(Rafael Nobre/Exame)
Rodrigo Caetano
Publicado em 8 de outubro de 2020 às 05h47.
Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 15h39.
O início de julho foi um momento intenso para boa parte da elite empresarial do país, que arregaçou as mangas em prol de um tema vital para o futuro do Brasil: manter as florestas de pé. Naqueles dias, o desmatamento recorde na Amazônia provocava uma pressão inédita sobre o país. Fundos como o norueguês Storebrand, com 3,7 trilhões de dólares em ativos, ameaçaram sair daqui se nada fosse feito.
Em meio às críticas, executivos como André Clark, presidente da multinacional Siemens no Brasil, Tânia Cosentino, diretora-geral do gigante de tecnologia Microsoft, Octavio de Lazari Jr., presidente do banco Bradesco, e Walter Schalka, presidente da indústria de papel e celulose Suzano, passaram horas trocando ideias por videoconferência.
O resultado foi uma carta ao vice-presidente do país, Hamilton Mourão, em 7 de julho, pedindo medidas contra a sangria da Amazônia. De início, 38 empresas assinaram o documento. Em uma semana, as adesões chegaram a 70.
É uma união inédita do capitalismo brasileiro pela causa ambiental. As 70 empresas signatárias do abaixo-assinado ao governo faturam 3 trilhões de reais ao ano — ou 40% do PIB. Considerando só as fundadas no Brasil, a receita alcança quase 1 trilhão de reais. “As empresas estão incomodadas com o desmatamento”, diz Marina Grossi, presidente da ONG ambiental CEBDS, articuladora das conversas. Além de sentir o desconforto, muitos empresários abriram a carteira para resolver o problema.
Em três meses, mais de 6 bilhões de reais foram empenhados em ações contra os danos a ecossistemas como o da Amazônia e o do Pantanal. Para ter uma ideia da relevância dessa mobilização, a quantia supera tudo o que foi doado pela filantropia brasileira a todas as causas sociais e ambientais ao longo de 2018, último ano com dados consolidados.
Um olhar atento à enxurrada de recursos para o verde revela uma preocupação especial do agronegócio — 3 em cada 10 reais de empresas nacionais para as florestas vêm do setor. Há duas semanas, o gigante JBS, maior produtor de carnes do mundo, anunciou 1 bilhão de reais até 2030, a maior doação corporativa relacionada ao tema até agora. Na lista de intenções está investir em tecnologias como o blockchain — protocolos digitais para registrar quem fez o quê, quando, onde e como — para rastrear o gado abatido nos frigoríficos e, assim, coibir a boiada vinda de pastos recém-desmatados.
“A cadeia da pecuária é complexa: há o fazendeiro que cria, o que engorda e o que abate”, diz Gilberto Tomazoni, presidente global da JBS. “Ainda precisamos entender como levar a tecnologia ao pequeno produtor.” Em julho, a concorrente Marfrig anunciou 500 milhões de reais em sistemas semelhantes. Em jogo está a pressão contra a carne brasileira em mercados como o europeu.
Lá fora, a pecuária é a grande vilã do desmatamento. O argumento fez os papéis da JBS sair da carteira de fundos relevantes, como o norueguês Nordea, com 190 bilhões de dólares em ativos, e o finlandês KLP, com 80 bilhões de dólares.
No longo prazo, o investimento verde pode, sim, turbinar os negócios. Talvez o exemplo mais completo dessa lógica no Brasil seja o da fabricante de cosméticos Natura.
A empresa vale oito vezes mais do que na abertura do capital, em 2004. De lá para cá, o faturamento multiplicou-se por 6 — hoje está acima de 30 bilhões de reais. A bonança coincidiu com investimentos de mais de 1 bilhão de reais em linhas de cosméticos, como a Ekos, fabricada com frutos extraídos por comunidades ribeirinhas da Amazônia, como castanha e andiroba, que dependem de árvores saudáveis.
Até 2030, a empresa quer investir 4 bilhões de reais em arranjos capazes de gerar renda para quem vive na floresta. “O futuro da floresta e de tudo o que ela representa está em jogo”, diz Guilherme Leal, fundador da Natura. “A ‘marca Brasil’ está arranhada no exterior por causa disso. É um valor intangível, mas real.”
A união do PIB pelo verde, infelizmente, está longe de resolver os problemas ambientais do país. De janeiro a agosto, 9.200 quilômetros quadrados viraram pasto na Amazônia.
É uma área 20% maior do que a da Grande São Paulo e o dobro da desmatada há dois anos. Desde 2019, os focos de incêndio no Pantanal triplicaram.
Outros biomas, como os manguezais, estão sob o risco da especulação imobiliária com a revogação de leis feita na semana passada pelo Conama, conselho ligado ao Ministério do Meio Ambiente. A proliferação de ameaças fez a Fundação Grupo Boticário, ONG fundada há 30 anos para ações na Amazônia, atuar de forma direta. Antes a ONG só financiava pesquisas.
Agora financia negócios que preservem biomas ameaçados, como os manguezais. “Precisamos extrair valor sem destruí-los”, diz Malu Nunes, executiva da fundação, destino de 1% da receita anual da empresa — 50 milhões em 2019.
