Revista Exame

O que aprender com a experiência de Itu com o lixo urbano

Como a prefeitura de Itu, no interior paulista, se aliou à iniciativa privada para lidar com uma questão que hoje é problema para a maioria dos municípios brasileiros: o lixo


	Praça de Itu: a cidade paulista tem aterro sanitário, coleta seletiva e até caminhões especiais
 (Wikimedia Commons)

Praça de Itu: a cidade paulista tem aterro sanitário, coleta seletiva e até caminhões especiais (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 29 de abril de 2014 às 11h51.

São Paulo - A realidade do município paulista de Itu poderia ser muito bem a de uma cidade turística de um país rico — ao menos no quesito gestão do lixo. No seu centro histórico, a limpeza das ruas estreitas e a coleta de lixo das moradias e do comércio são feitas por caminhões especiais, de tamanho reduzido.

O cuidado com os resíduos, porém, não se resume a ações para turista ver e ultrapassa os limites dessa área que deu origem à cidade, hoje com 403 anos. Em Itu, os 170 000 habitantes estão acostumados a separar religiosamente o lixo. A parte orgânica é depositada pela população em contêineres que estão espalhados por quase todos os bairros, e coletada de forma mecanizada por caminhões.

O material reciclável é recolhido uma vez por semana, faça sol, faça chuva, por caminhões da cooperativa de catadores locais, que circulam pelas ruas alertando a população sobre sua presença com a ajuda de alto-falantes. Feito isso, o lixo orgânico — e o seco que não é vendido pela cooperativa — é disposto de maneira adequada num aterro sanitário.

Itu não é um retrato do Brasil. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o país produziu 62 milhões de toneladas de lixo em 2011 — 89% foram coletados.

Do volume gerado, 37% acabaram em lixões e nos chamados aterros controlados, ambos nocivos ao meio ambiente e à saúde pública. No México, país de perfil socioeconômico semelhante ao do Brasil, apenas 3% do lixo é disposto de forma inadequada.

Para completar, dados de 2011 do IBGE revelaram que apenas 32% das cidades brasileiras possuem alguma iniciativa de coleta seletiva. A prova mais recente de quanto o cenário do lixo no país é desolador foi dada em agosto. Nessa data, as 5 565 prefeituras do Brasil deveriam ter apresentado planos de gestão de resíduos. A tarefa foi uma das etapas estabelecidas pela Lei Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada em 2010.

Estima-se, porém, que menos de 10% dos municípios tenham feito o dever de casa. É um indicador claro de que eles terão muita dificuldade para cumprir outra meta, essa sim a mais importante definida pela lei: ter aterros sanitários, em vez de lixões, e programas de coleta seletiva e reciclagem em operação até meados de 2014. Os prefeitos reclamam da falta de recursos e do prazo para a elaboração dos projetos e do cumprimento da exigência.

Especialistas lembram que a prática de dispor o lixo a céu aberto foi criminalizada em 1995, com a aprovação da Lei de Crimes Ambientais. Quase 20 anos depois, fica difícil dizer que faltou tempo. “O que existe no país­ é leniência e falta de planejamento e gestão”, afirma Carlos Silva Filho, diretor da Abrelpe. Em Sairé, município de 15 000 habitantes, em Pernambuco, esses desafios foram superados com um empurrão do Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação.

A ONG, comandada por Marcos Magalhães, ex-presidente da Philips na América Latina, bancou a construção do aterro e da usina de compostagem do lixo orgânico em Sairé, e ajudou na criação de uma cooperativa de catadores.

Com isso, o município saiu da mira dos órgãos ambientais, mas a direção do instituto reclama que o envolvimento da prefeitura com o programa se resume a repassar 16 000 reais por mês, valor que não cobre os custos. 


A discussão do lixo promete esquentar no futuro próximo, mas Itu poderá passar ao largo dela. Em 2010, ciente de que a prefeitura não possuía recursos para investir na desativação de um aterro e na construção de um novo, ou nas tecnologias necessárias para reaproveitamento dos resíduos, o então secretário municipal de Administração Antonio Tuíze, hoje o prefeito, tomou a iniciativa de celebrar uma parceria público-privada.

A lógica financeira do acordo foi arquitetada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universi­dade de São Paulo. Quem levou o contrato de 30 anos, no valor de 1,5 bilhão de reais, foi a Eppo, empresa de gestão de resíduos com sede em São Paulo. Mensalmente, a prefeitura paga à Eppo cerca de 2,5 milhões de reais. Ganha em troca uma gestão de resíduos exemplar, que deve ainda melhorar nos próximos anos.

Hoje, cerca de 85% do lixo de Itu é destinado ao aterro. Em 2018, a Eppo tem a meta de fazer com que Itu mande para o aterro apenas 14% dos resíduos — todo o resto será, de alguma maneira, reaproveitado.

Para isso, a empresa tem o compromisso de investir numa central de tratamento. A unidade contará com tecnologia para transformar o lixo orgânico em energia e os resíduos de construção civil em produtos que serão utilizados pela própria prefeitura em suas obras.

Enquanto a cidade exibe um indicador ambiental invejável, a Eppo lucra com a venda dos produtos oriundos do lixo. “Não tenho dúvida de que estamos num mercado muito promissor”, diz José Carlos Ventri, presidente da empresa. 

Ventri não está sozinho no seu otimismo. A Estre Ambiental, com 123 aterros sanitários em operação no país,­ deve faturar neste ano 2,4 bilhões de reais — 20% mais em relação a 2012. Uma taxa que a direção da empresa planeja manter ao longo dos próximos anos com a ajuda, sobretudo, da pressão do governo federal para que a lei de resíduos sólidos saia mesmo do papel e vire realidade.

“A exigência de que o lixo seja disposto de maneira adequada e se transforme em riqueza cria uma oportunidade de negócio única para o setor”, afirma Alexandre Alvim, diretor de desenvolvimento da Estre. Resta torcer para que outros municípios brasileiros, a exemplo de Itu, resolvam dar ao problema do lixo o tratamento que ele merece.

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