Revista Exame

Qual é o pior emprego do Brasil hoje?

Assinar o balanço mais enrolado da história. Extrair mais petróleo com menos dinheiro. Ganhar pouco na comparação com seus pares. É a vida do novo presidente da Petrobras

Novo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine (Reprodução/Jornal Nacional)

Novo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine (Reprodução/Jornal Nacional)

DR

Da Redação

Publicado em 25 de fevereiro de 2015 às 06h00.

São Paulo - Quando assumiu a presidência do Banco do Brasil, em abril de 2009, o administrador paulista Aldemir Bendine parecia ter pela frente o maior desafio de sua carreira. Depois de entrar no banco como menor aprendiz, aos 15 anos, ele acumulou promoções até ganhar a confiança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No novo cargo, precisaria trabalhar para reduzir os juros e ampliar a política de concessão de crédito do banco, duas bandeiras do governo federal. O posto incluía pressões de políticos, concorrentes, acionistas. Tudo isso, porém, parece um passeio no parque perto da enrascada em que Bendine se meteu no dia 5 de fevereiro.

Enquanto analistas, investidores e políticos especulavam dezenas de nomes “de mercado” para assumir a presidência da Petrobras, Bendine foi o escolhido. A repercussão foi péssima. A Bendine, diziam, faltam conhecimento do setor, experiência em reestruturações, confiança dos investidores.

Mas a verdade é que a Bendine sobram as qualidades que realmente importam para achar um ocupante para o cargo vago — lealdade cega ao governo e, claro, certa coragem para encarar o pior cargo executivo do país.

Assumir a presidência da Petrobras numa hora dessas pode, de fato, levá-lo ao Olimpo como o executivo que tirou a maior empresa brasileira da pior crise de sua história. Pode também acabar com sua carreira. O mercado não acredita muito na primeira opção.

A primeira prova de fogo a que Bendine será submetido é a divulgação do en­roladíssimo balanço de 2014 da petroleira. O balanço do terceiro trimestre atrasou três meses e foi publicado sem o aval da auditoria PwC. Agora, o balanço anual tem de ser divulgado até o fim de junho — caso contrário, parte dos credores do mercado de capitais pode pedir a antecipação de pagamento de 57 bilhões de dólares.

Seria outro golpe para a estatal, que tem caixa apertado e uma dívida de 100 bilhões de dó­lares. Para Bendine, o risco jurídico é grande. “Ao assinar o balanço, o presidente se torna responsável pelas informações, mesmo que não tenha participado das decisões do exercício”, diz Ra­fael Adler, sócio do escritório Azevedo Sette.

Há presidentes que já se recusaram a fazê-lo. Em 2008, a nova diretoria da Cedae, companhia de água e esgoto do Rio, desaprovou o balanço da administração anterior e mandou a auditoria refazer a análise. Os executivos preferiram perder o registro de com­pa­nhia aberta (a punição quando não se publica um balanço) a arcar com a responsabilidade de assinar algo em que não acreditavam.

Na Petrobras, só o atraso na publicação já pode render mul­ta. A Petrobras garante a seu presidente um seguro de responsabilidade ci­vil e um compromisso no estatuto de que é ela quem arcará com eventuais custos judiciais. Mas outras punições, como a proibição de dirigir uma companhia aberta, não são cobertas por seguro.

Os cálculos necessários para fechar o balanço exigem habilidades nunca testadas no mercado de capitais brasileiro. A dificuldade está em transformar em números o estrago feito pela corrupção. É preciso calcular não só o valor da propina paga pelos fornecedores da estatal como também a corrupção indireta — quanto cada projeto custou a mais por causa das interferências.

Nem todos os prejuízos são decorrentes de corrupção, já que as condições de mercado podem alterar o valor de um ativo. Por isso, é preciso cuidar para não pecar por excesso, colocando tudo na conta da corrupção.

O responsável por essa tarefa será Ivan Monteiro, ex-vice-presidente de gestão financeira e relações com investidores do Banco do Brasil, levado por Bendine para a diretoria financeira da Petrobras. Mas é Bendine quem vai assinar a papelada.

Fora o problema do balanço — disparado o mais urgente —, Bendine terá de operar um milagre: transformar menos investimento em mais petróleo. A Petrobras já havia anunciado cortes de 8 bilhões de dólares nos investimentos para 2015.

Mas a produção precisa crescer pelo menos 10%, no cálculo dos bancos, para que a empresa termine o ano com o caixa que começou — com o preço do barril em queda e a desvalorização do real, é preciso mais petróleo para ganhar o mesmo dinheiro. Seria uma inversão do histórico recente. A produção caiu em outubro e novembro.

Dívida alta

Fechar o balanço, manter o investimento — e, como se não bastasse, segurar a dívida. Nas contas do BTG Pactual, mesmo que a empresa reduza investimentos e não levante nenhuma dívida nova neste ano, o endividamento vai subir. Até dezembro, o BTG calculava que ficaria em 3,8 vezes a geração de caixa em 2015. Hoje, prevê que o endividamento em dólar subirá para 4,2 vezes.

A agência de classificação de risco Moody’s, que já rebaixou a nota da Petrobras em janeiro, avisou que poderá repetir a dose em fevereiro se a companhia não divulgar o balanço até lá ou se o endividamento subir muito. Isso significaria perder o grau de investimento, espécie de selo que premia as melhores empresas.

Os investidores estão exigindo um prêmio em relação à remuneração de títulos soberanos que a estatal nunca teve de pagar. Em 2011, estatal e governo pagavam exatamente a mesma taxa para o investidor; hoje, a petroleira paga quase 40% mais, segundo um levantamento da gestora Quantitas. Os acionistas também estão revoltados — já abriram ações judiciais no Brasil e nos Estados Unidos pelos prejuízos até agora.

Executivos de primeira linha também dizem que não aceitariam a presidência da estatal por causa do salário. Bob Dudley, presidente da petroleira britânica BP, levou quase 14 milhões de dólares em 2013.

No Brasil, o presidente da cervejaria Ambev ganha mais de 20 milhões de reais por ano, somando remuneração fixa e variável. Para descascar todos os pepinos que terá pela frente, Bendine deve receber uma remuneração semelhante à de sua antecessora — 1,9 milhão de reais ao ano.

Acompanhe tudo sobre:BancosBB – Banco do BrasilCapitalização da PetrobrasCorrupçãoCrises em empresasEdição 1083EmpresasEmpresas abertasEmpresas brasileirasEmpresas estataisEscândalosEstatais brasileirasFraudesGás e combustíveisIndústria do petróleoPetrobrasPetróleo

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda