Escovas Reach Eco: 40% do material vem de sacolas de plástico (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.
O complexo industrial da subsidiária brasileira da americana Johnson&Johnson em São José dos Campos, interior de São Paulo, faz jus ao título. Ocupa uma área de 910 000 metros quadrados, algo como 91 campos de futebol. Tudo ali é grandioso. São 11 fábricas, que atendem a três divisões de negócios — produtos de consumo, médica e farmacêutica. Juntas, elas se encarregam da fabricação de cerca de 1 700 produtos de 32 marcas, que abastecem o Brasil e outros países da América Latina, além de Estados Unidos e Canadá.
É um lugar onde trabalham 3 700 profissionais e, surpreendentemente, é agradável de estar, porque abriga uma área verde gigantesca — na prática, 70 dos 91 campos de futebol. Mas se os funcionários gostam de dizer para os visitantes, de um jeito um tanto quanto envaidecido, que esse é o maior complexo industrial da empresa no mundo, também têm de lidar com um número menos charmoso: mensalmente, as fábricas brasileiras da J&J produzem 1 000 toneladas de lixo.
Hoje, é ainda um tanto utópico imaginar que uma indústria possa produzir zero de resíduo. Portanto, o problema mais prático enfrentado pelas empresas sempre foi o seguinte: uma vez gerado, o que diabos fazer com ele? Durante muito tempo, coube às companhias que seguem a cartilha das boas práticas mandar o lixo produzido para os aterros sanitários. Era o que, no jargão do mundo corporativo, se convencionou chamar de “dar um destino adequado”. Atualmente, só fazer isso pega mal. E não porque essa prática seja muito onerosa. No Brasil, enviar 1 tonelada de resíduos considerados não perigosos custa, no máximo, 70 reais.
Na Europa esse valor pode chegar a 340 reais. As razões são outras. Destinar lixo para aterros virou sinônimo de descaso com o meio ambiente e de uma certa miopia, uma vez que o discurso em voga é de que resíduos, em vez de despesa, podem se transformar em fontes de receita. A questão é que, para muitas empresas, transformar essa teoria em prática não é algo trivial.
Uma montadora de veículos consegue evitar que 99% de seu lixo termine em um aterro porque gera, basicamente, quatro tipos de resíduo: papelão, sucata metálica, vidro e plástico. A produção de bebidas da AmBev gera 32 resíduos, que vão de cacos de vidro a rótulos de garrafas, passando por bagaço de malte e fermento. Ainda assim, o seu índice de reaproveitamento é de 98,2%. A Johnson reaproveita 84% das 1 000 toneladas de lixo que gera por mês, mas esse percentual não deve ser subestimado.
“Ela gera mais de 1 000 tipos diferentes de resíduo, e isso aumenta, e muito, o desafio”, afirma Renata Gregolini, diretora da Ambitec, empresa de gestão ambiental. É por causa dessa complexidade que o início da operação de uma linha de máquinas para reciclagem de plástico, em janeiro, terá um sentido especial para os funcionários da J&J — sobretudo para os que trabalham na Central de Reciclagem de Resíduos (CRR). “Hoje, ela tem um status igual ao de qualquer outra unidade de negócio da empresa”, afirma Alex Francisco Gomes, executivo responsável pela manutenção do complexo industrial.
As máquinas exigiram um investimento de 1,5 milhão de reais e permitirão que a própria Johnson recicle, por mês, 150 toneladas de aparas de plástico descartadas nas linhas de produção de fraldas e absorventes femininos da marca. Há mais de dez anos esse plástico é vendido para outras indústrias, que o transformam em calotas de carro, baldes e brinquedos. Em 2007, os executivos da J&J decidiram levar à frente um plano mais ousado: o de usá-lo na fabricação de uma escova de dentes da própria marca.
Reciclagem
A ideia já tinha vindo à tona uma década atrás, mas não vingou. “Naquela época não tínhamos os equipamentos ou o conhecimento necessários”, afirma Amarildo J. Pereira, gerente de engenharia da Johnson. A segunda tentativa foi apoiada numa contingência de mercado. Terceira colocada no mercado brasileiro de escovas de dentes, atrás da Colgate e da Procter&Gamble, a J&J precisava lançar um produto mais barato para tentar recuperar participação. O segmento de escovas com preço de até 2 reais representa 18% do mercado total de escovas e cresce a uma taxa anual de 6,6%, ante 4,7% do mercado total.
O desafio da J&J era desenvolver uma escova de dentes barata, com boa qualidade e visual atraente. “As escovas baratas têm cabo fininho, chato e reto, e apenas um nível de cerdas”, diz Pereira. “Nós queríamos fugir disso e ainda incorporar ao produto um componente de sustentabilidade.” E foi aí que o plástico reciclado entrou. Batizado de Reach Eco, o novo produto exigiu quase dois anos de pesquisas e foi lançado em meados do ano passado, com um preço sugerido de 1,49 real. No sonho dos engenheiros da Johnson, todo o seu cabo seria feito a partir de resíduos. No mundo real, porém, sua participação teve de ser limitada a 40% para não comprometer as propriedades da escova.
O produto mais ecológico, segundo varejistas, é um sucesso de vendas, e nos últimos 12 meses ajudou a Johnson a estancar uma trajetória de queda de participação no mercado brasileiro de escovas. Segundo dados da Nielsen fornecidos pela empresa, a fatia da Johnson nas vendas das escovas mais baratas cresceu 4 pontos percentuais em 2010, em relação a 2009. O desempenho da Reach Eco minou as resistências que existiam dentro da empresa em relação ao uso do plástico reciclado nos produtos da marca — o que motivou a decisão de investir na unidade de reciclagem.
“Já estamos testando o uso do resíduo nas caixinhas e nos carretéis do fio dental e nas embalagens individuais dos absorventes”, diz o engenheiro Jeferson Castilho, supervisor da CRR. Sob a lógica ambiental e financeira, quanto mais produtos e embalagens a Johnson conseguir desenvolver internamente com o uso do material reciclado, melhor. Isso porque o complexo industrial gera mensalmente 150 toneladas de aparas de plástico — e a produção da Reach Eco demanda hoje menos de 4% desse volume. Além disso, o uso mais intensivo desse tipo de material permitirá à J&J reduzir a compra de plástico virgem. No caso da escova, o uso do material reciclado, que tem custo zero, ajudou a reduzir em 1,5% o preço total do produto.
Difundir o uso interno do plástico não é o único desafio dos engenheiros e técnicos da CRR. Para aumentar a taxa de 84% de reaproveitamento de resíduos, eles têm ainda um longo caminho pela frente. “Os inimigos mais fáceis já foram derrotados, sobraram mesmo os grandes vilões”, afirma Castilho. Um deles é a apara do curativo Band-Aid. A empresa descarta cerca de 30 toneladas do adesivo por mês e ainda não encontrou para elas um fim mais nobre que o aterro. “Estamos pesquisando uma maneira de usá-las como fonte de energia térmica”, afirma Castilho. É um desafio novo — algo com que empresas como a J&J terão lidar cada vez mais daqui para a frente.