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O que o prêmio Nobel Muhammad Yunus vem fazer no Brasil

Famoso por popularizar o microcrédito em Bangladesh, o Nobel Muhammad Yunus chega ao Brasil para convencer investidores a combater a pobreza


	Muhammad Yunus: atrás dos recursos dos filantropos brasileiros
 (Carsten Koall/Getty Images)

Muhammad Yunus: atrás dos recursos dos filantropos brasileiros (Carsten Koall/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 29 de abril de 2015 às 05h56.

São Paulo -- Em Bangladesh, país ao sul da Ásia, um índice chama a atenção: 56% das crianças com menos de 5 anos de idade sofrem com desnutrição. Isso se reflete na capacidade cognitiva delas — o que, no longo prazo, ajuda a explicar alguns indicadores sociais do país.

No ranking do IDH, índice criado pela ONU para medir o padrão de desenvolvimento das nações, Bangladesh ocupa a 142ª posição — enquanto o Brasil, a 79ª. Diante desse quadro, em 2005, o economista bengalês Muhammad Yunus propôs a Franck Riboud, então presidente da francesa Danone, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, uma parceria: criar um alimento capaz de suprir parte da necessidade nutricional diária das crianças por um preço acessível.

A Danone aceitou o desafio e, em 2007, as mães da cidade de ­Bogra, no norte do país, passaram a comprar um iogurte fortificado por menos de 15 centavos de euro. Hoje são vendidos mais de 87 000 potinhos por dia na região.

“Encontramos uma fórmula para transformar a realidade dessas crianças e agora queremos ganhar escala”, disse a EXAME Muhammad Yunus, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2006 por ter criado o banco de microcrédito Grameen, em Bangladesh, nos anos 70. 

Na próxima semana, o prêmio Nobel chegará ao país para apresentar a presidentes de empresas os resultados de parcerias como essa feita com a Danone e, talvez, encontrar aliados para novas empreitadas parecidas. Seu maior objetivo, no entanto, é fazer decolar no Brasil o que ele batizou de “negócio social” — empresas cuja atividade, ainda que lucrativa, tem como propósito maior melhorar a vida dos pobres.

Esse esforço será capitaneado pela Yunus Negócios Sociais, empresa que está presente há quase dois anos no Brasil e tem como missão desenvolver e financiar empreendedores que estejam dispostos a encarar esse desafio.

Até agora, 22 negócios passaram pelo crivo da equipe, e seis deles aguardam investimento. Os recursos devem vir de um fundo que a Yunus acaba de estruturar e cuja meta é captar 40 milhões de ­reais até o fim deste ano.

Trata-se de um plano ambicioso. Sobretudo em um ano de pessimismo em relação à economia brasileira. Até agora a equipe local, liderada pelo executivo paulista Rogério Oliveira, arrecadou 1 milhão de reais — muito distante, portanto, da meta original.

Oliveira, porém, está convicto de que a iniciativa atrairá o interesse de filantropos tradicionais: famílias e empresários bilionários dispostos a botar dinheiro para impulsionar negócios sociais tendo como contrapartida apenas a satisfação pessoal com os avanços que eles devem gerar.

Isso porque o fundo de Yunus não promete rendimentos sobre o capital — o dinheiro será devolvido em valores nominais dentro de um prazo de seis a oito anos. Ou seja, mantida a inflação de 8% por oito anos, significa dizer que o dinheiro pode perder até 85% do valor. “Os negócios sociais podem concorrer pelos recursos destinados às ONGs, uma vez que o interesse dos doadores é também social”, diz Oliveira.

Ninguém duvida das boas ideias de Yunus. Afinal, foi ele quem começou a propagandear, ainda no início da década de 90, a premissa de que era possível aliar lucro e impacto social num negócio. De lá para cá, o interesse nessa fórmula vem crescendo no mundo todo: um levantamento do banco americano JP Morgan, divulgado em 2014, mostra que 10,6 bilhões de dólares foram investidos em negócios desse tipo no mundo em 2013 — e esse montante, segundo o banco, poderá atingir 1 trilhão de dólares até 2020.

Mas há, entre os muitos entusiastas do modelo, uma divergência nada singela. Para Yunus, o lucro de um negócio social deve ser totalmente reinvestido nele próprio ou em outro negócio que siga esses princípios.

De forma alguma ele deve ser acumulado ou distribuído entre os investidores. Para outra corrente, porém, a atratividade dessas empresas e sua capacidade de gerar uma grande mudança na sociedade diminuem significativamente se não houver um ganho financeiro a ser obtido.

Um dos principais críticos ao modelo de negócio social defendido por Yunus é o chinês Michael Chu, professor de empreendedorismo social na Universidade Harvard. “A baixa rentabilidade de um negócio nunca serviu para atrair bons empreendedores e boas ideias”, diz ele. “Além disso, mesmo que um negócio desse tipo se prove localmente eficaz, a chance de que ele cresça e dure por gerações é remota.”

Apesar das controvérsias acadêmicas em torno do modelo, ainda é cedo para ser categórico em relação à eficácia desses dois tipos de negócio de impacto social — gerem eles lucro ou não pa­ra os investidores.

“O movimento precisa de mais tempo para se provar, seja numa vertente, seja em outra”, afirma Daniel Izzo, sócio-fundador do Vox Capital, primeiro fundo de investimento de impacto do país, que já investiu 50 milhões em 17 empreendedores sociais desde 2009 — sem perder de vista a remuneração dos investidores.

Se for bem-sucedido por aqui em sua peregrinação em busca de recursos para o fundo, Yunus beneficiará negócios como a Solar Ear, fabricante de aparelhos auditivos movidos a energia solar que custam aproximadamente 10% dos aparelhos tradicionais. O negócio foi criado no Canadá e está presente no Brasil desde 2009, além de países como Botsuana, Jordânia e China.

Até o ano passado, porém, a produção da fábrica da Solar Ear aqui era toda destinada à exportação, uma vez que a empresa não estava autorizada pelo governo a vendê-los localmente. Agora, com essa permissão, o plano de Frederico Fernandez, que dirige o negócio no Brasil, é que o produto possa beneficiar milhares de deficientes auditivos de baixa renda no país. “Temos cerca de 10 milhões de deficientes auditivos, e minha estimativa é que 80% desse público não possa pagar por um aparelho tradicional”, afirma ele.

Na Solar Ear, o aporte de Yunus — que deverá ser de 1,5 milhão de reais — será usado para contratar vendedores e estruturar uma rede de distribuição. O negócio parece promissor. De 2010 para cá, o faturamento da empresa alcançou algo como 20 milhões de reais nos outros três países em que atua. Vale lembrar, porém, que quem estiver disposto a apostar no negócio não deve nutrir o desejo de ganhar muito dinheiro com quem não escuta bem — mas contentar-se, apenas, com a oportunidade de fazer o bem.

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