Favela em Osasco: num cenário de juros baixos, deve haver mais crédito para financiar obras de saneamento (Lalo de Almeida/Folhapress/Exame)
Leo Branco
Publicado em 29 de março de 2018 às 05h45.
Última atualização em 29 de março de 2018 às 09h39.
Escrito em 1905 pelo sociólogo alemão Max Weber, o clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo serve de referência para entender o sistema econômico dominante no planeta. Na obra, Weber sustenta que a prosperidade dos povos do Ocidente decorre da Reforma Protestante feita há 500 anos. Ela permitiu, e tornou natural, algo considerado pecado por sucessivas gerações de católicos ao longo de 1.500 anos: a cobrança de juros ao pegar dinheiro emprestado. A possibilidade de receber uma recompensa monetária em troca do risco de emprestar deu origem à criação de um mercado de capitais rudimentar. Uma consequência foi a concessão de crédito para fábricas, estradas de ferro, moradias e outras inovações que, desde a Revolução Industrial, estiveram na base da multiplicação dos bens e serviços à disposição da humanidade.
A evolução do capitalismo nos cinco séculos após a Reforma Protestante tornou a coexistência com os juros algo trivial para populações mundo afora — menos no Brasil. Nos países ricos, a confiança em instituições fortes para garantir lastro nas operações de crédito fez com que o risco desse tipo de transação financeira fosse caindo ao longo do tempo. O Japão e a União Europeia contam com taxas negativas e abundância de crédito desde o início da década. No Brasil, onde o capitalismo convive com velhas amarras de um Estado incapaz de fazer valer as leis de mercado, há muito tempo está claro que os juros, que chegam à casa de dois ou três dígitos, dependendo da linha de crédito, são um freio para o funcionamento da economia.
A história recente mostra que transformar um país viciado em juros altos numa economia saudável leva tempo e requer persistência, pois os benefícios só vêm no longo prazo. Foi o que passou a viver a Polônia após a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética no final dos anos 80. Com inflação de quase 800% e uma taxa de juro que chegou a 541% ao ano em 1990, numa economia majoritariamente estatal e centralizada, o país passou pelo que muitos analistas chamam de “choque econômico” ao longo das últimas duas décadas. A gestão de Leszek Balcerowicz, primeiro-ministro e ministro das Finanças da Polônia de 1989 a 1991, começou por cortar o subsídio às empresas estatais.
Preços artificialmente controlados também perderam lugar, bem como a maioria das restrições ao comércio exterior. O caso mais emblemático era o das fábricas de aquecedores — vitais para aguentar o inverno polonês —, que na época dependiam de uma cota restrita do aço produzido pelas siderúrgicas estatais. A alternativa era comprar peças na Alemanha, pagando altas taxas de importação. Com a abertura, a produção de aquecedores ficou mais barata e o mercado interno cresceu. O choque macroeconômico — que recebeu críticas por afetar estatais, seus milhares de funcionários e cidades inteiras que delas dependiam — acabou por dar condições a um ambiente de empreendedorismo sem precedentes no país.
A mudança permitiu o surgimento de empresas como a Styl France, de movelaria inspirada no estilo francês. Com baixo custo e alta qualidade, a empresa polonesa passou a competir em pé de igualdade com a movelaria francesa. No início dos anos 2000, a vertiginosa queda dos juros deu força ao setor, o que mais tarde faria da Polônia a quarta maior fabricante de móveis do mundo. Com a casa minimamente arrumada, o país ingressou na União Europeia em 2004 e atraiu investimentos estrangeiros: a indústria automotiva local dobrou de tamanho depois do acesso ao mercado europeu. Hoje, a taxa de juro polonesa gira em torno de 1,5%, ao lado de uma inflação de pouco mais de 2%. Após a crise financeira de 2008, o país foi o único da Europa a registrar crescimento ininterrupto.
Uma trajetória semelhante ocorreu no Peru de 1990 a 2011 e se firmou como um dos mais bem-sucedidos períodos econômicos de sua história. A escalada da inflação ao longo dos anos 80 havia levado o país a registrar mais de 7.000% por ano de aumento nos preços ao final daquela década. A taxa real de juro nos bancos excedia os 100% ao ano. Tudo isso em meio a uma confusão política, incluindo o “autogolpe” do presidente Alberto Fujimori, que dissolveu o Congresso com o apoio militar em 1992. Fujimori, porém, derrubou a inflação da casa de 35% ao mês para 4% ao ano.
