Revista Exame

Adam Smith, o pai da matéria

Por que Adam Smith está cada vez mais contemporâneo

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2012 às 15h09.

Qual a importância de Adam Smith (1723-1790) nos dias de hoje? Ou melhor: qual a importância de ler ao menos algumas das 658 páginas de Adam Smith - Uma Biografia, do historiador canadense Ian Simpson Ross?

Pense em algumas notícias que você tem lido ou ouvido nos últimos tempos. A disputa Embraer x Bombardier. A "doença da vaca louca", que impede a exportação de carne inglesa para outros países da Europa. A proibição dos alimentos transgênicos. Os calçados, frangos e autopeças que bloqueiam as artérias comerciais do Mercosul e são o colesterol diplomático que ameaça de infarto a união aduaneira entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

O que todos esses casos mostram é que o comércio emergiu como a variável decisiva nas relações internacionais. A esgrima diplomática transferiu-se dos comandos militares e das embaixadas para as representações comerciais. A Organização Mundial do Comércio (OMC) é hoje muito mais importante que a ONU. E quem lançou os fundamentos teóricos que moldam a economia contemporânea? Sim, ele mesmo, o bom e velho Adam Smith.

À primeira vista, sua vida é a menos provável para um pioneiro do livre comércio. Smith nunca exerceu uma função governamental importante. Não era um milionário corretor da bolsa de Londres, como David Ricardo. Também nunca foi um servidor público de alto gabarito, como John Maynard Keynes. Tampouco um profeta de revoluções, como Karl Marx, ou um reformista social como John Stuart Mill.

Smith nasceu em julho de 1723 em Kirkcaldy, um pequeno porto escocês. Morreu a poucos quilômetros dali, em Edimburgo, em julho de 1790. Morou com a mãe durante boa parte da vida. Nunca se casou nem teve filhos. Fez longas caminhadas, cultivou amigos, orientou discípulos. Escreveu alguns artigos, resenhas e prefácios, e publicou apenas dois livros. A seu pedido, seus textos inéditos foram destruídos após sua morte para evitar que fossem publicados incompletos ou imperfeitos.

Passou boa parte de seus dias como professor nas retrógradas universidades inglesas do seu tempo ou em ambientes escoceses mais animados, como Edimburgo ou Glasgow. Seu último emprego foi o mesmo de seu pai: fiscal da alfândega, a suprema ironia para um apóstolo do laissez-faire. Ainda assim, sua obra de maior fôlego, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, popularmente conhecida como A Riqueza das Nações, é o livro mais fundamental para o pensamento econômico jamais escrito.


Está tudo lá. Desde a crítica ao mercantilismo e aos excessivos controles do Estado sobre a atividade econômica até as vantagens das relações comerciais em relação às economias fechadas. Das imperfeições do ouro como indicador da inflação - e, conseqüentemente, como padrão monetário - até o crescimento da produtividade decorrente da especialização (o famoso exemplo dos alfinetes).

Se você não lembra, Smith ilustrou sua defesa da divisão do trabalho com a produção de alfinetes. Executando todas as funções, dizia ele, um homem pode fazer no máximo dez ou 15 alfinetes por dia. Seis homens fariam 60 alfinetes. Mas, se cada um deles se ocupasse de uma única função - cortar o arame, fazer a ponta, colocar a cabeça etc. -, a produção subiria para várias centenas de unidades diárias.

Com base nos alicerces lançados por Smith, Ricardo ergueu as teorias dos rendimentos decrescentes e do valor-trabalho. Marx foi outro espetado pelos alfinetes de Smith, que são citados nos três volumes de O Capital. E Keynes lançou sua "revolução copernicana" criticando a utilização instrumental neoclássica derivada diretamente de Adam Smith.

O livro de Ian Simpson Ross não é a primeira biografia de Adam Smith. Tampouco será a última. Mas tem grandes chances de tornar-se a definitiva e é uma das melhores obras desse tipo já oferecidas ao leitor brasileiro. O livro tem o mérito de mostrar uma faceta pouco conhecida do pensador. Os aspectos "anedóticos" da vida de Smith - a misantropia, a lendária distração - tornam fácil vê-lo como um intelectual totalmente desvinculado da realidade. O homem que emerge de Uma Biografia é, ao contrário, informado, atuante e preocupado com as grandes questões de seu tempo.

Smith manteve uma prolífica e profunda correspondência com o filósofo David Hume (1711- 1776). Foi um crítico ácido e agudo das falhas e da estagnação do sistema educacional britânico. E um observador atento da "crise americana", que explodiria simultaneamente à publicação da primeira edição de A Riqueza das Nações, em 1776, e levaria à guerra de independência dos Estados Unidos. Independência que nasceu, nunca é demais lembrar, de uma disputa tributária.

Adam Smith - Uma Biografia oferece ao leitor brasileiro uma raridade: uma edição bem-cuidada com uma tradução primorosa. A tradutora Helena Londres conseguiu manter a fluidez e a elegância do texto original de Ian Simpson Ross. Além de ser uma excelente fonte de informações sobre a vida cotidiana de Smith, a obra oferece abundantes subsídios e referências que mostram a gênese de sua obra.

Havia poucas informações sobre a infância de Adam Smith disponíveis para o leitor brasileiro. O livro de Ross é uma agradável exceção. Nele o leitor é informado de que, desde seus primeiros anos, Smith observou como a vida das pequenas cidades escocesas era influenciada pelo comércio. As aldeias que conseguiam conquistar os mercados ingleses prosperavam, enquanto os locais menos favorecidos (ou menos eficientes) ficavam estagnados. Notou que os fazendeiros escoceses, que vendiam seu gado magro aos ingleses, ganhavam menos que os irlandeses, que engordavam os bois e exportavam carne em conserva.

Por tudo isso, a importância de Adam Smith é crescente. Há 50 anos A Riqueza das Nações seria uma mera referência acadêmica, considerada tão inadequada quanto a arquitetura rococó em tempos de Bauhaus. O que interessava eram as modelagens keynesianas e o instrumental de cálculo para as políticas estatais de fomento. As lembranças e feridas da guerra ainda estavam muito vívidas. O "estratégico" para o pensamento econômico consistia em acelerar o desenvolvimento e evitar as abruptas oscilações na demanda, que haviam sido o caldo de cultura para a perversão fascista de três décadas antes.

Com o refluxo da economia planificada nos anos 80 e 90, os teóricos do livre mercado ganharam mais importância. Para o bem ou para o mal, o mundo hoje é muito mais parecido com o de Adam Smith do que há 50 anos.

Acompanhe tudo sobre:adam-smithEconomistasTeoria econômica

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda