Revista Exame

O problema não está no câmbio

O Brasil não pode ser considerado mera vítima na guerra das moedas. O país sofre com suas próprias deficiências. Corrigi-las é o desafio do próximo presidente

Porto de Santos: a competitividade da indústria instalada no país depende só do valor do real? (Germano Lüders/EXAME.com)

Porto de Santos: a competitividade da indústria instalada no país depende só do valor do real? (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 14h41.

Qualquer que venha a ser o próximo presidente da República, a petista Dilma Rousseff ou o tucano José Serra, uma questão que certamente terá de ser enfrentada é a do câmbio. Trata-se de um dos nós mais complicados da economia e que dá margem a discussões nem sempre razoáveis. Para começar, há vantagens e desvantagens em contar com uma moeda forte.

Do lado positivo, é notável que o real valorizado elevou o poder de compra do brasileiro, possibilitando o consumo farto de mercadorias importadas e ajudando a controlar a infl ação. Do lado negativo, a capacidade de competição no exterior dos produtos fabricados no país, em especial dos industrializados, é corroída.

O superávit da balança comercial neste ano deve ser o menor desde 2002. Isso colabora para que o déficit em transações correntes caminhe para 47 bilhões de dólares, o dobro do ano passado. As decisões mais recentes do governo para conter a valorização excessiva do real, como duplicar para 4% o imposto sobre operações financeiras feitas por estrangeiros, têm se mostrado tão efetivas quanto a tentativa de enxugar uma barra de gelo.

Com a entrada de dólares para a capitalização da Petrobras, a cotação já caiu para abaixo de 1,70 real. Haveria algo a ser feito para deter a queda da moeda americana além das compras de dólares feitas pelo Banco Central e do aumento de imposto?

No curto prazo, não existe magia capaz de conter a depreciação do dólar. O Brasil não dispõe de uma montanha doméstica de poupança, como tem a China, para bancar uma desvalorização do real. É obrigado a conviver com a onda global, iniciada com o retorno do fluxo de capital dos países ricos para os emergentes, após a secura do crédito na crise financeira.

Os investidores buscam, em países como o Brasil, lucros mais altos que os oferecidos nos países centrais, onde os governos não param de derrubar os juros para estimular suas economias combalidas. Nos emergentes, ao contrário, os juros têm permanecido em patamar alto para controlar a inflação.

De acordo com o banco Goldman Sachs, 575 bilhões de dólares migraram para os 20 maiores países emergentes em pouco mais de um ano. A principal fonte de saída de dólares é a economia americana. O banco central dos Estados Unidos, além de reduzir o juro, vem ampliando a emissão de moeda.


Com isso, o dólar perde valor ante as demais moedas — exceto a chinesa, cujo governo sustenta o iuane desvalorizado para manter seus produtos competitivos. Os demais países fazem o que podem para se proteger, deflagrando o que vem sendo chamado de guerra cambial. Na Ásia, os governos de Coreia, Singapura e Japão passaram a intervir no mercado.

A medida mais surpreendente foi a compra de dólares pelo Banco Central japonês na tentativa de deter a valorização do iene, algo que não ocorria há 30 anos. Esse quadro fez com que a reunião de outono do Fundo Monetário Internacional tentasse propor uma ação coordenada entre os governos. O diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, defendeu o caminho do acordo global. Mas nenhuma proposta concreta havia saído até o dia 11 de outubro, quando foi fechada esta edição.

O Brasil é duplamente afetado por essa realidade. No curto prazo, é um dos principais ímãs na atração de investimentos. Há, porém, outro fator, de longo prazo, por trás do fortalecimento do real. Neste ano, 28 moedas se valorizaram ante o dólar. O real ocupa a décima posição no ranking. No entanto, quando se observa a série desde 2005, é a moeda mais fortalecida.

A apreciação não foi impulsionada por mero movimento especulativo, mas por mudanças na estrutura do país, que tem agora um mercado interno crescente e, externamente, é grande fornecedor de minérios e alimentos. O fortalecimento da economia levou ao vigor da moeda, e a taxa de câmbio mudou de patamar.

“O que comanda o câmbio é a expectativa de crescimento dos países. Há sete anos o real se valoriza ante o dólar”, diz Roberto Padovani, estrategista de investimento do banco alemão WestLB no Brasil. “Isso ocorre porque os investidores reconheceram que o Brasil oferece oportunidades em vários setores.”

Olhando à frente, não só essas condições tendem a persistir como despontam outros fatores que tornarão a economia brasileira ainda mais atraente. Nos próximos anos, a realização da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, a exploração de petróleo no pré-sal e a necessidade de melhorar a logística para acompanhar o crescimento vão requisitar muito dinheiro.

“Virá dinheiro de tudo quanto é país nos próximos anos”, diz André Loes, economista-chefe do banco HSBC no Brasil. Já há quem preveja que a cotação pode entrar na faixa de 1,50 real em 2011. No tocante às dificuldades do setor industrial, elas não se limitam ao câmbio — o real valorizado apenas as expõe mais vivamente.

Sobre os produtos fabricados no Brasil incide uma série de custos dos quais os concorrentes estrangeiros estão livres. Esses custos são velhos conhecidos e decorrem da defi ciência do Estado brasileiro: a carga tributária aberrante, a infraestrutura sofrível, a burocracia de proporções amazônicas.


Agenda local

Como a valorização do real é um fenômeno muito mais estrutural, é certo que o equilíbrio depende igualmente de mudanças estruturais. Na esfera pública brasileira, firmou-se a ideia de que não há o que mudar porque o câmbio é flutuante e a disputa é global. Esse foi o recado do ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao atribuir todo o problema à guerra cambial. Mas isso não exclui a criação de uma agenda local de longo prazo, focada no aumento da competitividade.

Um ingrediente fundamental, que afeta a taxa de câmbio e também traz distorções para a economia, é o gasto público. É consenso entre os especialistas que pouco ou nada pode ser feito para oxigenar a economia sem mudança na estrutura das despesas do governo.

Atualmente, menos de 5% da receita é aplicada em investimentos, enquanto mais de 50% são consumidos pela folha de pagamentos e pela Previdência. Para se financiar, o governo recorre a duas estratégias. Primeiro, aumenta impostos para elevar a arrecadação — o que prejudica a competitividade do país. Segundo, emite títulos públicos com juros generosos, o que pressiona a dívida e alimenta a valorização do real.

“A resposta efetiva contra a apreciação excessiva do real passa por uma maior disciplina fiscal do governo”, diz Sebastián Briozzo, analista-chefe da agência de classificação de risco Standard & Poor’s.

Por tudo isso, o fortalecimento da moeda merece ser uma das prioridades do próximo governo. No calor da campanha, os dois candidatos à Presidência demonstram falta de clareza em relação ao que deve ser feito. Para Dilma Rousseff, a solução é o aumento da competitividade da indústria por meio de reforma tributária. Trata-se de um diagnóstico correto mas incompleto, por desconsiderar a necessidade de ajuste fiscal para diminuir o peso da máquina pública.

José Serra, por sua vez, propõe “reduzir a taxa real de juro, assegurar que a política cambial não prejudique a competitividade do país e promover um ajuste fiscal com o corte de gastos”.

Mas o tucano promete aumento do salário mínimo para 600 reais, outros 10% de aumento para os aposentados e a criação do 13º salário para o Bolsa Família, benesses que elevariam os gastos públicos. É esperar — e torcer — para ver se o bom-senso prevalecerá após a apuração dos votos.

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