Revista Exame

O que trouxe investidores de volta aos leilões de infraestrutura

Em oito meses, o governo Temer deslanchou quase metade de um programa de concessões em infraestrutura à iniciativa privada - duas vezes superior ao de Dilma

 (Marcelo Chello/Estadão Conteúdo)

(Marcelo Chello/Estadão Conteúdo)

LB

Leo Branco

Publicado em 6 de maio de 2017 às 05h55.

Última atualização em 6 de maio de 2017 às 05h55.

São Paulo – A julgar pelo barulho causado pelas paralisações nas principais cidades brasileiras no dia 28 de abril, as grandes reformas do governo Michel Temer, como a trabalhista e a da Previdência, ainda vão enfrentar resistência para sair do papel. Enquanto isso, uma agenda reformista de menor porte, mas com histórico enroscado, dá sinais de que finalmente andou: as concessões em infraestrutura.

Em oito meses de Programa Crescer, um pacote federal para atrair investidores aos projetos do setor, o governo já garantiu 20 bilhões de reais em investimentos privados. É quase metade dos 45 bilhões de reais previstos hoje no programa — e uma execução inédita para o padrão dos pacotes de concessões em infraestrutura lançados nesta década. As iniciativas anteriores, do governo Dilma Rousseff, foram marcadas por planos ambiciosos e pouca entrega de resultados.

Na primeira tentativa, o Programa de Investimentos em Logística, de 2012, num montante de 213 bilhões de reais em investimentos apresentados ao mercado, apenas um terço saiu do papel após quatro anos. Além disso, boa parte desses negócios foi fechada com empreiteiras hoje atoladas na Operação Lava-Jato e sem crédito para honrar os contratos. Lançado em 2015 numa tentativa de recuperar uma economia em queda livre, o Programa de Investimentos em Logística 2 foi ainda pior: fomentou somente 3% dos 198 bilhões de reais em investimentos previstos em 200 ativos — houve avanço apenas na licitação de 14 terminais portuários.

Diante das incertezas atuais sobre a economia brasileira, o que explica o bom desempenho do Programa Crescer em relação às tentativas anteriores? Em grande medida, pesa a favor o fato de o governo Michel Temer dar condições mais atraentes ao investidor. Um exemplo são os leilões de energia elétrica. Na época de Dilma, que impunha controles rígidos sobre a lucratividade do parceiro privado, os leilões não raro terminavam às moscas ou só tinham lances da estatal Eletrobras.

Nos novos certames, o governo reajustou em 15% a taxa de retorno. O resultado: no leilão mais recente, no fim de abril, houve uma média de sete interessados por lote, uma concorrência motivada pela entrada de estreantes e pela presença de investidores que haviam sumido com o intervencionismo de Dilma, como a colombiana ISA Cteep, uma das principais concessionárias de energia no país. Após um hiato de cinco anos em leilões, a companhia voltou a investir no fim de 2016, já no governo Temer, e arrematou cinco lotes na disputa de abril. “O governo está oferecendo mais garantia de que vai deixar o mercado encontrar o equilíbrio de preços”, diz Reynaldo Passanezi Filho, presidente da ISA Cteep.

O risco de colocar dinheiro no Brasil caiu também por inovações do Crescer, como a adotada no leilão dos aeroportos, em março, em que o governo permitiu aos participantes usar parte do valor da outorga na contratação de um seguro contra variações cambiais. A consequência é um número maior de estrangeiros de olho nos ativos brasileiros. Trata-se de um bom sinal para uma economia que precisa urgentemente de um novo motor para o crescimento. De acordo com a consultoria GO Associados, a fatia de projetos adquiridos por empresas com capital externo subiu de 10% nos pacotes de Dilma para 38% no Crescer.

A mudança acontece em conjunto com uma melhora geral do humor sobre o país lá fora, motivada pela retomada da agenda de reformas. “A percepção é que o Brasil entrou num ciclo positivo, diferentemente de outros mercados emergentes, como África do Sul, México e Turquia”, diz Luiz Sorge, presidente da gestora de investimentos do banco BNP Paribas no Brasil, que deverá lançar no primeiro semestre um fundo de até 1 bilhão de reais para participar de projetos de infraestrutura por aqui nos próximos 15 anos.

