Revista Exame

Executivo e montanhista Roman Romancini fala sobre o prazer em se desafiar

Para Roman Romancini, montanhista e executivo do setor de tecnologia, não há obstáculo que não possa ser vencido. Depois de superar um câncer e um acidente de trânsito grave, ele decidiu escalar o Everest. O segredo é o planejamento

Roman Romancini, montanhista e executivo: o maior aprendizado vem dos obstáculos enfrentados na vida (Divulgação/Divulgação)

Roman Romancini, montanhista e executivo: o maior aprendizado vem dos obstáculos enfrentados na vida (Divulgação/Divulgação)

Para Roman Romancini, não existe desafio que não possa ser enfrentado, seja ele escolhido ou imposto pela vida. O vice-presidente regional sênior da empresa de software ­Salesforce coleciona uma série de conquistas. Ocupou cargos executivos na Nokia, Oracle e Ericsson, foi o 18o brasileiro a escalar o Monte Everest, depois de superar um grave acidente que o deixou na cama por seis meses e um câncer na tireoide. “Vejo prazer nas dificuldades”, diz Romancini, cuja jornada foi retratada no documentário Além dos Sonhos, disponível em plataformas de streaming. 

Montanhista experiente, Romancini teve de confiar em um parceiro de escalada para realizar o sonho de chegar ao cume do Everest. O executivo chama essa relação de confiança de fellowship of the rope (“irmandade da corda”). Para ele, o significado dela é confiar em quem está ao lado durante a jornada e contar com essa pessoa para “segurar a corda” nos momentos de cansaço, hesitação ou dúvida. Segundo Romancini, o conceito usado nas montanhas se transpõe facilmente para o mundo dos negócios. “Nenhum grande feito é realizado sozinho. O coletivo é sempre mais do que individual”, afirma. 

Na entrevista a seguir, Romancini também explica o que faz para se motivar, o que aprendeu em suas escaladas e como os problemas de saúde serviram de motor para que ele chegasse ao cume do Everest. 

Existem diferenças e semelhanças entre os desafios autoimpostos e os que aparecem de surpresa? 

A maior diferença é a preparação. Um desafio autoimposto tem um planejamento. Você define um objetivo e tem um propósito. Uma vez criado o desafio, você tem um plano, uma estratégia. Isso vale tanto para a vida pessoal quanto para a profissional. Você vai se preparando: as habilidades físicas, motoras, emocionais psicológicas, gerenciais e financeiras. Escalar o Everest não é barato, por exemplo.

Num desafio autoimposto você vai se preparando e cria esse rol de habilidades e competências, necessidades e ativos de que precisa. Preciso de ativos humanos, ativos emocionais, ativos financeiros. Já num desafio, digamos, não escolhido, você não está preparado. Não está preparado para ser atropelado, para receber a notícia de que tem um câncer aos 30 e poucos anos. Essa é a grande diferença. E onde está a similaridade? Está em como se aborda o desafio, o mindset.

No mundo corporativo a gente chama isso de growth mindset. Aprendemos com isso. No desafio pessoal, é a mesma coisa. Se você é atropelado, pode sentir autopiedade e passar o resto da sua vida nessa tônica. “Por que comigo, por que eu?” Ou você pode bater no peito e crescer com isso. Foi o que eu fiz. Aprendi, desde pequeno, a gostar de desafios cada vez maiores porque as lições são muito grandes. Quanto maior o desafio, maior é a oportunidade. Quando se enfrenta um desafio de vida ou de morte, que seja escolhido ou imposto pela mãe natureza, o crescimento é muito grande. O aprendizado é muito grande.

Como esse processo acontece? Principalmente no que diz respeito às dificuldades que aparecem sem avisar? 

Gosto de problemas e de resolvê-los. Tanto na vida profissional quanto na vida pessoal. Costumo dizer para meu time e para meus filhos que quanto pior, melhor. Vamos escalar uma montanha? Mas vamos fazer no inverno? Sou muito megalomaníaco. Gosto de desafios impossíveis. No trabalho, gosto de pegar os clientes mais difíceis. Vejo o prazer nas dificuldades, no desafio e no incômodo.

Não gosto da zona de conforto. Se uma pessoa fala para mim: “Toma aqui uma carteira de clientes já estabelecidos, para fazer a gestão da manutenção do cliente’’. Isso me desmotiva, vou procurar emprego. Agora, se ela me fala: “Está aqui um problema que a gente não sabe como resolver”. Opa! Só para dar um exemplo: o presidente da América Latina, há uns dois anos, chegou para conversar comigo.

A gente estava no meio de uma reorganização, e ele me disse: “Tenho uma missão impossível para você”. Eu respondi: “Nem sei o que é, mas eu aceito”. Isso só por causa do adjetivo que ele usou: “missão impossível”. Esse é o meu mindset. Para mim, nada é impossível, como digo para meus filhos. Basta querer o suficiente. 

Como se ensina essa mentalidade, seja para os filhos, seja para uma equipe? Como ter a seu lado quem também tenha o gosto pelo impossível?

Com propósito e paixão. Fala-se muito de disciplina. Eu inverto. Digo que disciplina é consequência. Você semeia a paixão por um propósito e ensina o método. Paixão mais método é igual a disciplina. Então como é que se traz a turma para um sonho? Primeiro, vende-se o sonho. O propósito tem de ser bonito, ­appealing, engrandecedor. Em cima disso, você tem de trazer pessoas que são apaixonadas ou criar essa paixão. É aí que essa atitude apaixonada leva o time adiante e você ensina os métodos. A disciplina vem.

Por que os exploradores da Antártica no começo do século passado abriam essa fronteira? Por que os exploradores de Marte estão fazendo isso? Por terem paixão por um propósito. O propósito pode ser tão grande quanto mudar o curso da humanidade ou resolver o problema de um cliente específico. A gestão tem de começar disso: do sonho, do propósito, da paixão. Quando as pessoas percebem isso, é genuíno, porque não se consegue fingir a paixão. Quando as pessoas olham para você e veem um gestor apaixonado em gerir pessoas e evoluir essas pessoas, engrandecer essas pessoas, elas o seguem naturalmente porque confiam e sabem que está fazendo aquilo por elas, não por você. 

Escalada ao Everest: do planejamento à subida, o trabalho é feito em equipe (Divulgação/Divulgação)

O que você faz quando se sente desanimado ou desmotivado?

Transformei meus sonhos em minhas boias salva-vidas. Quando estava num desespero máximo, numa cama, havia meses sem andar, depois do acidente, eu tinha dois grandes sonhos que me faziam levar adiante. Costumo dizer: você quer escalar o Everest? Você sabe dar um passo? É o que você precisa saber. Um passo de cada vez. São inúmeros passos, mas o que você precisa saber é isso. Só que são inúmeros obstáculos em sequência: chove, fura o pneu, tem uma pedra no caminho, ou tem um câncer.

A vontade de seguir adiante vem da vontade de dar um próximo passo, sempre em direção àquele objetivo na frente. Claro que também passo por momentos de desespero. Minha espiritualidade está muito próxima do esporte. Quando estou me sentindo ruim, saio para correr horas, para pedalar, para nadar, para fazer uma trilha. Minha transcendência vem por meio do esporte. Encontro uma forma de entrar num lugar onde eu me conecto comigo, com as minhas prioridades, com as minhas necessidades, com as minhas crenças.

Escalar o Everest é, ao mesmo tempo, uma empreitada individual e uma parceria. É preciso confiar em outra pessoa. Como foi estabelecer essa ligação?

Nenhum grande feito é realizado sozinho. A pessoa vai mais longe, mais alto, se for com outros. Inclusive esse foi o grande motivo de eu ter largado o triatlo. Era um esporte muito competitivo e pouco colaborativo. Uso um mnemônico chamado “irmandade da corda”. É a representação desse laço vital ou fatal que existe entre duas pessoas escalando. Estamos na corda, estamos alinhados na mesma direção, com os mesmos objetivos. Não existe agenda secundária, não existe desvio do objetivo. Isso é o que constrói a grandeza dos feitos. Leonardo da Vinci já dizia: duas fraquezas formam uma força.

A genialidade do indivíduo, do gestor, está na capacidade de multiplicar a genialidade coletiva, e não de ser o maior gênio da sala. Como gestor, meu papel não é ser a mente brilhante do time, é potencializar o brilhantismo, a genialidade de cada um. Competitividade num nível saudável é bom. Mas a colaboração é muito melhor. Foi assim que tive sucesso na minha carreira. Não sendo o grande gênio da sala, mas trazendo à tona a genialidade de cada integrante do time. Meu time confia em mim, eles sabem que o que a gente combinou vai ser feito. E que, se for diferente, a gente vai conversar.

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