito campo para avançar.

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