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O poder da classe média no Brasil, segundo Francis Fukuyama

Esse é o grupo social que mudará cada vez mais a cara das eleições no Brasil, de acordo com o historiador americano Francis Fukuyama

Mais qualidade: o crescimento da classe média americana melhorou as instituições no século 20 (Douglas Graham/Getty Images)

Mais qualidade: o crescimento da classe média americana melhorou as instituições no século 20 (Douglas Graham/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 22 de janeiro de 2016 às 15h46.

São Paulo - A derrocada da União Soviética levou o americano Francis Fukuyama, historiador e professor de ciências políticas da Universidade Stanford, a elaborar uma teoria que ele chamou de “O fim da história”, em texto publicado em 1992. A máxima era que o triunfo das democracias liberais e do capitalismo de mercado representava o fim da evolução nas formas de governo.

Dali para a frente, os alvos de estudo de Fukuyama se pulverizaram e ele se tornou um analista capaz de comentar tendências políticas do mundo inteiro, incluindo a América Latina — onde democracias começavam a renascer. O capitalismo de Estado da China também passou a intrigá-lo, visto que o modelo é completamente diferente das democracias liberais que teriam decretado o fim da história.

Na entrevista a seguir, Fukuyama comenta a evolução das instituições no Brasil e no mundo e diz que a emergência de uma classe média forte vai mudar o foco do debate eleitoral por aqui.

EXAME - Um dos temas que o senhor mais estuda é a decadência política dos países. Quais são as principais características desse período?

Francis Fukuyama - O problema básico está nas instituições. Os políticos se comprometem a agir do mesmo jeito sempre, mas as expectativas da sociedade mudam. Quando as instituições não se adaptam às novas condições, porque regras e padrões de comportamento antiquados persistem, chega-se a uma condição de decadência política.

A captura de instituições de Estado por parte da elite também causa decadência. Isso ocorre, particularmente, em um período de estabilidade e crescimento econômico. Há evidências de que isso esteja acontecendo na China neste momento.

No livro China’s Trapped Transition (“A transição chinesa encurralada”, numa tradução livre), o cientista político Minxin Pei argumenta que reformas são bloqueadas por interesses pessoais espalhados pelo governo chinês. 

EXAME - O Brasil pode ter chegado a um período de decadência política?

Francis Fukuyama - O caso do Brasil é mais de falha na criação de instituições políticas adequadas no passado do que de decadência política. A grande luta da última geração foi pela democracia, mas o problema é que outra agenda não foi perseguida: a da governança de qualidade no setor público.

Isso é vital para prover serviços básicos de qualidade e tornar os governos menos corruptos e mais responsáveis. E agora o Brasil tem uma nova classe média fazendo pressão, com expectativas bem maiores. Isso é o que estava por trás dos protestos de junho. 

EXAME - Que efeito essa classe média crescente tem nos principais pontos em discussão nas eleições?

Francis Fukuyama - As exigências passam a ir além do básico. Crescimento econômico vira uma demanda eleitoral. Proteção ambiental, maior eficiência dos serviços públicos e mais transparência também. Mas, em várias partes do Brasil, há classes políticas antigas, que estão acostumadas com o clientelismo.

Uma classe média cada vez mais educada e com maior renda não vai querer esse tipo de político. Foi o que ocorreu nos Estados Unidos. No século 19, a política americana era dominada por figuras clientelistas e praticamente todos os indicados para cargos públicos eram apadrinhados e incompetentes. No começo do século 20, o quadro mudou. Isso aconteceu devido ao crescimento de uma classe média insatisfeita com o sistema político.


EXAME - Como está hoje a classe média americana?

Francis Fukuyama - Ela é bem maior, e uma de suas características é estar conectada ao resto do mundo. Mas boa parte da classe média baixa, que tinha emprego em fábricas, sofreu queda na renda. Hoje, a desigualdade está crescendo e levando o país a um rumo oposto ao dos emergentes. Há um sentimento antielite na sociedade americana.

EXAME - Mudanças no nível do debate político também têm a ver com a qualidade dos candidatos?

Francis Fukuyama - Sim. Em 1932, após a Grande Depressão, houve uma eleição histórica nos Estados Unidos em que o país se moveu para a esquerda com o presidente Franklin Roosevelt. Nas eleições de 1980, o país se voltou para a direita com Ronald Reagan.

Esses movimentos democráticos produziram grandes transformações nos Estados Unidos. É aí que a liderança é importante. Os líderes também definem a agenda eleitoral. Foi o que Roosevelt e Reagan fizeram. 

EXAME - Uma crítica corrente diz respeito exatamente às lideranças atuais. Há quem afirme que a crise econômica mundial dos últimos anos deve-se, em parte, à falta de bons líderes. Estamos mesmo carentes nesse sentido?

Francis Fukuyama - Eu não gosto de criticar líderes individualmente, mas eles precisam ser capazes de criar coalizões com políticos que querem reformas e ter habilidades políticas clássicas, como a de negociar acordos e mobilizar pessoas. Sem isso, não conseguem promover mudanças significativas. É o caso nos Estados Unidos hoje.

EXAME - O senhor acredita que os desafios econômicos são precedidos por desafios políticos?

Francis Fukuyama - Sim. A maioria dos problemas econômicos tem origem em escolhas políticas erradas. Nos Estados Unidos, os legisladores deveriam ter regulado mais os bancos para garantir que não se tornassem grandes demais para quebrar. Não fizemos isso.

O Brasil tem partidos demais, o que torna difícil formar uma coalizão que tome medidas impopulares. Um dos maiores problemas é a previdência. O Brasil gasta com pensões como se fosse um país muito velho. No futuro, terá dificuldades sérias. Por isso, a questão que os políticos têm de encarar é: o Brasil vai continuar fazendo políticas públicas de emergência ou vai partir para reformas profundas?

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