Até o fim do ano que vem, o planejamento do Crescer é levar ao mercado os 49 projetos que restam dos 90 anunciados em março, na segunda reunião do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), força-tarefa de dez ministérios e bancos públicos para destravar os negócios no setor. Mas esse número poderá aumentar com a inclusão de propostas hoje em consulta por técnicos do governo ou pelo Tribunal de Contas da União, que na época de Dilma não raro questionou os termos de projetos já vendidos. “Só colocamos na lista os projetos que já passaram dessa fase”, diz Adalberto Vasconcelos, secretário do PPI.

Um dos setores que mais devem se beneficiar daqui para a frente é o de óleo e gás, que vem sofrendo com a falta de novas áreas para exploração. No ano passado, só sete poços foram perfurados, o menor número desde 1969, segundo a Agência Nacional do Petróleo. Na origem do problema está a falta de um cronograma de licitações no setor — a última rodada de áreas nas reservas do pré-sal, as maiores e mais rentáveis do país, ocorreu em 2013.

A promessa é realizar dez rodadas de licitações até o fim de 2019 — quatro serão neste ano e já estão na lista do Crescer. A expectativa é grande por causa da decisão do Congresso de reduzir à metade o patamar de componentes brasileiros no maquinário para a exploração de óleo e gás, hoje em 25% do total, e devido ao fim da obrigação de a Petrobras ser a operadora única dos campos. Se as rodadas forem bem-sucedidas, a previsão é de até 17 novos poços abertos no ano que vem e de 45 em 2020, retomando o patamar de 2013, quando o setor estava em plena expansão. “Será o suficiente para investimentos de até 620 bilhões de dólares na cadeia de óleo e gás em 15 anos”, diz Matheus Nogueira, diretor executivo da consultoria Accenture Strategy.

Riscos ambientais

Embora o Crescer tenha um bom retrospecto até agora, há uma série de riscos à frente. A começar pela qualidade dos ativos esperando leilão, em especial o conjunto de ferrovias formado por Ferrogrão, entre Mato Grosso e Pará; Norte-Sul, entre Tocantins e São Paulo; e Integração Leste-Oeste, na Bahia. Desse conjunto, a expectativa é de investimentos em torno de 15 bilhões de reais. “Entre essas ferrovias, só a Ferrogrão tem uma clara viabilidade econômica”, diz o economista Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B, consultoria em infraestrutura. “As demais carecem de demanda.”

O risco de faltar cargas pode diminuir com a aprovação da Medida Provisória no 752, que obriga as concessionárias a transportar cargas de concorrentes. Até o fechamento desta edição, no dia 1o de maio, a votação estava na pauta da Câmara. Há ainda o risco de o licenciamento ambiental dos projetos, seja os já leiloados, seja os que aguardam na lista, se arrastar durante anos. No lançamento do Crescer, havia a expectativa de os ativos irem a leilão já com essa etapa resolvida, o que não ocorreu porque os projetos de agora são herdados da gestão Dilma e já tinham um pedido de licença ambiental em andamento. “Não podíamos parar o programa inteiro para ficar à espera de novos licenciamentos”, diz Vasconcelos, do PPI. “A ideia é que os projetos que ainda serão incorporados ao Crescer já saiam para leilão com essa etapa resolvida.”

Outra medida é estipular nos novos contratos as etapas e as condições de demanda para cada obra acontecer. O intuito é evitar intervenções desnecessárias, tornando o licenciamento ambiental imediato mais leve e, em tese, mais rápido. Em oito meses, o programa de concessões do governo federal conseguiu destravar investimentos parados há cinco anos nas mãos do governo anterior. A torcida é para que o ritmo não desacelere daqui em diante.

Acompanhe tudo sobre:DesempenhoImigraçãoInfraestrutura

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda