Revista Exame

Para a humanidade, o que importa é o longo prazo

O Nobel premiou dois economistas que olham para a frente, para as questões mais importantes na modelagem do futuro das nações — e da humanidade

William Nordhaus, da Universidade Yale: ele demonstrou como o prejuízo dos danos ambientais é real | Michelle McLoughlin/Reuters /

William Nordhaus, da Universidade Yale: ele demonstrou como o prejuízo dos danos ambientais é real | Michelle McLoughlin/Reuters /

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Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2018 às 05h36.

Última atualização em 11 de outubro de 2018 às 05h36.

Para o presidente americano Dwight Eisenhower havia dois tipos de problema: os urgentes e os importantes. A dificuldade, dizia ele, é que os urgentes não eram importantes e os importantes não eram urgentes. Separar tempo e recursos para tratar das questões fundamentais de longo prazo, definir planos para superá-las e não deixar que contratempos de curto prazo desvirtuem a agenda são segredos das nações que dão certo.

Paul Romer, da Universidade de Nova York: premiado pelo estudo do impacto do progresso tecnológico na economia | Abhijit Bhatlekar/Mint/Getty Images

Neste ano, a Academia Sueca premiou dois economistas que pensam longe, sem se incomodar com os vaivéns de curto prazo. William Nordhaus, da Universidade Yale, e Paul Romer, da Universidade de Nova York, receberam o Nobel por integrarem, respectivamente, a natureza e o conhecimento à análise macroeconômica de longo prazo, pois “a natureza determina as condições em que vivemos e o conhecimento define nossa capacidade de lidar com essas condições”.

Nordhaus pertence a uma linhagem de intelectuais pessimistas com o crescimento econômico que surgiu no início do século 19 na esteira das previsões catastróficas de Thomas Malthus. Sua preocupação com questões relativas à sustentabilidade vem do início dos anos 70, época em que um manuscrito produzido pelo “Clube de Roma” chamava a atenção para a oferta finita de recursos e para a entropia crescente do sistema econômico, foco que, com o tempo, se desviaria para o excesso de consumo e sua relação com as mudanças climáticas.

Os danos ambientais causados pelo progresso econômico eram conhecidos, mas faltavam ferramentas para incorporar o tema nas análises de políticas públicas. Sem um arcabouço analítico formal calibrado para representar adequadamente a realidade, a defesa do status quo tenderia a gerar um imobilismo perigoso. Nordhaus avançou nas duas frentes, inserindo o meio ambiente nos modelos econômicos e desenvolvendo métodos de contabilização dos custos ambientais de modo a tornar o tema passível de ser analisado objetivamente por métodos tradicionais de avaliação de projetos.

Num de seus estudos, ele estimou que cada tonelada de gás carbônico emitida na atmosfera tem um custo oculto de 12 dólares para a sociedade. Na prática, Nordhaus demonstrou que os esforços de mitigação eram palatáveis diante dos impactos e das incertezas envolvidas, contribuindo decisivamente para romper a inércia que impedia o avanço da que hoje é uma das principais agendas do planeta.

O foco nas consequências para o todo de decisões tomadas pelas partes é um tema que une os trabalhos dos dois ganhadores do Nobel deste ano. Em 2004, Nordhaus formulou um modelo para estimar a fatia dos benefícios gerados à sociedade que é embolsada pelos acionistas de empresas inovadoras, ou seja, o lucro do empresário como proporção da renda que ele gera direta e indiretamente.

As contas sugeriram que a parcela é irrisória, um pouco maior do que 2%. Basta pensar, por exemplo, no valor da riqueza gerada no mundo por causa de invenções como o computador, o smartphone e as ferramentas de busca na internet e comparar com quanto os acionistas de empresas como Apple, Microsoft e Google lucraram com elas. Se for verdade, as fortunas amealhadas pelos que têm boas ideias, por mais absurdas que pareçam à primeira vista, representam um pequeno incentivo diante dos ganhos propiciados à sociedade. Um convite interessante a ver o empreendedor de forma mais construtiva feito por um dos mais importantes paladinos do ativismo verde do planeta.

A economia das inovações é o assunto que rendeu o prêmio a Paul Romer. Em 1990, ele escreveu um artigo clássico no prestigioso Journal of Political Economy para explicar como as economias “produzem” o progresso técnico. Até então compreendia-se que a mera acumulação de capital não era suficiente para explicar o crescimento econômico observado no longo prazo.

Robert Solow, também prêmio Nobel e orientador de Nordhaus, havia identificado os principais determinantes do crescimento e, ao fazer a dissecação, mostrou que a parte do Leão era devida ao progresso técnico. Romer sabia, portanto, que o verdadeiro motor da prosperidade era aprender a fazer mais com menos. Sua contribuição foi introduzir o processo criativo nas engrenagens dos modelos formais, determinando as condições de mercado propícias ao investimento em ideias, que não são bens ordinários, pois custam caro para surgir, mas pouco ou quase nada para ser imitadas. Durante os anos de doutorado, esse foi um dos poucos artigos que me estimularam a superar a tentação de passar batido nos detalhes matemáticos.

Para colocar o ovo em pé, Romer buscou inspiração na contribuição de outros dois orientandos de Robert Solow, Joseph Stiglitz, que também ganhou o Nobel, e Avinash Dixit, professor em Princeton e que, a meu ver, deveria ter compartilhado o prêmio com Paul Krugman. Na formulação de Romer, o progresso técnico deixou de cair espontaneamente do céu e passou a ser gerado internamente pela lógica interna do modelo. Assim surgiu o campo que ficou conhecido como Teoria do Crescimento Endógeno, que explica como as inovações com suas peculiaridades são concebidas dentro da dinâmica dos mercados. Além de custar muito para ser descobertas e bem menos depois, as boas ideias trazem benefícios enormes à sociedade como um todo — fato confirmado por um dos trabalhos posteriores de Nordhaus.

Ironicamente, a capacidade extraordinária exibida pela humanidade de utilizar o cérebro para descobrir formas mais eficientes de usar os recursos naturais, driblando assim as previsões de fim dos tempos, explica em parte por que os alertas mais pessimistas em relação à sustentabilidade do crescimento econômico tendem a ser minimizados até hoje, às vezes por líderes de nações que deveriam dar o exemplo.

Em um artigo de 1992, Nordhaus fez um paralelo entre os pessimistas pioneiros e o pastor que, de tanto gritar enganosamente “lobo!”, não foi levado a sério quando o perigo era real. A profusão de eventos climáticos extremos nos dias de hoje sugere que ele estava certo e, por isso, o foco de quem pensa contemporaneamente no meio ambiente é dirigido mais às “pegadas” e às mudanças do que à finitude dos recursos. De certa forma, o pessimismo de Nordhaus cumpre o papel do policial malvado; e o otimismo “não complacente” de Romer, o do bonzinho.

Poluição na China: o progresso a qualquer custo tem efeitos colaterais | Damir Sagolj/Reuters

Ao detalhar o mecanismo pelo qual a ampliação da fronteira tecnológica funciona como motor do crescimento econômico e as condições de mercado propícias ao investimento em conhecimento, a pesquisa de Romer advoga a promoção da ciência como indutora do progresso. Trata-se de receita confirmada pelas evidências, válida, porém, em países e regiões que produzem de acordo com as melhores práticas, usando tecnologias de ponta.

De fato, a ampliação da fronteira é uma restrição apenas para os poucos lugares desenvolvidos que operam perto dela. A vasta maioria das nações poderia crescer simplesmente copiando os líderes. O modelo de Romer não é suficiente para entender esses gargalos, que têm mais a ver com a intersecção entre a economia e a política e, por isso, quando se pensa em crescimento econômico em países emergentes, o foco é menos centrado em pesquisa e mais em barreiras à absorção do conhecimento.

O subdesenvolvimento brasileiro, por exemplo, que guarda íntima relação com nosso pouco caso com os recursos naturais e com o patrimônio cultural, tem mais a ver com o “custo Brasil”, que resume os obstáculos ao empreendedorismo, e com a existência de mecanismos de transferências de renda para grupos privilegiados em detrimento da produtividade. Nesse sentido, é bacana ver a Academia Sueca premiando trabalhos de gente que enxerga longe, mas, ao mesmo tempo, é inevitável a tristeza de ver o Brasil usar de forma leviana a oportunidade oferecida pelas eleições para debater com o mínimo de honestidade os desafios importantes que precisam ser superados para o país avançar.

Por isso somos, e parece que seremos ainda por bastante tempo, o país do futuro. 


Celso Toledo é doutor em economia pela Universidade de São Paulo e diretor da LCA Consultores

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