Revista Exame

O remédio genérico virou doença para os laboratórios

Os genéricos eram a salvação dos laboratórios brasileiros e das multinacionais que cresciam no país. Mas o que era solução passou a ser um baita problema

Farmácia em São Paulo: para vender seus genéricos, laboratórios dão descontos de até 90% (Claudio Gatti / EXAME)

Farmácia em São Paulo: para vender seus genéricos, laboratórios dão descontos de até 90% (Claudio Gatti / EXAME)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de janeiro de 2013 às 05h00.

São Paulo - A vida melhorou para muita gente depois que caiu a patente sobre o citrato de sildenafila — o princípio ativo do Viagra, remédio para disfunção erétil lançado pelo laboratório americano Pfizer em 1998. Em questão de dias, o remédio ficou muito mais barato. Em julho de 2010, a uma semana de perder a exclusividade, a Pfizer cortou seu preço de 30 para 15 reais por comprimido.

Em seguida, os primeiros genéricos chegaram ao mercado a 10 reais, e o preço não parou mais de cair. Desde então, as vendas do citrato de sildenafila saltaram do patamar de 2 milhões para 30 milhões de unidades anuais em 2012 — o equivalente a meio bilhão de reais, segundo levantamento da consultoria IMS Health.

Com a concorrência de cinco laboratórios de genéricos nesse mercado, além dos outros quatro que já produziam medicamentos semelhantes, o cenário está uma maravilha para quem precisa de um Viagra de vez em quando. Hoje, o comprimido chega a ser vendido às drogarias por menos de 1 real e ao consumidor final por 4 reais. Para quem fabrica, no entanto, o excesso de competição criou uma nova realidade — as margens são tão baixas que é impossível, hoje, ganhar dinheiro produzindo o genérico do Viagra.

O que aconteceu após a queda da patente do Viagra de certa forma sintetiza o momento vivido pelo mercado de genéricos nos últimos anos. Criados em 1999, como uma política para aumentar a oferta de medicamentos baratos à população, os genéricos foram os grandes responsáveis por impulsionar a indústria farmacêutica nacional.

Com as patentes liberadas, os laboratórios brasileiros passaram a ter produtos competitivos, o que permitiu ampliar fábricas, dominar os canais de distribuição e vender para uma classe média com mais dinheiro no bolso. De coadjuvantes, tornaram-se protagonistas — e o maior alvo do interesse de multinacionais. Em 2009, a francesa Sanofi comprou a paulista Medley, então líder do mercado de genéricos, por 1,5 bilhão de reais.

No ano seguinte, a Pfizer adquiriu a goiana Teuto, e a brasileira Hypermarcas comprou a Mantecorp por 2,5 bilhões de reais. Os genéricos eram o remédio para impulsionar as vendas e, no caso das múltis, driblar as adversidades que se anunciavam com a queda das patentes de medicamentos como o Viagra e o anticolesterol Lípitor, o remédio mais vendido no mundo. O resultado foi um aumento brutal da concorrência — qualquer uma das cinco moléculas de genérico mais vendidas hoje tem pelo menos cinco concorrentes idênticos.


As vendas, é verdade, dispararam. Mas os preços foram ao chão. "O modelo de negócios dos genéricos no Brasil está muito próximo do limite do que é sustentável", afirma Douglas Woods, especialista em indústria farmacêutica da consultoria Boston Consulting Group. 

Como o vento contrário pega primeiro quem puxa o comboio, a líder Medley tem sido especialmente atingida. O ano de 2012 foi péssimo para a empresa, que trocou de presidente em outubro. Segundo executivos do setor, o que atinge a Medley é o clássico problema do líder que tenta manter seu posto a qualquer preço. Assim como as concorrentes, a Medley é obrigada por lei a dar nos medicamentos genéricos um desconto de 35% em relação ao produto de marca.

Na guerra de preços, no entanto, não é raro esses cortes chegarem ao dobro disso. Para continuar líder, a Medley passou nos últimos anos muito além desse limite, dando descontos de 85% ou 90% para as grandes farmácias. Consequentemente, sobrou pouco espaço para o lucro — que não é divulgado. Estima-se que a margem operacional tenha caído à metade nos últimos três anos. Em maio do ano passado, a Sanofi decidiu agir para reverter a queda.

Segundo executivos de drogarias e distribuidoras, as principais medidas foram a determinação de um teto de desconto de 75% e a análise das condições de venda caso a caso, em vez de aplicar um mesmo desconto a todo o portfólio, como chegou a ocorrer no passado. Em junho, o diretor comercial, Milton Spinelli, foi substituído. Em outubro, o presidente, Decio Decaro, deixou a empresa e o cargo foi ocupado interinamente pelo vice-presidente da Sanofi na América Latina, Heraldo Marchezini.

As mudanças comerciais causaram uma crise na relação com o varejo — que estava, obviamente, adorando a guerra de preços entre as farmacêuticas. Grandes redes, como Raia Drogasil e Drogaria São Paulo Pacheco, que concentram 75% das vendas da Medley, não aceitaram a nova política comercial, e a empresa foi obrigada a voltar atrás.


No pequeno varejo, a queda nos descontos acabou fazendo com que os produtos fossem simplesmente trocados por medicamentos semelhantes da concorrência. Assim, a participação de mercado da Medley em genéricos caiu de 31% para 26% nos 12 meses até novembro — a maior queda do mercado. "Em 2012, priorizamos a rentabilidade, enquanto alguns concorrentes se tornaram mais agressivos", afirma Valdomiro Rodrigues, novo diretor comercial da Medley.

Crescimento menor

Como sair dessa armadilha? Rodrigues diz que a Medley pretende ampliar as vendas em mercados menos concorridos que São Paulo e Rio de Janeiro. No ano passado, ampliou de três para 15 as parcerias com distribuidores das re­giões Centro-Oeste e Norte. Em fevereiro, o executivo Wilson Borges, que está de saída do comando da operação local da farmacêutica italiana Zambon, assumirá a Medley. Será o terceiro presidente desde a aquisição pelos franceses.

Para a Sanofi, a urgência para reverter a situação no Brasil é grande. Em 2012, a empresa perdeu a patente de três campeões de vendas nos Estados Unidos, entre eles o anticoagulante Plavix, até então o segundo medicamento  mais vendido no mundo. "A companhia dependerá ainda mais das operações nos mercados emergentes", afirma Mark­ Dainty, chefe da equipe de análise de mercado farmacêutico do Citi na Inglaterra.

Como mostra a queda de participação de mercado no ano passado, a Medley está pagando o preço de ter sido a primeira a fazer os cortes nos descontos. A questão é: até quando os concorrentes vão aguentar do jeito que estão? Além de ter se tornado viciado em descontos de quase 90%, o mercado de genéricos já não cresce tanto quanto no passado recente. No terceiro trimestre de 2012, a expansão nas vendas foi de 16%, a menor desde a crise de 2008.

Vale lembrar que as estatísticas oficiais do setor consideram as vendas pelo preço de tabela, ou seja, sem incluir na conta os descontos. O número real, portanto, é muito menor. Para complicar um pouco mais as coisas,  os custos continuam aumentando. Segundo levantamento do sindicato das indústrias, o aumento dos custos de mão de obra do setor foi duas vezes maior que a inflação nos últimos cinco anos e deve seguir essa tendência no futuro. Como reverter essa situação? É um remédio que as farmacêuticas estão procurando, mas ainda não acharam. 

Acompanhe tudo sobre:CompetiçãoEdição 1033GenéricosPatentesRemédios

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil