Pregão da Bovespa: incertezas com relação à economia e um dos piores desempenhos do mundo (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 22 de junho de 2011 às 06h00.
São Paulo - No fim de 2009, a imagem de um Cristo Redentor decolando como um foguete ilustrava uma elogiosa reportagem de capa da revista britânica The Economist sobre o Brasil. A economia brasileira havia sido relativamente pouco afetada pela crise mundial e a expectativa era de uma expansão vigorosa nos anos seguintes.
Expectativa, aliás, confirmada já em 2010, quando o PIB cresceu 7,5% e trouxe por instantes uma euforia que não se via havia décadas. A perspectiva otimista levou a bolsa a valorizar 83%, uma das maiores altas do mundo, e a sediar duas das maiores aberturas de capital da história, a do banco espanhol Santander e a da processadora de cartões Cielo — juntas, as companhias levantaram 22 bilhões de reais para investir aqui. E foi isso.
De lá para cá, a bolsa murchou. O Índice Bovespa, principal termômetro do mercado, tem oscilado em torno de 65 000 pontos desde outubro de 2009, no período mais longo de estagnação da década. Nesse intervalo, as bolsas da Rússia, da Turquia e da Alemanha, para ficar em alguns exemplos, subiram cerca de 30%.
Por aqui, algumas empresas têm encontrado dificuldades para fazer ofertas de ações, e há casos de companhias que desistiram de captar recursos no mercado. Os investidores estrangeiros sacaram quase 3 bilhões de reais da BM&F Bovespa entre o fim de 2010 e o início deste ano. A questão é: o que está ocorrendo com a bolsa?
É da natureza dos mercados de ações que eles oscilem e até que demonstrem certa irracionalidade. E, de fato, o momento presente — pelo menos no que diz respeito às empresas cotadas em bolsa — não combina com queda. No primeiro trimestre deste ano, Petrobras e Vale voltaram a bater recordes de lucro. Mas os números nunca foram — e não têm sido — suficientes para explicar o comportamento do investidor.
O desempenho frustrante da Bovespa é reflexo direto das incertezas que cercam a economia. Apesar de o futuro parecer brilhante — a exploração das enormes reservas do pré-sal, os investimentos previstos em infraestrutura e a formação de uma nova classe média devem transformar o país —, a percepção geral é que há riscos demais no curto prazo, e eles podem colocar em xeque parte dessa expansão.
“Sempre fui otimista com o Brasil, mas parei de comprar ações brasileiras porque estou assustado com a falta de clareza do cenário, especialmente com as medidas do governo”, diz Jim Rogers, dono da empresa de investimentos Rogers Holdings e ex-sócio do investidor George Soros.
Rogers não está sozinho em sua desconfiança. Boa parte dos investidores tem pelo menos três preocupações:
1 - A alta da inflação. Ainda que a disparada dos preços tenha se tornado um problema para muitos países emergentes, a questão é mais grave aqui em razão das dúvidas sobre a atuação do Banco Central. Os números mais recentes da inflação melhoraram, mas a maioria dos investidores e analistas ainda questiona o comprometimento do BC em atuar de forma independente para controlar os preços.
Não se sabe se a política pouco ortodoxa adotada — uma combinação de altas de juro com medidas de contenção de crédito — será suficiente, nem quanto tempo levará para dar resultado. “Não há como prever quais setores ou empresas serão afetados pelas próximas medidas, o que gera alguma incerteza”, diz Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco.
2 - A maior intervenção do governo em empresas abertas. O temor é que Vale e Petrobras, as principais companhias da bolsa, alterem parte de seus planos de investimento ou passem a desenvolver projetos pouco lucrativos para agradar ao Planalto.
O ministro Guido Mantega participou ativamente da troca de presidente da Vale, e outros integrantes do governo dão mostras sucessivas de ingerência na gestão da Petrobras, que não reajustou o preço dos combustíveis mesmo após a alta de 46% do barril de petróleo no mercado internacional nos últimos 12 meses.
Além disso, o ambicioso projeto de expansão da petroleira continua gerando questionamentos. Um exemplo de como os investidores andam desconfiados ocorreu em maio, quando Mantega disse que a empresa deveria crescer num ritmo mais lento. A maioria dos analistas é favorável a uma expansão mais controlada para que a estatal não tenha de comprometer seu caixa para investir.
Mas a declaração do ministro foi interpretada por alguns como uma tentativa do governo de usar a empresa para segurar o crescimento do PIB e controlar a inflação.
3 - As ameaças externas. A maior delas é a expectativa de desaceleração da China, principal parceira comercial do Brasil. “Não importa se o crescimento vai passar de 11% para 10% ou 9%. O fato é que será menor, e isso é um problema para as produtoras de commodities, que representam boa parte da Bovespa”, diz Marcelo Kayath, corresponsável pelo banco de investimento do Credit Suisse no Brasil. Além disso, uma piora da situação da Europa, com o calote da Grécia, poderia gerar um movimento global de aversão ao risco.
