Revista Exame

Para a Catupiry a vida vai além do requeijão

Marca de um só produto, Catupiry já iniciou renovação e diversificação do portfólio, mas agora, com pressão da concorrência, processo virou uma urgência

Vilson Sanchez, da Catupiry: a empresa busca um presidente  (Germano Lüders/Exame)

Vilson Sanchez, da Catupiry: a empresa busca um presidente (Germano Lüders/Exame)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 15 de agosto de 2019 às 05h36.

Última atualização em 15 de agosto de 2019 às 11h58.

Desde a década de 40, paulistanos fazem fila na porta da fábrica da Laticínios Catupiry, na Barra Funda, bairro da zona oeste de São Paulo, para levar para casa um pote de requeijão cremoso. Setenta anos depois, a tradicional fabricante de laticínios passou a oferecer cerca de 200 outros produtos feitos internamente ou por parceiros. Os produtos fazem parte do portfólio do Empório Catupiry, um espaço aberto no ano passado que concentra ao mesmo tempo a história e o novo momento da marca.

No local onde ficava a fábrica estão agora dispostos todos os produtos lançados recentemente pela Catupiry, num esforço para se manter atual. “Éramos uma empresa de basicamente um produto só e percebemos que estávamos subaproveitando a força da marca”, afirma Vilson Sanchez, diretor financeiro da companhia. A principal de quatro fábricas da Catupiry não está mais na capital paulista, mas em Bebedouro, no interior do estado.

Fundada em 1911 pelo casal de imigrantes italianos Mário e Isaíra Silvestrini na cidade mineira de Lambari, a Catupiry passou mais de um século vendendo basicamente requeijão. A empresa reivindica o posto de criadora da categoria no país e mantém a receita guardada a sete chaves. Nos primeiros anos, cada peça do produto era envolvida em papel celofane e depois embalada em caixinhas redondas de madeira feitas a mão.

Em 1949, o casal transferiu a fabricação para São Paulo. De lá para cá vieram algumas variações de embalagem, sabor e textura, como as bisnagas para pizzarias e os copos para o café da manhã. No entanto, o avanço de concorrentes internacionais e as flutuações no preço do leite levaram os executivos da empresa a perceber que seria difícil segurar o negócio somente com o requeijão.

A Catupiry iniciou, então, um processo delicado: rejuvenescer sem deixar a tradição de lado. A principal estratégia foi aproveitar a marca forte e diversificar o portfólio, aumentando a presença nos supermercados. Em 2015, lançou a linha de tortas, empanadas e quiches. Depois vieram pães de queijo, coxinhas, quibes e massas, sempre com recheio de catupiry. O mais recente lançamento são as pizzas congeladas, um paradigma, já que a marca ficou famosa principalmente pela parceria com as pizzarias, especialmente em São Paulo, estado que responde por 61% das vendas.

Hoje, o portfólio tem 86 itens, 50% mais do que em 2015. Já no empório da Barra Funda é possível encontrar outras receitas em teste e produtos que podem chegar ao varejo no futuro, como pudim de leite condensado, bolo, tiramisu, pavê e até brigadeiro, tudo feito com catupiry.

Com um portfólio maior, a intenção é reduzir a dependência do leite e assim diminuir o efeito das flutuações de preço. Com mais itens levando a marca Catupiry no supermercado, o objetivo também é fazer frente à concorrência de empresas multinacionais e de novatas artesanais. Em 2014, a francesa Lactalis, maior empresa de laticínios do mundo, comprou o braço de produtos lácteos da BRF, aumentando a pressão na concorrência.

Em 2017, a mexicana Lala comprou a Vigor. “O Brasil ainda tem um consumo de lácteos baixo por habitante, e isso faz com que os estrangeiros vejam o país como uma grande oportunidade. A saída para as empresas locais é melhorar a eficiência e inovar mais”, diz Marcelo Martins, diretor executivo da Viva Lácteos, associação da indústria de laticínios.

Um desafio agora é saber identificar rapidamente produtos que não se mostrem rentáveis e tirá-los do portfólio no momento certo. Outro é não cair na tentação de reduzir a qualidade para chegar a preços mais competitivos, sob o risco de corroer a marca. Aos 108 anos, a Catupiry participou em 2018 pela primeira vez do evento gastronômico paulistano Restaurante Week, incentivando chefs renomados a criar pratos com seu produto.

Também começou a interagir mais com o público, contratou uma agência para cuidar de redes sociais e passou a alimentar o site com receitas de pratos com catupiry. O resultado é que o faturamento tem crescido à média de 12% ao ano desde 2015 e deverá chegar a 550 milhões de reais neste ano, com margem de lucro de 7%. “A empresa corria um grande risco de deixar a marca envelhecer e perder a capacidade de se comunicar com as novas gerações. Fez um movimento acertado ao se modernizar”, afirma Rodrigo Catani, diretor da consultoria AGR. O movimento é semelhante ao de marcas como a Aviação, famosa pela manteiga e com 98 anos de mercado.

A guinada também teve reflexos na gestão. A Catupiry é controlada por seis famílias, com dois sócios da família dos fundadores e os outros quatro descendentes de sócios e ex-funcionários convidados a entrar no negócio. A Catupiry já foi abordada por empresas e fundos interessados em aquiri-la, mas não houve negócio. A administração está com três diretores que respondem aos sócios, sem presidente.

A intenção é encontrar alguém para o cargo em breve. Quando o executivo chegar, nenhum descendente dos sócios participará da gestão, para não gerar disputas. O novo executivo terá um desafio adicional. A Catupiry pretende abrir mais duas unidades do empório até 2020, para então franqueá-lo. A palavra catupiry significa “excelência” em tupi-guarani, uma homenagem dos fundadores ao país que os acolheu. Os próximos 100 anos vão exigir que a excelência vá além do requeijão.

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