Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas: a pesquisa brasileira precisa ser disseminada (Germano Lüders/Exame)
Lucas Agrela
Publicado em 23 de maio de 2019 às 05h46.
Última atualização em 27 de junho de 2019 às 15h52.
"Qualquer atividade econômica é de alto risco e defender o passado — isto é, não inovar — é muito mais arriscado do que construir o futuro.” A frase de Peter Drucker, guru da administração de empresas, destaca a importância da inovação para a sobrevivência das companhias num mundo que está sempre em transformação. A lição, no entanto, não vale apenas para os negócios. Vale também para a economia de países inteiros. As nações que investem em pesquisa e desenvolvimento tendem a colher os frutos durante décadas e a enriquecer. O Brasil ainda engatinha no campo da inovação. Os investimentos existem e até aumentaram. O governo e as empresas têm alocado mais recursos para a pesquisa desde o início dos anos 2000, mas os investimentos tiveram pouco ou nenhum impacto na produtividade do país como um todo, que está estagnada há décadas.
É uma situação que contrasta com a realidade dos países líderes em inovação. Os Estados Unidos são um exemplo. Nos anos 90, o governo americano destinou 3 bilhões de dólares para financiar o Projeto Genoma, um esforço científico global para sequenciar o código genético do ser humano. Hoje, a indústria genômica emprega 230.000 pessoas no país e paga, todo ano, 6 bilhões de dólares em impostos, além de ter contribuído com 1 trilhão de dólares para o produto interno bruto desde 2003. Para os economistas do Massachusetts Institute of Technology Jonathan Gruber e Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, projetos assim podem fazer a economia americana manter a liderança nas próximas décadas. No livro Jump-starting America (“Reativando a América”, numa tradução livre), eles defendem os investimentos em ciência e tecnologia como forma de manter o dinamismo da economia americana, mas o exemplo serve para o Brasil e outros países.
Na Alemanha, 92 bilhões de euros são investidos ao ano em pesquisa, com participação do setor público e das empresas. O valor representa quase 3% do PIB alemão — nível acima da média da União Europeia, de 2%. O retorno é visível. No Instituto Fraunhofer, principal agência de pesquisa do país, cada euro gasto nos projetos gera 18 euros de crescimento do PIB da Alemanha. Para Holger Kohl, diretor de gestão corporativa do Fraunhofer, além de produzir conhecimento em áreas relevantes, o objetivo é levar o resultado das pesquisas o mais rapidamente para o mercado. “Usamos o financiamento do governo para ajudar nossos institutos a aprimorar as tecnologias que serão usadas na indústria em cinco ou dez anos”, diz Kohl, que foi um dos participantes do Fórum A Importância da Inovação na Economia Digital, realizado por EXAME e VEJA no dia 16 de maio, em São Paulo. “A capacidade de competirmos internacionalmente dependerá da habilidade de promover e adotar a inovação como parte das políticas públicas e também do DNA das empresas”, disse Paulo Afonso Ferreira, então presidente em exercício da Confederação Nacional da Indústria, apoiadora do evento.
Quarto país mais inovador do mundo, o Reino Unido estimula a inovação investindo em institutos privados da rede Catapult, que promove a colaboração entre a academia e a indústria e apoia 6 000 pequenas e médias empresas. A rede oferece acesso a equipamentos de pesquisa avançados, que muitas vezes são inacessíveis em razão do alto custo. Para Heidi Bridger, diretora da Catapult na Innovate UK, uma agência ligada ao governo britânico, ter uma visão de longo prazo para promover a inovação é essencial. “A Catapult oferece os recursos e os materiais, mas não dá dinheiro”, diz Heidi, que também esteve no Fórum. Ela ressalta a importância de oferecer apoio a empresas para viabilizar a inovação. “Parte dos projetos vai falhar no início, mas o resultado tem de ser visto em dez, 20 anos, independentemente da mudança de governo.”
O Brasil tem feito avanços. O gasto com pesquisa e desenvolvimento aqui cresceu à taxa anual de 6% de 2000 a 2015. Em relação ao PIB, os investimentos passaram de 1% para 1,3% no período. É o dobro da média da América Latina e um nível mais alto que o de outros países emergentes, como Rússia, Índia, México, Turquia e África do Sul. O governo é responsável por pouco mais da metade dos recursos, enquanto o setor privado contribui com o restante. Mas o que se vê é que os investimentos, muitas vezes, são pouco eficazes. O número de patentes obtidas pelo Brasil a cada 100 milhões de dólares destinados à pesquisa é de apenas 1,1 e está praticamente estagnado desde 2000. Entre os 25 países que mais produzem artigos científicos, a média é de 19 patentes a cada 100 milhões de dólares e, nos países avançados, alcança 103. Além disso, o Brasil tem um sem-número de órgãos que investem em inovação — entre eles Finep, BNDES, Fapesp e Embrapii —, mas nem sempre trabalham em coordenação. Para Elisabeth Reynolds, diretora executiva do Centro de Performance Industrial do Massachusetts Institute of Technology, o Brasil precisa encontrar uma forma melhor de lidar com essa fragmentação. “É preciso haver uma visão comum. Uma missão de longo prazo que una todos em torno de um objetivo claro em um mercado em que o Brasil seja competitivo”, diz (leia entrevista abaixo).
A pesquisadora é coordenadora de um extenso estudo que avaliou as políticas de inovação do Brasil nos últimos anos. Os dados da pesquisa foram reunidos no livro Innovation in Brazil: Advancing Development in the 21th Century (“A inovação no Brasil: promovendo o desenvolvimento no século 21”, numa tradução livre), encomendado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem. O livro, resultado de cinco anos de colaboração entre o MIT e o Senai, mostra que aqui há exemplos de empresas que inovam. É o caso da Embraer. Ela trabalha em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, de Campinas, assim como fazem Petrobras, Natura, WEG e Aché. Por ano, a Embraer investe 10% da receita em pesquisa e desenvolvimento e na melhoria de instalações industriais. Quase metade do faturamento atual vem de melhorias adotadas nos últimos cinco anos.
O desafio do Brasil é replicar os exemplos de sucesso em mais setores e regiões. Ben Ross Schneider, cientista político e um dos autores do estudo do MIT, sugere uma estratégia baseada em seis pilares. O primeiro é reduzir a fragmentação de políticas e agências de inovação, mantendo uma avaliação independente e constante dos programas de investimento. O país precisa participar mais do comércio global, para estimular a competitividade das empresas, e facilitar as importações de instrumentos para a pesquisa. O apoio a instituições fortes, como a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (a Embrapii), é crucial, mas deve ser feita a extinção de agências que não funcionam mais. O país precisa ainda de políticas de estímulo ao empreendedorismo e foco em áreas estratégicas, como agricultura, indústria aeroespacial e óleo e gás. E, para o plano funcionar, é necessário haver um alinhamento entre as universidades, o governo e as empresas.
Para Schneider, é importante rever algumas políticas que não tiveram os resultados desejados. Uma delas é o programa Ciência Sem Fronteiras, que oferecia bolsas de pós-graduação em universidades no exterior. “Mandar pessoas para fora por menos de um ano não tem grande impacto. Seria melhor escolher menos estudantes para passar mais tempo fazendo mestrado ou doutorado. O exemplo mais bem sucedido é a Embrapa, que mandou muita gente para fora. Eles, depois, trouxeram muito conhecimento tecnológico”, disse Schneider no Fórum.
Outra parte da solução para o Brasil se tornar mais inovador pode vir do Senai, que realiza mais de 1 500 projetos de pesquisa por ano em seu instituto, em colaboração com o setor privado. “Buscamos formas de criar um ecossistema de inovação apoiado pelas empresas. Isso gera um efeito positivo em todo o mercado”, afirma Rafael Lucchesi, diretorgeral do Senai. Seja por meio das iniciativas das empresas, seja por meio dos investimentos do governo, o importante é — como diz a frase de Peter Drucker — não deixar de inovar.
No Fórum A Importância da Inovação na Economia Digital, realizado por EXAME e VEJA, especialistas debateram o valor da inovação e seu impacto na economia | Fotos: Germano Lüders
Para a pesquisadora do MIT Elisabeth Reynolds, o Brasil tem o que é preciso para inovar e ser mais produtivo, mas falta alinhar objetivos
Mais integração à economia global e mais acesso a insumos tecnológicos de ponta são recomendações da economista Elisabeth Reynolds, diretora executiva do Centro de Performance Industrial do Massachusetts Institute of Technology, dos Estados Unidos. Ela é um dos autores do livro Innovation in Brazil, lançado neste mês. “O Brasil tem a ciência e a cultura da inovação, mas ainda precisa ajustar seu foco”, diz Elisabeth.
O que falta para o Brasil melhorar sua capacidade de inovar?
Em primeiro lugar, o Brasil precisa estar mais integrado à economia global e ser mais aberto ao fluxo internacional de bens, serviços, ideias ou mesmo de pessoas. A imigração de profissionais capacitados precisa ser facilitada. Portanto, a abertura internacional é algo que o Brasil deve incorporar à sua agenda. Além disso, é fundamental que as pessoas tenham acesso a insumos tecnológicos, isto é, equipamentos e materiais necessários para realizar pesquisas. Por fim, falta especialização para pessoas em áreas estratégicas para o país. Os recursos são dispersos em diversas áreas e instituições. O Brasil tem a ciência e a cultura de inovação, mas ainda precisa ajustar seu foco.
Em quais áreas o Brasil tem maior potencial?
A história do Brasil está cheia de exemplos de sucesso em setores como agricultura, óleo e gás e aeroespacial. No futuro, biofarma e energia limpa serão áreas importantes. Hoje, entre as startups, destacam-se as voltadas para a agricultura.
Como o cenário de inovação do Brasil mudou desde os anos 2000?
Até houve iniciativas voltadas para a inovação no período dos governos do PT, como medidas para desenvolver as universidades e promover o empreendedorismo. Mas o esforço foi menor em integrar o Brasil à economia global. O país ainda precisa melhorar nisso.
Como lidar com a fragmentação dos órgãos de inovação?
É necessário haver um alinhamento e uma visão comum. Uma missão de longo prazo que una todos em torno de um objetivo claro num mercado em que o Brasil seja competitivo. O governo não precisa liderar essa iniciativa. Ele pode ser um apoiador. Isso ajuda a lidar com a fragmentação.
Como o governo pode ajudar na inovação?
Um dos caminhos é oferecer acesso a recursos para a pesquisa ou barateá-los. É necessário, também, ter políticas que permitam adaptações rápidas nos negócios. Os setores público e privado precisam estar alinhados e a agenda de inovação deve ser estável. Há muitas mudanças nos ministérios no Brasil. Uma liderança estável seria excelente para avançar.
Como aumentar o nível de produtividade em uma economia como a nossa?
Investindo em inovação e melhorando a produtividade, o país pode melhorar a qualidade de vida da população. Um caminho é ajudar as empresas a ser mais adeptas de novas tecnologias e a adotar práticas de gestão mais sólidas para que sejam mais competitivas. O programa do governo federal Brasil Mais Produtivo, que auxilia as empresas a melhorar suas práticas de gestão, é um exemplo disso.
Como a senhora avalia a gestão da inovação neste início de governo de Jair Bolsonaro?
É muito cedo para dizer. Esperamos que a agenda de inovação seja uma prioridade, e de longo prazo. É preciso que o país tenha liderança e previsibilidade para que a agenda de inovação seja aplicada na próxima década.