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O paradoxo Blackberry: vendas em alta, ações em baixa

As vendas do aparelho símbolo dos smartphones se mantêm em alta. Sua ação em bolsa não para de cair. Por quê?

Blackberry: Enquanto Apple e Google apostavam em novos recursos, a fabricante do BlackBerry demorou a perceber a nova realidade dos smartphones (Alex Wong/Getty Images)

Blackberry: Enquanto Apple e Google apostavam em novos recursos, a fabricante do BlackBerry demorou a perceber a nova realidade dos smartphones (Alex Wong/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 28 de julho de 2011 às 06h00.

São Paulo - "Qwertyuoip." Diz uma antiga lenda que essa estranha combinação de caracteres teria sido o conteúdo do primeiro e-mail da história. O ano era 1971 e seu autor, Ray Tomlinson, um programador contratado pelo Departamento de Defesa americano para ajudar a construir as redes militares que mais tarde serviriam de base para a internet.

Tomlinson certamente não percebeu que estava diante de uma invenção tão importante — caso contrário, talvez tivesse escrito algo mais memorável ou menos preguiçoso. Os caracteres Q-W-E-R-T-Y-U-I-O-P compõem a primeira fileira da maioria dos teclados.

Essa sequência de letras também foi responsável pelo sucesso de uma empresa que ajudou a definir o que se entende por computação móvel. A canadense Research in Motion, ou RIM, lançou em 2002 o primeiro BlackBerry, e imediatamente o aparelho, dotado de um teclado completo, tornou-se objeto inseparável de executivos mundo afora.

Ninguém mais precisava usar o teclado numérico para escrever — quase uma impossibilidade a qualquer um com mais de 30. Graças a um robusto sistema de e-mail, o BlackBerry virou símbolo da nova geração dos celulares, os smartphones.

Daí para a frente, a RIM viveu anos dourados. No ano seguinte ao lançamento de seu carro-chefe, a empresa já figurava entre as 100 maiores da bolsa americana Nasdaq, em que estão listadas as principais companhias de tecnologia do mundo. Os fundadores da RIM, Mike Lazaridis e Jim Balsillie, que até hoje dividem o cargo de presidente da empresa, foram alçados ao status de visionários.


Já em 2005 a RIM alcançaria 4 milhões de clientes, o dobro do ano anterior. Em 2008, a empresa chegou a notáveis 52% de participação no mercado americano de smartphones, ano no qual faturou 6 bilhões de dólares.

Como os bons ventos não sopram para sempre, a RIM se vê hoje numa posição bem menos confortável. Na superfície, os resultados fiscais da empresa se mantêm positivos.

No primeiro trimestre do ano, a companhia vendeu quase 14,9 milhões de unidades, ante 14,2 milhões no período anterior. Números como esses, porém, não têm sido suficientes para conter a longa tendência de queda das ações da companhia, tampouco para desfazer o ceticismo de investidores e analistas quanto a seus rumos.

O resultado é uma espécie de paradoxo. Ao mesmo tempo que a RIM cresce em vendas, em grande parte puxadas pela entrada em novos mercados, os papéis da empresa despencam. Em apenas dois anos, seu valor caiu pela metade.

A RIM parece não ter percebido, mas parte da explicação do paradoxo remonta a 2008, quando um competidor aparentemente inócuo começava a ganhar espaço. Com seu teclado virtual e sem os itens de segurança exigidos pela maioria das empresas, o iPhone parecia não oferecer risco ao domínio do BlackBerry no mundo corporativo.

Mas, com uma inovação que talvez rivalize com o próprio aparelho, a Apple criou um mercado de aplicativos, a App Store. Dezenas de milhares de programadores passaram a criar softwares para o iPhone, aumentando o valor e a utilidade do aparelho da Apple. E a RIM ficou parada. Primeiro a Apple e depois o Google, com o sistema Android, criaram um enorme ecossistema de desenvolvedores.

Tornou-se comum ouvir dizer que "a RIM perdeu a mão". E, para muitos analistas, não faltam motivos para acreditar nisso. A companhia, que já teve mais da metade do mercado global de smartphones, hoje amarga cerca de 20% de participação.


A RIM insistiu em características que, no final das contas, se provaram de impacto reduzido na decisão de compra: segurança, bateria duradoura e consumo otimizado de dados — uma das principais características propagandeadas pelos BlackBerrys é a capacidade de consumir até 70% menos dados do que smartphones convencionais.

Durante anos, Mike Lazaridis, responsável pela tecnologia dos BlackBerrys, afirmava que seus aparelhos jamais teriam câmera, tocadores de MP3 e nomes facilmente identificáveis. "Um BlackBerry com um nome é ridículo", dizia. Hoje, a linha de aparelhos da RIM está repleta de aparelhos batizados de Bold e Storm. E todos contam com câmera e players de MP3.

Mas muitos analistas acham que a mudança veio tarde demais. Por não ter percebido a evolução da internet para além de palavras e de texto corrido, a RIM está pagando um preço alto. De acordo com a consultoria IDC, o mercado de smartphones em todo o mundo deverá crescer 55% em 2011, à medida que um número cada vez maior de usuários trocar modelos básicos por aparelhos mais avançados.

Neste ano, segundo estimativas, 472 milhões de unidades serão vendidas, ante 305 milhões em 2010. Em 2015, o número de smartphones vendidos pode chegar a 982 milhões.

E esses números não incluem os tablets, que, como os smartphones, dependem de um sofisticado sistema de desenvolvedores de aplicativos para atrair os consumidores. A RIM lançou sua versão de tablet, o Playbook, neste ano. Apesar de avançados recursos tecnológicos, o Playbook não tem um software de e-mail: é preciso ter também um BlackBerry para poder usar o mais essencial dos programas.

O mercado dos smartphones, como se vê, pode não precisar da RIM para avançar. Há quem acredite, no entanto, que os BlackBerrys sempre terão lugar no bolso de empresários e executivos — mesmo que no outro bolso esteja um smartphone de outra marca. Pode ser. Mas é pouco para quem já foi sinônimo de inovação.

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