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J.R. Guzzo: O que o futuro presidente nos reserva

Quais as chances, caso Bolsonaro seja eleito, de abrir-se um governo comprometido em derrotar o Brasil colonial?

Bolsonaro, o favorito nas pesquisas: se ele ganhar a eleição mas ficar só na conversa e não entregar nada, é difícil saber o que será do país (Helvio Romero/Estadão Conteúdo)

Bolsonaro, o favorito nas pesquisas: se ele ganhar a eleição mas ficar só na conversa e não entregar nada, é difícil saber o que será do país (Helvio Romero/Estadão Conteúdo)

JG

J.R. Guzzo

Publicado em 25 de outubro de 2018 às 05h18.

Última atualização em 25 de outubro de 2018 às 05h18.

Se o novo presidente do Brasil, eleito neste domingo, for Fernando Haddad, esqueça tudo o que está escrito neste artigo; aliás, aproveite a oportunidade e esqueça logo uma porção de coisas. A cabeça do país, porém, está centrada no que nos reserva um futuro governo de Jair Bolsonaro — possivelmente a figura mais complicada que surgiu na vida pública brasileira sabe-se lá há quanto tempo. Bolsonaro, um político quase desconhecido até outro dia, já foi discutido de todas as maneiras possíveis; é bem provável, na verdade, que ninguém tenha sido tão dissecado quanto ele por analistas políticos, cientistas sociais, comunicadores em geral e o brasileiro de carne e osso.

Não há positivamente mais o que falar sobre a tentativa de assassinato a que sobreviveu. Também se esgotou o espaço mental disponível para receber mais material, bruto ou processado, sobre homofobia, racismo, machismo, elogios à tortura, elogios à ditadura, elogios à tolerância zero no combate ao crime e à corrupção, ameaças à democracia, riscos de violência e tudo o mais que se ouve desde o começo da campanha eleitoral.

Não há mais o que se possa dizer, é claro, sobre a alucinante discussão sobre a utilização de notícias falsas durante a disputa — não quando se leva em conta que o problema, aí, são as notícias verdadeiras, não as outras. Parece inútil, enfim, participar de qualquer das dezenas de bate-bocas que se multiplicam através da mídia, das redes sociais e das relações particulares entre os cidadãos — sobre os temores de mães da classe média alta a respeito do futuro de filhos gays, o fechamento do Supremo por um cabo do Exército ou a possibilidade de fraude maciça no coração eletrônico das urnas eleitorais.

A discussão mais proveitosa, possivelmente, seria sobre a seguinte incerteza: até onde Jair Bolsonaro e as forças ao seu redor estão realmente dispostos e capacitados para combater os inimigos — inimigos de verdade, não os imaginários — que o Brasil e os brasileiros têm hoje. Pouco se sabe a respeito disso. É natural que vá se saber progressivamente mais à medida que o tempo for passando — mas, neste preciso momento, de extremo calor e muito pouca luz, estamos em pleno nevoeiro, com visibilidade mínima e sem previsão de mudança.

A hipótese mais provável, como em geral acontece em situações assim, é que as pessoas recebam muito mais informações inúteis do que explicações baseadas em fatos, na lógica e na relevância. Fazer o quê? A saída mais prática, possivelmente, é ignorar tudo o que não ajude a entender a questão que de fato interessa — quais as chances efetivas de abrir-se a partir de agora um governo estrategicamente comprometido em derrotar o Brasil colonial que está aí.

Você sabe que Brasil é esse. É o país em que triunfam as corporações, as empreiteiras de obras e os funcionários públicos, sobretudo os da elite mais cara, mais poderosa e mais influente. É o Brasil submetido à ditadura de uma burocracia estúpida e voraz, dos 10 milhões de leis e da hostilidade permanente a quem produz. É o Brasil dos Incras, dos Ibamas, das Anvisas, das agências reguladoras de tudo, dos alvarás e licenças, das permissões e atestados, das certidões negativas e positivas. É o Brasil dividido em duas classes — a classe que trabalha e a classe dos beneficiários do “Estado”. A função da primeira é sustentar a segunda. A função da segunda é explorar a primeira.

É isso o que de fato interessa: se o futuro governo vai enfrentar, para valer, o Brasil anticapitalista, esquerdizado e ladrão que acredita unicamente na privatização absoluta do Estado em favor das camadas mais altas do funcionalismo, dos grupos organizados e dos “amigos do governo”. Se Bolsonaro, eventualmente, for para cima, o Brasil velho vai entregar uma boa parte dos pontos — se entregar metade do que tem hoje, já estará muito bom. Força para isso haverá. Se, ao contrário, ficar na conversa, dirijam-se a Deus para saber o que será de todos nós.

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