Revista Exame

O pior cargo do mundo

Estressados, cansados, obrigados a executar projetos que não querem e a assumir a culpa por erros que não cometeram. Por que os gerentes são campeões de infelicidade


	 Seriado The Office: a vida miserável dos gerentes é tema para comédias
 (Divulgação)

Seriado The Office: a vida miserável dos gerentes é tema para comédias (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 12 de fevereiro de 2015 às 08h06.

São Paulo - O ano de 2014 foi traumático para a GM, maior montadora americana. Ao longo de meses, mais de 40 clientes morreram e mais de 50 se acidentaram devido a um problema na ignição dos carros da marca, que paravam repentinamente na estrada. Em agosto, a montadora convocou o maior recall da história — 2,5 milhões de veículos precisariam de reparo.

Por semanas, os jornais buscaram culpados pela sucessão de tragédias. Como era possível que, durante anos, os carros saíssem das fábricas com defeito e ninguém tomasse providências? Quem deveria ser responsabilizado? Após meses de investigações internas, encontrou-se um culpado — o gerente. Não um, mas vários.

Foram eles, dizem consultores, jornalistas e analistas que acompanharam o caso, que não reportaram à chefia os problemas identificados no chão de fábrica. O medo era levar a culpa por uma falha que não cometeram e ver a chance de subir na hierarquia ir pelos ares.

É dura a vida do gerente. Por um salário não muito maior do que o de seus subordinados, é ele quem executa as decisões tomadas por diretores, que ganham bônus milionários. Quando o projeto é um sucesso, o mérito — e os lucros — é da alta liderança.

Quando as coisas dão errado, a culpa é do gerente mesmo. Para piorar, muitas vezes ele é promovido sem nenhum treinamento formal para gerir pessoas, planejar orçamentos, traçar estratégias.

Não é à toa que, segundo uma série de estudos recém-publicados, o gerente é o funcionário mais infeliz do mundo corporativo. O mais abrangente deles foi publicado na revista Harvard Business Review e feita pela consultoria de desenvolvimento de liderança Zenger/Folkman. Os pesquisadores entrevistaram 320 000 funcionários de diversas empresas pelo mundo e criaram um grupo dos 5% mais insatisfeitos.

Os próprios pesquisadores se surpreenderam com os resultados: 46% dos infelizes eram da média gerência. No Brasil, uma pesquisa da consultora Betania Tanure mostra que 32% dos gerentes estão cansados de seu trabalho, ante 21% dos diretores e presidentes. Segundo a consultoria ETALENT, 68% dos gerentes sofrem de angústia por ter de bater metas agressivas.

“De todos os cargos das grandes empresas, os gerentes são os que mais se sentem perdidos. Eles são obrigados a executar projetos que não escolheram e levam a culpa por falhas que não cometeram”, diz o consultor americano Joseph Folkman, autor do estudo publicado em Harvard.

Nas últimas décadas, os grandes autores e pensadores de gestão se dedicaram a entender como as companhias podem atrair os jovens mais brilhantes e também como alinhar os interesses dos altos executivos com os dos acionistas.

Ninguém perdeu tempo pensando em como melhorar a vida do gerente, o carregador de piano cuja vida miserável serviu de inspiração para a série de televisão The Office. Mas, para as empresas, sua infelicidade custa caro. Ao olhar para cima e ver o sofrimento de seus chefes, os jovens podem se sentir desestimulados.

Segundo pesquisa da consultoria americana Career Building, apenas um terço dos trabalhadores quer assumir cargos de gerência. “A maioria acha que o sacrifício não vale a pena”, diz Ryan Hunt, diretor da Career Building. Gerentes insatisfeitos têm o poder de acabar com a imagem da empresa entre os clientes. Altos executivos costumam ter contato com um restrito grupo de clientes e fornecedores.

Mas os gerentes lidam com um público mais amplo — são eles, por exemplo, que resolvem problemas de clientes num supermercado ou têm poder para dar um desconto extra aos clientes de uma montadora. Não é o tipo de decisão que deve ser tomada por gente de mal com a vida.

No Brasil, a penúria dos gerentes se agrava porque, com o crescimento econômico da última década, milhares de pessoas foram promovidas a cargos para os quais não foram preparadas. De acordo com a ETALENT, 85% dos gerentes novatos brasileiros não receberam treinamento formal. De um dia para o outro, começaram a orientar equipes e a distribuir ordens.

Em três anos, o MetrôRio, responsável pelo transporte de metrô no Rio de Janeiro, viu o volume de passageiros transportados diariamente passar de 500 000 para 1 milhão. O aumento forçou a empresa a promover muita gente rapidamente, e a qualidade do atendimento e dos serviços aos passageiros caiu.

“Promovemos pela habilidade técnica e não tivemos tempo de treinar”, diz Flávio Almada, presidente do MetrôRio. Em 2014, a empresa criou um programa de treinamento específico para os novos gerentes, que inclui liderança e ferramentas de gestão. Cerca de 200 pessoas­ receberam 50 horas de treinamento. A avaliação do serviço pelos usuários melhorou 10% no período.

Não é para todos

Um dos maiores desafios dessas companhias é saber quem tem o perfil certo. Nem sempre bons técnicos serão bons gerentes. Na ânsia de crescer, a empresa perde bons profissionais (por exemplo, grandes vendedores) e ganha gestores medíocres. E, depois de promover as pessoas erradas, fica muito mais difícil motivá-las.

“A empresa precisa ver quem tem perfil de liderança. Quem não tem precisa de outras possibilidades de crescimento. Parece simples, mas ainda é raro”, diz Igor Matos, vice-presidente da ETALENT.

A varejista online Netshoes precisou criar às pressas ferramentas para avaliar seus funcionários e definir quem deveria ser promovido. Nos últimos quatro anos, a empresa triplicou de tamanho e promoveu muita gente para os novos cargos de gerência que foram surgindo. Hoje, 20% dos gerentes estão exercendo a função de chefia pela primeira vez.

Para auxiliar os novatos, a empresa destacou seus gerentes mais experientes como mentores. Mas 8% dos funcionários foram promovidos numa estrutura conhecida como carreira em Y — ganham melhores salários, mas continuam dedicados às funções técnicas, como programar sistemas.

“Em tecnologia é muito comum encontrar profissionais brilhantes sem o desejo de gerir pessoas”, diz Sérgio Povoa, diretor de recursos humanos da Netshoes. Promovê-los de supetão e depois cobrá-los em excesso é infelicidade garantida — para a empresa, para seus acionistas, seus clientes e, principalmente, para os pobres gerentes.

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