A despeito da turbulência e da alternância de poder entre governos de polos ideológicos opostos, a receita peruana encontra semelhanças com a polonesa: fim do controle de preços, eliminação de subsídios, abertura para o mercado internacional e, sobretudo, a privatização de estatais, gerando investimentos e situando o Peru como um grande exportador de minérios. A onda de desemprego que se verificou depois dos cortes nas estatais foi revertida nos anos seguintes. Entre 2005 e 2015, o nível de pobreza no país caiu de 45% para 19%, com impacto para quase 7 milhões de pessoas. No ano passado, o Peru teve inflação de 1% e juro básico de 3%.
Na vizinha Colômbia, o quadro de inflação e juros altos foi similar. Em 1995, o país sofria com aumentos de preços acima de 300% ao ano e juros de 33% ao ano. A abertura comercial foi o que mais contribuiu para a mudança desse cenário. A competição entre produtos locais e importados diminuiu os preços e permitiu a baixa dos juros. Nos anos 2000, a Colômbia aproveitou a melhora do cenário global e o bom ciclo do petróleo para investir. O combate ao narcotráfico também ajudou a estabilizar a economia, atrair investimentos para a infraestrutura, com a construção de novas estradas, por exemplo, e a estimular o empreendedorismo.
No Brasil, por trás da queda dos juros está a combinação de uma recessão brutal com uma política monetária bem-sucedida do Banco Central e com o bom desempenho do agronegócio. A começar pela ajuda que veio do campo: desde 2017 o país vem sendo beneficiado por uma safra recorde de grãos, que não apenas domou a inflação dos alimentos como também resultou em mais de seis meses de deflação — um feito inédito. Os efeitos da recessão, que o país viveu até o início de 2017, também foram determinantes para a trajetória de queda dos juros. O alto desemprego e a renda espremida levaram parte das empresas brasileiras a operar abaixo da capacidade. Mesmo agora, com sinais mais sólidos de recuperação, elas seguem com alta ociosidade.
Dito isso, a taxa de juro dificilmente estaria onde está caso a inflação, que escapou da meta em 2015, não tivesse arrefecido. Aí entra o mérito da política monetária com o Banco Central sob o co-mando do economista Ilan Goldfajn (leia a entrevista), que assumiu o posto em junho de 2016. Mesmo sofrendo as críticas de que estava retardando a saída do país da crise, ele manteve a taxa Selic em 14,25% até meados do ano passado.
Goldfajn mostra agora a serventia do remédio amargo: a inflação de 6% em 2016 virou apenas 2,9% em 2017, abaixo dos 3% do piso da meta — algo inédito —, e deverá ficar nesse nível neste ano. Por fim, reformas aprovadas pelo governo Temer reforçaram a expectativa de que a inflação caminhe para um período de calmaria, entre elas o fim de linhas subsidiadas do BNDES, que oneravam o restante do sistema financeiro (motivo por trás da substituição da taxa de juro de longo prazo, decidida na base da canetada em Brasília, por outra já em vigor, e com critérios técnicos).
O que o Brasil tem a ganhar ao se tornar um país com taxa de juro de um dígito? EXAME pediu a economistas que calculassem os impactos possíveis desse cenário nos próximos cinco anos, prazo em que o presidente eleito neste ano estará terminando o mandato. Num cenário de juros e inflação civilizados, haveria espaço para um crescimento da economia capaz de garantir uma expansão do PIB per capita de 20% em termos reais, para cerca de 35.000 reais, de acordo com estimativas da 4E Consultoria.
Nesse patamar, os brasileiros estariam com maior poder de compra do que os russos. Esses brasileiros teriam mais dinheiro à disposição para realizar o sonho da casa própria. Nas contas da 4E, haveria espaço para a concessão de 683 bilhões de reais em novos financiamentos imobiliários Brasil afora. Isso daria para financiar 2,8 milhões de moradias no programa federal Minha Casa, Minha Vida até 2022. “A medida resolveria 46% do atual déficit habitacional brasileiro, estimado em 6,1 milhões de unidades”, diz o economista Bruno Lavieri, sócio da 4E.
O crédito mais farto poderia também estimular o apetite para obras em setores em que o país tem enormes carências, como saneamento, rodovias, portos e ferrovias. De acordo com estimativa da consultoria Inter.B, um cenário de juros e inflação controlados e um crescimento de 3% no PIB permitiriam ampliar o retorno sobre os projetos de infraestrutura, atraindo mais o interesse do capital privado. Até 2022, a estimativa é que 1,1 trilhão de reais seriam aportados no setor. É sete vezes mais do que o volume previsto no Avançar, programa federal de concessões e parcerias. Mais importante: nesse ritmo de expansão, daqui a cinco anos o país atingiria o índice de 4% do PIB aplicado em infraestrutura. “Nesse contexto, a infraestrutura seria alçada à condição de prioridade, o que não é há muito tempo”, afirma Cláudio -Frischtak, sócio da consultoria Inter.B.
Seria a primeira vez desde 1980 que o Brasil atingiria esse volume de investimentos. No ano passado, foi investido um minguado 1,3% do PIB, o menor nível em décadas. As mudanças poderiam reverter a queda de 20% no faturamento da construção civil desde 2014, início da crise econômica. “O setor conseguiria retomar em 2021 o patamar de atividade pré-crise”, diz o economista Adriano Pitoli, sócio da consultoria Tendências.
Um maior volume de dinheiro circulando na economia, a um custo mais baixo, tem tudo para motivar a expansão do mercado de capitais. É bem verdade que esse setor já está vivendo um bom momento desde o início do atual ciclo de queda dos juros, que tirou boa parte da atratividade de aplicações atreladas à Selic. Num eventual cenário de continuidade das reformas a partir de 2019, o padrão da bolsa B3 nos próximos cinco anos deve ser de sucessivas quebras de recorde de valorização — exceto se alguma crise internacional extrema, como uma possível guerra comercial entre Estados Unidos e China, ou uma (hoje) improvável batalha nuclear entre americanos e norte-coreanos, venha frustrar os ganhos.
A bolsa, hoje na casa dos 80.000 pontos, deve praticamente dobrar de valor até 2022, quando poderá superar 140.000 pontos, segundo a projeção da consultoria MB Associados. É o suficiente para fazer a alegria das corretoras tradicionais e também das inúmeras fintechs, empresas de tecnologia para o mercado financeiro, que pipocam no Brasil. As mais promissoras já estão vendo o movimento multiplicar desde o ano passado. É o caso da mineira Monetus, desenvolvedora de um software para gestão de investimentos que entrou em funcionamento no fim de 2016. Desde então, os sócios da Monetus, jovens na casa dos 30 anos que se conheceram nas salas de aula da Universidade Federal de Minas Gerais, saíram de uma carteira de 7 milhões de reais investidos pela plataforma para o atual volume de 100 milhões de reais. “A meta até o fim do ano é chegar a 500 milhões”, diz Daniel Calonge, de 31 anos, um dos fundadores.
Novas relações
Ainda que lentamente, o novo patamar de juros começa a mudar as relações entre empresas e bancos. É verdade que a taxa Selic caiu muito mais depressa do que o juro negociado nas mesas dos gerentes que atendem as empresas. Nos últimos 12 meses, os juros para pessoa jurídica caíram apenas 3,6 pontos percentuais. A taxa média para companhias de todos os tamanhos e setores é hoje de 18%. Nas linhas de crédito para duplicatas e capital de giro, duas das mais usadas, são cobrados 22%. Por isso, os benefícios ainda são modestos.
A varejista Kalunga, de artigos de informática e escritório, utiliza crédito bancário para tocar a operação diária e acelerar seu plano de expansão, que aproveita a oferta de espaços baratos em shopping antes considerados caros. O plano da Kalunga é abrir de 20 a 30 lojas apenas neste ano. Com a queda da Selic, os prazos dos créditos oferecidos à rede pelos bancos agora aumentaram de 36 para 60 meses. “Esperamos também reduzir a dívida da companhia de 10% a 12% apenas com o novo patamar dos juros no país”, diz Hoslei Pimenta, diretor comercial da Kalunga.
Os bancos também se preparam para o retorno do cliente empresarial. O Banco do Brasil acabou de aumentar em 130 o número de gerentes de crédito de pessoa jurídica, elevando a equipe para 650 profissionais. Outra iniciativa é reforçar os negócios na Região Centro-Oeste, que tem mostrado vigor, dados os bons resultados no agronegócio. “As empresas estão chegando com mais demanda, não só para renegociar dívidas antigas mas também pensando em novos projetos”, diz Antônio Maurano, vice-presidente de negócios de atacado do Banco do Brasil, que atende 60.000 empresas no país.
Centro de Varsóvia, capital da Polônia: com uma economia de mercado estável, o empreendedorismo local floresceu | Lucas Vallecillos/agb photo
As garantias exigidas também apontam para um cenário de normalidade — para os padrões brasileiros, é claro. Hoje, os bancos pedem o dobro do valor principal do empréstimo como garantia. No auge da crise, essa exigência era de até seis vezes o valor emprestado para companhias com alto endividamento. “É preciso entender que o ambiente de negócios ficou muito ruim nos últimos dois anos”, diz Ricardo Carvalho, diretor de empresas da agência de classificação de riscos Fitch. “Nunca vi, em 30 anos, um conjunto tão severo de indicadores. Tivemos mais de 100 companhias não financeiras rebaixadas.”
A pergunta que se coloca é se a maré dos juros baixos no Brasil vai se manter. A resposta: depende do ímpeto do próximo presidente. “Se o país continuar avançando com a atual agenda de reformas, especialmente a da Previdência, a era de juro nominal de um dígito teria vindo para ficar, o que seria inusitado na história brasileira”, diz Felipe Salles, economista do banco Itaú. O abandono do receituário que vem dando certo, ou mesmo a reversão do que já foi feito, pode significar o retorno de uma inflação acima da meta e de uma Selic de dois dígitos já a partir do ano que vem. “A responsabilidade, ou melhor, o abacaxi, nas mãos do próximo presidente é enorme”, diz Alberto Ramos, economista-chefe para a América Latina do banco Goldman Sachs, em Nova York.
Os brasileiros já conhecem os efeitos da montanha-russa dos juros quando os fundamentos da economia são artificialmente alterados. Basta lembrar que, entre 2011 e 2013, período de vigência da malfadada “nova matriz econômica” da então presidente Dilma Rousseff, a taxa Selic caiu de 12% para 7% em pouco mais de um ano. Só que, seguindo uma cartilha de gastança nos cofres públicos para estimular a economia, o governo da petista perdeu o controle da inflação e ela entregou o cargo em 2016 com a Selic em 14%. No longo prazo, fica mais claro enxergar os estragos causados pelo descontrole na economia que estão na origem do sobe e desce dos juros. Uma maneira de medir isso é olhar para o que aconteceu enquanto o governo manteve o regime de metas de inflação, responsável por afastar a economia brasileira do passado de hiperinflação, e o que houve com seu abandono.
Essa disciplina foi se perdendo de 2006 em diante, com a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência e a chegada de Guido Mantega ao Ministério da Fazenda. De perfil mais alinhado com as raízes de esquerda do Partido dos Trabalhadores do que seu antecessor, Antonio Palocci, Mantega foi cedendo aos ímpetos gastadores do segundo mandato de Lula e, depois, aos de Dilma Rousseff. Sintoma disso é que o plano da equipe econômica de Palocci de reduzir a meta de inflação, então em 4,5%, ficou pelo caminho na gestão de Mantega. No fim das contas, foi uma gestão marcada por estímulos à economia com dinheiro público, que resultaram em anos de inflação à beira de estourar a meta por causa dos juros abaixo do patamar que deveriam estar.
Um exercício de Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, mostra bem o tamanho do prejuízo. Se desde 2006 a meta de inflação tivesse sido reduzida a 3% e as contas públicas tivessem mantido uma folga de 2% do PIB para pagar juros da dívida, a economia teria funcionado bem melhor. Eis algumas evidências: a média de inflação teria sido de 3,3% ao ano, e não os 5,7% que de fato aconteceram. O menor ímpeto inflacionário permitiria mais vigor na queda dos juros: a média da Selic nos últimos 12 anos poderia ter sido dois pontos inferiores aos 11% que o Brasil manteve desde 2006.
O benefício de um país com menos juros e inflação seria mais crescimento: ao fim de 2017 a soma das riquezas num cenário de estabilidade macroeconômica seria de 8 trilhões de reais, quase 20% acima do valor atual. Na ponta, a proporção da dívida pública brasileira em relação ao PIB seria de 25%, patamar próximo ao de países emergentes, como Chile e Coreia do Sul, pródigos em crescer mantendo as contas públicas saneadas. “Essa estabilidade teria sido virtuosa para estabilizar a dívida e evitar que o Brasil tivesse perdido o grau de investimento nas agências de classificação de risco”, diz Vale. Como se sabe, a história foi bem diferente: o Brasil deixou de ser considerado um bom pagador e hoje a dívida bruta do país bate nos 74% do PIB — e segue em expansão.
A recente conquista brasileira precisa se converter em ganhos reais nos próximos anos. Um alento é saber que há medidas que podem ser testadas pela atual equipe econômica a fim de reduzir os custos do crédito até o fim do mandato, em dezembro. Das 47 medidas que compõem a Agenda BC+, lançada em dezembro de 2016 para, entre outras coisas, facilitar o acesso a crédito, restam 24 para ser executadas. Algumas, se aprovadas, podem ter efeito imediato na redução dos juros, como é o caso da aprovação do Cadastro Positivo, que aperfeiçoa os bancos de dados de quem paga as contas em dia.
A regra atual, em vigor desde 2012, é mais uma daquelas jabuticabas: quem tem as contas em dia precisa preencher um novo formulário a cada tentativa de tornar pública a informação de que é bom pagador. O resultado: de um total de 110 milhões de consumidores país afora, só 4,5% colocaram o nome em cadastros em sete anos.
A alteração sugerida pela equipe econômica prevê incluir os dados dos brasileiros automaticamente — da mesma maneira como é nos países desenvolvidos —, ficando a critério de quem quiser sair das listas passar pela burocracia dos formulários. A consequência: mais informação sobre os consumidores e menos risco para conceder crédito. “A experiência internacional mostra que dá para esperar com a medida uma redução de 30% dos juros, especialmente nas linhas para consumidores e pequenas e médias empresas”, diz o economista João Manoel Pinho de Mello, secretário do Ministério da Fazenda que tem dedicado boa parte de sua agenda à interlocução com o Congresso para aprovar o texto até o fim do ano. Como se vê, aos poucos o Brasil vai dando passos rumo a uma relação mais normal com os juros. Mas ainda dependemos da política para colher o melhor que o capitalismo pode proporcionar.
JURO BAIXO? A SAÍDA É O PAÍS GASTAR MELHOR
Para o alemão Jens Arnold, economista sênior da OCDE para o Brasil, cada vez mais a política monetária vai depender da fiscal
Arnold, da OCDE: “Não há mais razão para crédito caro no Brasil” | Divulgação
Uma das tarefas diárias do alemão Jens Arnold, economista sênior da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é analisar indicadores da economia brasileira. Na sede da organização, em Paris, Arnold é responsável por monitorar o Brasil, um dos candidatos a fazer parte do clube dos 35 países mais desenvolvidos do mundo. O ingresso, tentado pela equipe econômica de Michel Temer, depende do andamento de reformas. Em março, Arnold lançou em São Paulo um relatório de 170 páginas com sugestões ao governo brasileiro e falou a EXAME sobre o que considera avanços recentes na economia — e o que mais o país precisa fazer para abandonar o passado de inflação e juros altos.
Há condições de o atual ciclo de baixa nos juros no Brasil ser mais duradouro?
Sim. Dois fatores explicam por que dá para ser otimista com a trajetória recente da economia brasileira. Um deles é a Lei do Teto de Gastos. Foi uma ótima maneira de forçar um ajuste nas contas públicas, que antes estavam com um pé no acelerador. Foi um sinal importante de que o governo está falando sério sobre a questão fiscal. A introdução da taxa de longo prazo em lugar da TJLP também teve um grande impacto, pois era difícil para os agentes de mercado competir com um banco público, como o BNDES, com acesso a fundos muito mais baratos para se financiar. Esse desequilíbrio está se desfazendo. Era uma situa-ção excepcional do Brasil — ter só um banco público como concedente de crédito de longo prazo. Enfim, o Brasil é uma exceção no mundo pelo histórico de juros altos. Mas não há razão para ter crédito caro para sempre.
Quais são os riscos para a manutenção desse patamar?
O elefante na sala é a reforma da Previdência, que, se não for aprovada, deixará o desafio fiscal cada vez mais complexo. Formalizar a independência do Banco Central melhoraria esse cenário. O Banco Central tem atuado de forma muito independente agora. Colocar esse mandato no papel atenderia às expectativas dos agentes de mercado e, consequentemente, diminuiria a pressão sobre os juros para conter a inflação. Por fim, é uma questão de direcionar melhor as despesas públicas para obter resultados iguais ou melhores com menos gastos. Há um espaço enorme para ganhos de eficiência nos gastos públicos.
Onde estão as principais áreas em que é possível economizar?
Pelas contas da OCDE, o governo brasileiro poderia economizar até 8% do PIB com mais eficiência nos gastos públicos. Algumas políticas sociais, como o Bolsa Família, que custa só 0,5% do PIB, são poderosas para reduzir a pobreza, pois direcionam recursos diretamente à população mais pobre, e deveriam ser mantidas em qualquer hipótese. Mas há desperdícios no pagamento de aposentadorias a quem sai do mercado de trabalho cedo demais, além de ineficiências de gestão no Sistema Único de Saúde e na alocação de recursos no ensino público. Mais investimentos na educação infantil garantiriam melhores oportunidades a mais gente.