Revista Exame

O paradoxo da internet

O fundo alemão Rocket se tornou um dos maiores investidores da internet brasileira. Foram mais de 700 milhões de reais em quatro anos. Seus sites só perdem dinheiro. O maior deles vive sua maior crise. Mas parece que a ideia dos alemães é essa mesmo


	Sócios da Dafiti: a ordem é crescer a qualquer custo
 (Germano Lüders/Exame)

Sócios da Dafiti: a ordem é crescer a qualquer custo (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 3 de outubro de 2014 às 06h00.

São Paulo - Há quatro anos, os irmãos alemães Oliver, Alexander e Marc ­Samwer viraram o mercado de internet no Brasil de pernas para o ar. Donos do fundo de investimento Rocket Internet, eles aplicaram mais de 700 milhões de reais para criar uma série de empresas por aqui.

A internet brasileira nunca tinha visto tanto dinheiro de fora e em tantos segmentos diferentes. Os Samwer lançaram a varejista de moda Dafiti em 2011. Na sequência, abriram a loja online Mobly para vender móveis e artigos de decoração, a Kanui, de tênis e artigos esportivos, e a Tricae, de produtos para bebê.

Em 2012, foram os primeiros a investir no aplicativo de celular Easy Taxi, que virou uma multinacional com escritórios em 32 países. Suas empresas, no entanto, são máquinas de perder dinheiro. E nada indica que isso mudará no futuro próximo.

Passados esses quatro anos, a Rocket pode dizer que esse investimento todo construiu marcas poderosas. É um fato. A Dafiti faturou 450 milhões de reais em 2013. A Mobly saiu do zero e chegou aos 120 milhões de reais em dois anos. Kanui e Tricae chegaram a uma receita estimada em 80 milhões e 60 milhões de reais, respectivamente.

Todas estão entre as líderes de seus mercados. Parte do plano era esse mesmo — crescer e criar marcas fortes antes da concorrência. Mas a ideia era, em alguns anos, ganhar dinheiro — e isso ainda está muito longe de acontecer. O caso mais alarmante é justamente o da Dafiti, de longe a maior operação da Rocket no Brasil.

Sempre se especulou sobre o resultado da empresa, que quase dobrou de tamanho no último ano e já recebeu 600 milhões de reais dos investidores em três anos. O mistério foi desvendado quando o fundo sueco Kinnevik, sócio da Rocket, publicou seu último balanço. A Dafiti faturou 450 milhões de reais em 2013 e teve um prejuízo de 220 milhões.

Em 2012, teve receita de 234 milhões de reais e perdeu 180 milhões de reais. No caso de Mobly, Tricae e Kanui, os analistas estimam o prejuízo em 25% da receita. Aplicativos para celular, como o Easy Taxi, o Hellofood, de delivery de comida, o ClickBus, de compra de passagens de ônibus, e o Tripda, de caronas pagas, todos sites do grupo, também perdem mais dinheiro do que ganham.

As causas das dificuldades são as mesmas para todo o setor de varejo online no Brasil: como a concorrência é alta, as lojas gastam até 30% da receita com publicidade e oferecem frete grátis e ótimas condições de financiamento.

“Daqui a cinco ou dez anos, o varejo online vai dar dinheiro no país. Tomara que o bolso dos alemães seja fundo mesmo”, afirma o professor americano John Mullins, que dá aula sobre negócios online na London Business School.

Pelo menos no caso da Dafiti o lucro dificilmente virá em 2014. A empresa viveu a maior crise de sua história em julho, com a troca do sistema de tecnologia que integra vendas a estoque. A pane no sistema fez com que dezenas de milhares de pedidos se perdessem. Foi um desastre para a marca.

O site Reclame Aqui recebeu mais de 36 000 queixas de clientes da Dafiti, que se tornou a empresa com mais reclamações da história do site. O Procon-SP chegou a multar a Dafiti em 344 300 reais pelo mau serviço. Para remediar a situação, a empresa contratou 150 pessoas em julho — 30 só para responder às queixas no Reclame Aqui.

O número de reclamações no site, porém,  continua três vezes maior do que antes da troca de sistema. Em vez de suspender vendas ou tomar medidas preventivas, a Rocket manteve os investimentos da Dafiti em publicidade e se limitou a divulgar um esclarecimento no site informando que a empresa estava “trocando de guarda-roupa”.

O jeitão agressivo é típico da Rocket. O fundo tem participação em mais de 70 empresas de varejo online, pagamentos digitais e aplicativos para celular (a maior parte deles cópia de sites americanos) em cerca de 100 países. Emprega mais de 20 000 pessoas e faturou 900 milhões de dólares em 2013.

Não tem escritórios bonitinhos como Google e Facebook. O prédio que abriga a sede em São Paulo lembra um galpão com paredes brancas. Os funcionários são incentivados até a montar a própria cadeira. É uma forma de mostrar a importância da “humildade” — ou, na perspectiva de quem monta, mostrar a importância de dançar conforme a música alemã.

Ambiente duro, chefia idem. Oliver Samwer, presidente da Rocket, ficou famoso por exigir postura de soldado de seus funcionários. “Morreria para vencer e espero o mesmo de vocês” e “Ataquem a concorrência com uma Blitzkrieg (técnica de ataque rápido e devastador do exército de Adolf Hitler)” são algumas das frases pescadas em e-mails a funcionários.

Para liderar as empresas, a Rocket recruta jovens engenheiros com experiência em consultorias como McKinsey e Accenture, recém-saídos de MBAs em escolas de negócios renomadas da Europa e dos Estados Unidos, e lhes oferece a chance de ganhar uma bolada no futuro com um pacote de ações.

Foi assim com os sócios da Dafiti, os alemães Malte Horeyseck e Malte Huffmann, o francês Thibaud Lecuyer e o brasileiro Philipp Povel. Aconteceu o mesmo com todos os outros fundadores das empresas brasileiras da Rocket.

Força nos emergentes 

Enquanto Google e Facebook conseguem boa parte de sua receita na Europa e nos Estados Unidos, a Rocket gosta mesmo é dos mercados emergentes. Isso, obviamente, exige um enorme apetite por risco. No interior da Índia, a probabilidade de assalto aos entregadores era tão grande que a empresa decidiu enviar os produtos não mais para a casa das pessoas, mas ao posto de gasolina mais próximo.

Em Lagos, na Nigéria, faltavam prédios comerciais para abrigar as startups, então elas tiveram de alugar casas residenciais e adaptá-las. A cidade escolhida para abrigar a sede da Rocket no Oriente Médio é o Cairo, no Egito, que vive em clima de tensão permanente.

Perigos à parte, a Rocket perde muito dinheiro: apenas no ano passado, dez de suas empresas globais acumularam prejuízos de 430 milhões de euros. Ou 1,3 bilhão de reais.

Mas, paradoxalmente, nada disso parece tirar o sono dos irmãos ­Samwer. Eles consideram a fase atual ótima: em setembro, a Rocket anunciou que pretende abrir o capital na bolsa de Frankfurt para levantar 970 milhões de dólares. Segundo os cálculos dos próprios irmãos, sua avermelhada empresa vale 6,5 bilhões de dólares.

A Rocket também pretende fazer o IPO da Zalando, “irmã” alemã da Dafiti criada em 2008 que está em 15 países da Europa. No segundo trimestre deste ano, a Zalando teve lucro pela primeira vez em sua história. A empresa pode valer até 9 bilhões de dólares.

“Os investidores da Rocket começaram a pressionar para poder vender suas ações e estava difícil convencê-los a dar ainda mais dinheiro para empresas em países emergentes”, afirma um executivo brasileiro que saiu da Rocket recentemente.

Para ficar atraente aos investidores, a empresa juntou a Dafiti (que, além do Brasil, atua na Argentina, no México, no Chile e na Colômbia) com quatro de suas “irmãs” — Jabong, da Índia, Lamoda, da Rússia, Namshi, do Oriente Médio, e Zalora, da Ásia e da Austrália.

A junção das cinco virou uma nova empresa chamada Global Fashion Group (GFG), que nasce com receita de 3,5 bilhões de dólares e um belo prejuízo de 300 milhões de dólares. A Dafiti é a maior e a que mais perde dinheiro no grupo. Segundo analistas de mercado, a Rocket pretende incorporar a GFG à Zalando depois que esta abrir o capital.

Mesmo com tanto prejuízo, a Rocket acredita que pode aproveitar uma euforia em torno das empresas de internet para levantar muito dinheiro. O valor de mercado das empresas de tecnologia nunca esteve tão alto. Somadas, as dez maiores empresas de internet do mundo valem mais de 1 trilhão de dólares.

O gigante chinês de comércio online Alibaba, que abriu o capital nos Estados Unidos em setembro, vale 231 bilhões de dólares (veja quadro ao lado). Oliver Samwer tem dito a investidores que há três empresas de internet relevantes atualmente: a Amazon, concentrada nos Estados Unidos, o Alibaba, intermediário de 80% das vendas online da China, e a Rocket, que não está em nenhum dos dois países.

Samwer está fazendo o papel dele. Para a Rocket e seus investidores, o crescimento acelerado e os prejuízos dos últimos anos podem, no fim das contas, valer a pena. É o paradoxo da internet. Este é o pior dos tempos. E é o melhor dos tempos também.

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