José Junior: ele convence as empresas a ajudá-lo até mesmo na recuperação de criminosos, uma causa espinhosa (Chechena/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
São Paulo - O empresário Rony Meisler, presidente da grife carioca de roupas Reserva, nunca acreditou na recuperação de criminosos e era até simpático à máxima de que “bandido bom é bandido morto”. E revelou em 2010 sua opinião a José de Oliveira Junior, coordenador executivo do Grupo Cultural AfroReggae, ONG que há 20 anos dedica-se, entre outras causas, a provar o contrário.
Junior respondeu que só respeitaria a opinião de Meisler, um carioca de classe alta criado no Leblon, se ele aceitasse visitar as atividades do AfroReggae no presídio Bangu 3, na zona oeste da cidade.
Lá, o empresário surpreendeu-se com o empenho com que os detentos se dedicavam a aulas de informática e cursos profissionalizantes. Depois, foi à favela de Vigário Geral, na zona norte, e lá viu traficantes armados.
Também visitou o centro cultural construído pelo AfroReggae na favela e se emocionou ao ver a euforia das crianças durante a apresentação de uma banda formada por adolescentes e adultos que frequentam as oficinas culturais da entidade. Dali em diante, não só passou a acreditar na regeneração de criminosos como se ofereceu para colaborar com o AfroReggae.
Foi ele quem ajudou Junior a lançar recentemente uma estratégia de licenciamento para uma marca própria da ONG, a AR. O objetivo é que a venda de produtos licenciados torne a entidade menos dependente de sua principal fonte de receita: os patrocínios.
Meisler é apenas um na lista de muitos empresários, altos executivos, artistas e donos das maiores fortunas do país que se encantaram com o AfroReggae depois de aceitar o convite de Junior para ver, sem filtros, uma realidade que a maioria desconhece. O coordenador da ONG já levou a Vigário Geral, uma favela ainda não pacificada, a bilionária Milú Vilela, acionista do Itaú, e o presidente do Santander no Brasil, Marcial Portela.
Fez o mesmo com Madonna, Luciano Huck, o publicitário Nizan Guanaes, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e muitas outras personalidades. E foi com essa estratégia que ele construiu uma rede de relacionamentos que transformou o AfroReggae numa das mais influentes ONGs do Brasil.
Em 2012, a entidade arrecadou 20 milhões de reais para seus 40 projetos sociais. Os recursos vieram de empresas como o banco Santander, a fabricante de cosméticos Natura e a Petrobras, além dos governos municipal e estadual do Rio de Janeiro.
“É um orçamento que coloca a ONG entre as maiores do país”, afirma Fernando Rossetti, presidente do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife)e um dos mais respeitados especialistas em terceiro setor do país.
No início dos anos 90, Junior, que cresceu em bairros violentos do centro do Rio, era apenas um fracassado promotor de bailes funk e de reggae da Lapa. Foi quando aconteceu a chacina de Vigário Geral, em 1993. Policiais à paisana mataram 21 moradores, e ele decidiu promover na favela oficinas de percussão para jovens. Hoje, a ONG tem núcleos em seis favelas do Rio, que oferecem atividades culturais, educacionais e esportivas.
Os jovens frequentam os núcleos no mínimo duas vezes por semana e lá permanecem por cerca de 4 horas. A entidade também usa assistentes sociais e psicólogos para se aproximar das famílias.
O AfroReggae mantém vínculo com 716 famílias e, para atrair os jovens para os núcleos, Junior usa alguns dos mesmos artifícios dos traficantes: anda pela favela com roupas e tênis de marcas badaladas para mostrar que não só os membros do tráfico podem ter esses luxos.
O coordenador da ONG também se dedica a uma tarefa ainda mais espinhosa: a regeneração de criminosos. Um de seus troféus nessa empreitada é Chinaider Pinheiro, de 38 anos, que comandou o tráfico em quatro favelas do Rio antes de passar dez anos na cadeia.
“Junior gosta de tirar gente do crime para servir de exemplo”, diz Pinheiro. Hoje, ele é quem coordena o Empregabilidade, programa de reinserção de ex-detentos do AfroReggae, criado em 2008.
A ONG cadastra egressos do sistema penal, promove oficinas de ressocialização e depois os encaminha para empresas e órgãos públicos que aceitem empregá-los.
“As companhias hoje estão envolvidas com diversas causas sociais, mas contratar ex-detentos não é algo que muitas estão dispostas a fazer”, afirma o diretor de uma grande empresa de serviços. Mas Junior tem conseguido avançar nesse terreno pantanoso. A primeira empresa a aderir ao programa foi a rede de estacionamentos Estapar.
Hoje, 50 empregadores participam do Empregabilidade. São companhias como McDonald’s, Pão de Açúcar e a holding de restaurantes Trigo, dona de marcas como a Spoleto. O programa já ofereceu vagas a 720 ex-presidiários, além de 780 jovens que já flertaram com o crime.
Pinheiro afirma, porém, que metade dos egressos abandona o emprego no terceiro mês, mas isso não quer dizer que todos voltam para a criminalidade.
As conversas com Pinheiro e outros coordenadores do AfroReggae revelam que falta à ONG uma sistematização dos resultados alcançados pelos programas. É uma característica, aliás, comum ao terceiro setor, que em grande parte ainda carece de profissionalização.
Muitas entidades que lidam com questões sociais encontram dificuldades para mensurar os impactos de suas ações ou nem mesmo se preocupam com isso, o que faz com que a natureza do relacionamento delas com as empresas seja permeada por muita cobrança.
Mas o AfroReggae parece estar isento desse tipo de pressão. “Recebemos relatórios, mas não precisamos deles, porque participamos de várias atividades do AfroReggae e vemos os exemplos de transformação”, diz José Vicente Marino, vice-presidente de negócios da Natura. Mas Junior está ciente de que a entidade precisa aprimorar sua gestão: com a ajuda de Marcelo Garcia, ex-secretário de Assistência Social do Rio, a ONG está implantando desde 2012 uma metodologia para medir os resultados dos programas.
Alguns dos aspectos que caracterizam a gestão e a cultura do AfroReggae devem permanecer, porém, intocados. Junior é considerado muito centralizador e, por mais que a ONG já tenha 350 funcionários, ninguém acredita que essa sua veia possa se tornar mais branda. Ele não parece preocupado em dividir com ninguém a tarefa de representar institucionalmente a entidade — sua imagem e a do AfroReggae são indissociáveis.
Ainda no início desta década, quando conheceu Flora Gil, mulher de Gilberto Gil, e começou com a ajuda dela a visitar diretores de marketing de empresas na busca de patrocínios, Junior percebeu que teria dificuldades.
Naquela época, poucos estavam dispostos a correr o risco de associar suas marcas a uma ONG que atuava nas favelas cariocas, sinônimo de violência e miséria. Junior insistiu, mas entendeu que teria mais chances de sucesso se conseguisse chegar aos presidentes das empresas.
Para isso, também contou com a sorte: conheceu André Skaf, filho do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, um jovem que também se encantou com o AfroReggae e passou a apresentá-lo a outros empresários e pessoas influentes. Nas conversas com os presidentes das empresas, Junior fala de forma impositiva, mostra-se irredutível em relação aos valores vultosos que negocia para os patrocínios e chega até mesmo a fazer leilões.
“Ele convence porque não se comporta como um pobrezinho num balcão de filantropia”, afirma Fernand Alphen, diretor de estratégia da agência de publicidade JWT, que cria e arca com todos os custos das ações publicitárias do AfroReggae. “Mas não é arrogante.” Há muita controvérsia em relação a isso.
O que ninguém discute é que a ONG se transformou num fenômeno, e só há um homem por trás disso: Junior. “Sou para o AfroReggae o que o Steve Jobs foi para a Apple. Acabou sem ele? Claro que não. Mas nunca haverá outro Steve Jobs”, afirma, sem nem um pingo de modéstia.