A bolsa funciona na base da expectativa e, hoje, o problema central é que falta clareza sobre os rumos do novo governo. O país seguiu uma trajetória transparente nos últimos 16 anos, quando o BC operou de forma independente, havia o compromisso de cumprir as metas de inflação e ocorreram reformas econômicas que favoreceram a atuação de empresas privadas — por exemplo, no setor imobiliário, que passou por uma profunda transformação desde 2004.
Ao menos por enquanto, a presidente Dilma Rousseff não conseguiu afastar o fantasma de que sua administração poderá trilhar um caminho diferente. O Estado tem se mostrado cada vez mais intervencionista, o que fica evidente no fortalecimento do BNDES, na influência do governo na condução da política monetária e na gestão de empresas privadas.
Curiosamente, é como se o medo de mudanças na política econômica que antecedeu a eleição de Lula em 2002 tivesse renascido agora, ainda que de forma mais branda. Embora a bolsa tenha uma dinâmica própria e dependa em parte do humor dos investidores estrangeiros, ela funciona como um termômetro da economia — e as dúvidas em relação ao novo governo estão por trás da apatia do mercado.
Desde 1994, a Bovespa foi impulsionada pelas transformações econômicas por que o país passou. Um ciclo de alta teve início com o Plano Real. A estabilização dos preços, as privatizações e a inserção de milhões de brasileiros de baixa renda no mercado de consumo levaram a bolsa a valorizar cerca de 200% nos oito anos seguintes — mesmo em meio a crises externas, como as de México, Ásia e Rússia.
Outro ciclo ocorreu a partir de 2003. Após uma sucessão presidencial mais tranquila do que se esperava, houve um conjunto de mudanças microeconômicas positivas, que destravaram o mercado de crédito e melhoraram as regras para o setor imobiliário. Fora isso, os juros foram reduzidos, o PIB passou a crescer mais, a renda da população aumentou e o país recebeu o selo “grau de investimento” das agências de classificação de risco.
Com a ajuda de um cenário externo favorável, o Ibovespa ganhou quase 400% até a crise de 2008 e mais de 100 empresas brasileiras abriram o capital. “Muitos investidores agiam como se a alta fosse durar para sempre, porque o futuro do Brasil seria excepcional”, diz André Jakurski, sócio da gestora JGP e um dos fundadores do banco Pactual.
O ímpeto reformista, porém, começou a minguar com a crise política do mensalão, ainda em 2005 — e desde então avançamos muito pouco. Reformas fundamentais discutidas há anos, como a tributária e a previdenciária, estão paradas.
Os investimentos em infraestrutura caminham lentamente. A educação continua em frangalhos e não se formam profissionais em quantidade, ou qualidade, suficiente para atender à crescente demanda das empresas.
“O governo aumentou seus gastos de forma significativa nos últimos anos, o que impulsionou a economia. Mas muito pouco foi aplicado em áreas que realmente fazem a diferença para o crescimento sustentável, como infraestrutura e educação, e isso afeta a percepção dos investidores”, diz Jim O’Neill, economista do banco Goldman Sachs e autor do termo Bric.
Hoje, há problemas localizados em seis dos principais setores da bolsa, que representam 64% do valor de mercado da Bovespa, de acordo com um levantamento feito pela consultoria Economática a pedido de EXAME. As ações de bancos, empresas de consumo e incorporadoras — que tiveram altas expressivas em 2010, em razão do aumento da renda e da expansão do crédito — estão em queda justamente porque há menos financiamento disponível, os juros estão em alta e a inflação aumentou.
As siderúrgicas sofrem com a superprodução mundial de aço, que está muito mais barato que o brasileiro devido à valorização do real. “Fazia tempo que não víamos tantas nuvens negras em tantos setores da bolsa”, diz Walter Maciel, sócio da gestora Quest.
As exceções são as ações de empresas de energia elétrica e telecomunicações, que costumam pagar dividendos elevados e conseguem proteger suas receitas da inflação. “Como o mercado não está nada óbvio, papéis defensivos são uma boa opção”, diz Lika Takahashi, estrategista-chefe da Fator Corretora.
Os estrangeiros vendem
Convencidos de que há mais chance de ganhar dinheiro fora do Brasil, os investidores estrangeiros têm saído da Bovespa — 2,6 bilhões de reais foram resgatados da bolsa entre o fim de 2010 e meados de maio deste ano. Parte desses recursos migrou para os mercados desenvolvidos, como o americano e o alemão, que haviam ficado baratos em razão da crise financeira mundial.
É um movimento que pode se intensificar muito se for confirmado um cenário de recuperação da economia dos Estados Unidos. Outra parcela do dinheiro foi para diferentes países emergentes.
Os investidores voltaram a aplicar em papéis de petroleiras russas, para ganhar com a alta do preço do petróleo, e em mercados menores, como África do Sul e Turquia, que são vistos como promessas de valorização em razão do crescimento econômico (e já ganharam em torno de 30% no último ano e meio).
“Os dólares voltaram a fluir para as bolsas de países emergentes nos últimos meses, mas o Brasil não se beneficiou, porque a percepção é que há mais riscos aqui”, diz Pedro Martins, estrategista da corretora do Bank of America Merrill Lynch. Neste ano, o Ibovespa caiu cerca de 10%, uma das maiores baixas entre os principais emergentes.
O marasmo da Bovespa não é ruim apenas para quem tem dinheiro aplicado em ações. É complicado também para as empresas que precisam de financiamento de longo prazo. (Lembre-se de que 2011 começou como um ano de promessas de recordes de IPOs no Brasil.)
É verdade que o mercado não está fechado para novos lançamentos de ações: desde o início de 2010, houve 18 aberturas de capital na bolsa. Mas os preços dos papéis de quase todas as empresas que estrearam nos pregões foram cotados no piso das expectativas.
Foi o caso da varejista Magazine Luiza, que fez seu IPO em maio — com medo da alta inflacionária, investidores estrangeiros teriam resolvido ficar de fora da operação, o que contribuiu para reduzir o valor dos papéis. “Hoje, o poder de decisão é de quem compra, não de quem vende”, diz Jean-Marc Etlin, vice-presidente do banco Itaú BBA, referindo-se ao fato de a demanda pelas ações ser menor hoje.
Vendo isso, algumas companhias desistiram de ir a mercado. A CAB Ambiental, empresa de saneamento do grupo Galvão, chegou a entrar com um pedido de IPO na CVM, mas cancelou o projeto há dois meses.
“Com o mercado desse jeito, não conseguiríamos captar o que precisamos para investir”, diz Yves Besse, presidente da CAB, que agora pretende levantar cerca de 200 milhões de reais com o BNDES e o IFC, braço financeiro do Banco Mundial, para comprar empresas e atuar em mais estados.
Trata-se de um cenário preocupante num momento em que o país precisa de um volume expressivo de investimentos para crescer. Um cálculo do economista Carlos Antonio Rocca, diretor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, indica que, para sustentar uma expansão anual de 5%, as empresas e o setor público precisarão investir, no mínimo, 700 bilhões de reais por ano em infraestrutura, construção de fábricas e compra de máquinas.
Segundo ele, 11% desse total, ou 78 bilhões de reais, deveria vir da bolsa — valor superior ao que foi captado pelas companhias que fizeram ofertas de ações na Bovespa em 2007, o melhor ano para esse tipo de operação no Brasil.
“É assim que funciona em países desenvolvidos”, diz Rocca. Lá fora, a procura por ações de empresas que abrem o capital tem sido grande.
Os papéis da rede social LinkedIn, que estreou na bolsa de Nova York em 19 de maio, subiram mais de 100% nos primeiros dias de negociação, mesmo depois de terem sido vendidas no topo das estimativas dos bancos que coordenaram o IPO — a discussão, agora, é se a valorização foi excessiva e se uma nova bolha estaria se formando nos setores de mídias sociais e de compras coletivas.
A maioria dos analistas e executivos ouvidos por EXAME acredita que os riscos atuais devem prejudicar a Bovespa por mais alguns meses. Mas já há investidores que voltaram a aplicar aqui gradualmente por achar que, em determinados casos, o pessimismo foi exagerado.
“É preciso ter cautela, porque, se o problema da inflação não for resolvido logo, a bolsa continuará parada por algum tempo. Mas essa situação deixou alguns papéis baratos, que passaram a valer o risco”, diz Jose Costa Buck, gestor da empresa americana de investimentos T. Rowe Price, que tem 2 bilhões de dólares na Bovespa e comprou papéis de bancos e empresas de consumo nos últimos dois meses.
Gestoras brasileiras com estratégias de longo prazo, como Fama, Geração Futuro, Rio Bravo e Tarpon, também estão aplicando. “Temos 1 bilhão de reais em caixa para investir”, diz Eduardo Mufarej, sócio-diretor da Tarpon. As apostas dessas casas variam.
A Tarpon vê potencial nos setores de construção civil e siderurgia. Para a Fama, há boas opções em varejo e companhias de alimentos. Na Geração Futuro, os fundos têm grandes investimentos na Petrobras e em bancos. Mário Fleck, presidente da Rio Bravo, diz que as ações de bancos, seguradoras e incorporadoras estão baratas.
De forma geral, o que chama a atenção desses investidores são os lucros das empresas brasileiras, que subiram 41% no primeiro trimestre. “Quando esses impasses de curto prazo forem resolvidos, as companhias devem dar um salto tão surpreendente que a The Economist terá de fazer uma nova capa com o prédio da BM&F Bovespa decolando”, diz Alexandre Póvoa, sócio da gestora Modal Asset.
Por enquanto, as incertezas do ambiente político estão se sobrepondo aos bons resultados das empresas. No fundo, a questão-chave é saber o que vai prevalecer. O vigor empresarial está por trás de todo o otimismo em relação à economia brasileira no médio e no longo prazo.
A incerteza política é o que está conturbando o curto prazo. Ou bem o governo encontra um caminho que devolva a confiança aos investidores, ou boa parte do futuro imaginado para o país ficará pelo caminho.