Revista Exame

O Brasil que todos deveriam ver, mas políticos não enxergam

O Brasil que existe de verdade, de carne, osso e alma, é como se fosse de celofane: não é visto por políticos, marqueteiros e pela mídia. E não é discutido nos debates em torno das candidaturas à Presidência

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Da Redação

Publicado em 30 de novembro de 2013 às 12h58.

São Paulo - É uma prova direta, material e indiscutível da cegueira do debate nacional no Brasil de hoje, o que impede seus participantes de propor qualquer solução eficaz para qualquer coisa que precise ser solucionada, a obsessão em adivinhar o secundário. Que ideia útil poderia sair de toda essa conversa se ninguém quer olhar para o essencial? Nenhuma, é claro.

Por tudo aquilo que estão fazendo neste momento as forças políticas, de governo ou de oposição, os grandes tomadores de decisões, os arquiduques da marquetagem eleitoral, os meios de comunicação e por aí afora, só existe um assunto de interesse possível: a situação econômica vai favorecer ou vai prejudicar a reeleição da presidente Dilma Rousseff em outubro de 2014? Vai ajudar ou não Marina Silva, Eduardo Campos ou Aécio Neves? Vai ressuscitar como candidato o ex-presidente Lula?

O que não passa pela cabeça de ninguém é indagar o que a situação econômica do momento, com as decisões dramáticas que está a exigir, significa para o Brasil e para sua população. É para isso, e só para isso, que deveriam estar todos olhando. É para isso, justamente, que ninguém quer olhar.

E daí que Dilma passe mais quatro anos no Palácio do Planalto antes de se aposentar — ou se aposente um tanto mais cedo, já no fim de 2014? Qual diferença isso pode fazer para os milhões de brasileiros que têm mais 30, 40 ou 50 anos de vida pela frente, ou mais ainda que isso?

O que interessa, a não ser para eles próprios, saber se Marina Silva é “compatível” com Eduardo Campos? Ou quem pode ser vice de quem, ou se Marina foi pobre o suficiente para poder ser comparada a Lula, ou se José Serra vai continuar se candidatando a alguma coisa?

O que muda se o governo, o PT e sua máquina de propaganda decidirem que Marina, que só foi alfabetizada às vésperas de tornar-se adulta, passou fome por anos a fio durante a infância e quase morreu de doenças criadas pela miséria, transformou-se de repente numa mulher de “direita”? E Campos: é um socialista-direitista?

Sejam lá quais forem as respostas para essas perguntas todas, o Brasil continuará tendo 50 000 homicídios por ano. Continuarão sem entender direito o que leem 70% da população alfabetizada — fora, portanto, de qualquer acesso a bens como uma carreira decente, uma remuneração mais folgada ou uma existência menos precária.


A construção da ferrovia Norte-Sul, iniciada em 1987, continuará sem prazo para terminar. Nada disso, porém, está dentro do debate atual. O que interessa são apenas as miseráveis questõezinhas expostas e outras que vivem na mesma inatividade mental.

O Brasil que existe de verdade, de carne, osso e alma, simplesmente não é discutido nestes momentos de neurastenia pretensamente ideológica e de hiperatividade política; é como se fosse feito de celofane. Mas é para ele que todos deveriam estar olhando, com propostas claras a respeito do que precisa ser feito, e precisa ser feito já.

O poder efetivo de compra do real é uma desgraça; itens essenciais, como eletrodomésticos, roupas e equipamento tecnológico básico, custam 50% mais caro do que nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos.

O peso dos impostos sobre a folha de pagamentos chega quase a 60%, dinheiro que o empregador paga, mas o empregado não recebe — e veneno em estado puro para a criação de empregos mais bem remunerados.

A desigualdade social, consequência direta da falta de habilitação de milhões de brasileiros para o trabalho moderno, é um desastre para a produtividade do país e sua capacidade de competir.

Os avanços de renda, sobretudo no salário mínimo, nem sequer arranharam nossa indigência; o mínimo brasileiro é um sexto ou um quinto do que é pago nos países mais avançados da Europa, sem a compensação de um custo de vida menor. Mais de 100 países têm infraestrutura melhor que a do Brasil, onde o governo não investe e não deixa investir — e assim vamos. Continuaremos a ir, com 100% de certeza, enquanto a vida pública continuar cega.

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