Para além de gerar renda a quem vive perto da natureza, a força-tarefa do PIB brasileiro em prol do verde está olhando para dentro de suas porteiras em busca de saídas para manter as florestas de pé.
É o caso da Votorantim Cimentos, signatária de um pacto setorial para eliminar as emissões de carbono na produção até 2050. No mundo, as cimenteiras causam 8% da fumaceira vilã do aquecimento global.
Para chegar ao objetivo, a empresa brasileira está adaptando seus fornos industriais. Hoje a maioria deles é movida por combustíveis fósseis, como o diesel coque, vilões do aquecimento global. A ideia é substituí-los por materiais orgânicos, como o caroço do açaí, um fruto da Amazônia cujos restos servem de fonte de energia limpa.
Desde 2018 o caroço é o motor das caldeiras da unidade da Votorantim em Primavera, no Pará, no lugar do coque de petróleo. “Antes boa parte desses frutos era descartada na beira dos rios, gerando poluição”, diz Álvaro Lorenz, diretor de sustentabilidade da Votorantim, que consome 70.000 toneladas de açaí por ano.
Em outra frente de mobilização do capitalismo brasileiro para preservar o meio ambiente, as empresas estão juntando esforços para pressionar as autoridades em Brasília.
Em agosto, os três maiores bancos do país — Itaú, Bradesco e Santander — produziram um documento com dez recomendações ao governo federal sobre a conservação da Amazônia. Na lista estão financiamentos a juro baixo para pequenos produtores rurais da região, além de investimentos em infraestrutura básica, como energia e saneamento.
De lá para cá, as equipes de sustentabilidade dos bancos mantêm uma agenda de reuniões duas vezes por semana para discutir formas de fazer avançar a agenda. Uma vez por mês os três presidentes — Octavio de Lazari Jr., do Bradesco, Candido Bracher, do Itaú, e Sergio Rial, do Santander — debatem virtualmente entre si. “É uma agenda de CEOs”, diz Luciana Nicola, superintendente de sustentabilidade do Itaú.
A meta é convencer o Executivo e o Congresso a aprovar legislações para favorecer a economia de baixo carbono. Um ponto central das discussões é a regularização fundiária — a vasta extensão de terras ainda sem dono na Amazônia favorece a especulação imobiliária e o avanço de fronteiras agrícolas na região.
Dar a posse definitiva a quem, de fato, tem direito sobre as propriedades também permite aos bancos oferecer crédito aos produtores. Por trás do esforço conjunto está o entendimento dos bancos sobre os riscos sistêmicos das mudanças climáticas. “A questão ambiental, para nós, é uma agenda de riscos”, diz Julia Spinasse Marques, líder do projeto no Bradesco. “Sem a Amazônia não existe chuva, e sem chuva não há agronegócio, que é nosso cliente.”
O governo federal, apontado como vilão dessa história, começa, à sua maneira, a responder ao chamado das empresas. É o mínimo do mínimo, vale frisar. Na semana passada, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciou a criação de um mercado de compra e venda de créditos de carbono para aproveitar o potencial das florestas nativas. Batizado de Floresta+ Carbono, o programa vai funcionar assim: o proprietário rural de áreas de floresta comprometido em manter a terra nativa vai ganhar um crédito a ser vendido para empresas poluidoras interessadas em compensar os danos ambientais.
A expectativa é a criação de um mercado global de créditos de carbono com a regulamentação de parte do Acordo de Paris, tratado para conter o aquecimento global assinado em 2015, na próxima Conferência do Clima das Nações Unidas, prevista para o fim do ano que vem.
Aí, produtores rurais brasileiros poderão receber dinheiro de empresas como os gigantes de tecnologia Apple e Microsoft, que já demonstraram interesse em financiar quem preserva a floresta. “Queremos transformar o operador de motosserra em guarda-florestal”, diz Joaquim Leite, secretário da Amazônia e de Florestas do MMA. A ideia do governo é apenas garantir o reconhecimento dos créditos gerados. Os custos dessas transações ficarão com instituições financeiras, como a B3 — bolsa de valores brasileira — e o Banco Central. “Este governo promove a livre-iniciativa e não interfere no mercado”, diz Leite.
Fora do Brasil, o ativismo da iniciativa privada com a questão ambiental está alguns passos avançado — e traz lições importantes sobre a linha de atuação das empresas brasileiras.
Uma delas é engajar os consumidores finais. Um exemplo é o Wrap, pacto de empresas com operação no Reino Unido, como as varejistas Aldi e Tesco e a indústria de bebidas Coca-Cola, para reduzir o desperdício no setor.
Assinado em 2015, o tratado endureceu o controle sobre processos industriais e espalhou a coleta seletiva nas principais cidades do país. O resultado: o Reino Unido diminuiu em 7% o volume de alimentos que vão para o lixo em relação ao patamar de 2017.
“O setor economizou 14 bilhões de libras de lá para cá”, diz Claire Kneller, diretora do Wrap, que virou ONG e tem escritórios nos arredores de Londres e no País de Gales.
É importante, ainda, somar esforços para angariar mais recursos à causa ambiental. Em 2019, dezenas de executivos de empresas listadas nos Estados Unidos e na Europa lançaram o Imperative 21, coalizão dedicada a formar políticas públicas para aliar o progresso material à redução da desigualdade e à preservação das florestas — tudo em parceria com ONGs e outras coalizões empresariais. Hoje, mais de 72.000 organizações em 80 países participam do Imperative 21, como o B Lab e o Capitalismo Consciente. No Brasil, organizações como o Instituto Ethos, o Pacto Global da ONU e a B3 apoiam iniciativas do grupo.
Na mesma linha, o pacto We Mean Business (“É uma questão de negócios”, numa tradução livre) começou em 2015 como uma iniciativa da filantropia da moveleira sueca Ikea para limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius até 2050, conforme previsto no Acordo de Paris, da ONU.
Em julho deste ano, a varejista Amazon, maior empresa do mundo, comprometeu-se a apoiar o trabalho da We Mean Business e a zerar suas emissões de carbono até 2040, dez anos antes do prazo definido pela ONU. “Na pandemia, mais de 1.200 empresas globais de nossa rede apelaram aos governos para que investissem em ações climáticas”, diz a espanhola María Mendiluce, presidente da coalizão desde maio, após passagens como executiva de empresas como o gigante de energia Iberdrola.
A julgar pela intenção dos capitalistas brasileiros, é de esperar mais protagonismo da iniciativa privada na agenda ambiental daqui para a frente.
“A pandemia acelerou algumas tendências que já vinham acontecendo e que foram antecipadas”, afirma o empresário Eduardo Mufarej, fundador do RenovaBR, movimento de renovação política, e do Estímulo 2020, iniciativa que busca oferecer crédito barato a pequenos empreendedores.
Entre as tendências está a transição para uma economia de baixo carbono, em que as empresas emitam menos gases de efeito estufa do que conseguem capturar na atmosfera, condição fundamental para conter as mudanças climáticas. “O setor empresarial reconhece seu novo papel na sociedade e assume as responsabilidades”, diz Carlo Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global, fórum da ONU para discussões climáticas.
Hoje, é a especulação imobiliária e a pecuária que estão destruindo a floresta. Agora, o problema só vai se resolver quando o Brasil adotar uma política de Estado para a Amazônia e outros biomas que estabeleça o meio ambiente e a nova economia como bases para o desenvolvimento econômico. Não há, infelizmente, nada perto disso na agenda. “É um caminho sem volta — para o bem das empresas, do país e do planeta.”
Colaborou Leo Branco
Para a economista Marina Grossi, da ONG ambiental CEBDS, mesmo os negócios que já preservam a floresta perdem com desmatamentos | Rodrigo Caetano
A economista Marina Grossi é uma entusiasta do papel do capitalismo brasileiro para salvar o meio ambiente. Economista, ela foi negociadora do Brasil em acordos das Nações Unidas sobre mudanças climáticas de 1997 a 2001. Hoje à frente da ONG Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), sua rotina é convencer empresários a aportar recursos nas florestas. Na entrevista a seguir, Marina Grossi explica por que tantas empresas estão investindo na proteção dos ecossistemas brasileiros.
Por que tantas empresas querem defender a Amazônia?
Em primeiro lugar estão os índices de desmatamento em alta. A Amazônia tem um simbolismo grande. Ainda é a floresta mais preservada do mundo. Num momento em que o mundo olha para a questão ambiental com maior ênfase, o Brasil ganha visibilidade por causa da floresta.
A pressão externa contra o Brasil está por trás disso?
Sim. As empresas estavam incomodadas. Grandes companhias que há 30 anos atuam na Amazônia produzindo e preservando, de repente, foram chamadas a dar explicações sobre o que estava acontecendo. Embora elas não tivessem nada a ver com isso, não há como separar a empresa do ambiente. Multinacionais compromissadas com a região, como Ambev, Votorantim e Natura, gostariam de estar na ofensiva, já que fazem tudo certo, mas estão na defensiva. Isso abala as estratégias.
Até que ponto o desmatamento prejudica os negócios brasileiros?
Mais de 90% da destruição da floresta é ilegal. Então é uma questão de segurança jurídica. Quem está produzindo direito é prejudicado.
Qual é o modelo ideal de progresso para a Amazônia?
Existe um novo padrão de produto. Não é uma questão da China, da Europa ou de ninguém. O mundo caminha para uma economia de baixa emissão de gases que provocam o aquecimento global. Os europeus instituíram o Green New Deal, plano que sinaliza para qual direção a economia do bloco vai. O Brasil é tido como uma potência ambiental e energética. Nós temos muito mais facilidades de entrar n a nova economia do que a Europa. Basta usarmos o que já existe, empacotar as leis atuais e sinalizar aos demais países que é isso que vamos fazer.
Só que esse sinal não está claro.
A preservação do meio ambiente é, então, boa para os negócios?
O setor privado tem muita clareza disso. Temos um ativo ambiental. É como ter em suas terras um metal valioso. Nossa matriz energética limpa é cada vez mais valorizada. Precisamos olhar para o futuro.