Revista Exame

Este é o novo polo do saber de Nova York

A recém-criada universidade é a aposta da cidade para estimular a criação de startups. A ideia veio de seu bilionário ex-prefeito Michael Bloomberg

O campus da Cornell Tech: uma escola voltada para o empreendedorismo  | Iwan Baan/Cornell /

O campus da Cornell Tech: uma escola voltada para o empreendedorismo | Iwan Baan/Cornell /

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Da Redação

Publicado em 2 de novembro de 2017 às 05h44.

Última atualização em 14 de novembro de 2017 às 12h15.

David Cheng, de 29 anos, terminou o MBA em junho deste ano na Universidade Cornell Tech, em Nova York. Formado em ciência da computação, ele tinha trabalhado como engenheiro de software na empresa de tecnologia IBM e numa consultoria especializada, e no final do curso estava considerando “algumas excelentes ofertas de emprego”. Mas Cheng disse não a todos os recrutadores. Luis Serota, que tinha acabado de concluir o mestrado em computação na mesma escola, e Eliza Bruce, recém-formada em design de interação na Parsons School of Design, também recusaram convites para entrar no mundo corporativo. Hoje, os três trabalham juntos numa startup.

Bilionário e visionário: Bloomberg idealizou a universidade para “criar a economia do futuro de Nova York” | Daniel Leal-Olivas/AFP Photo

A trajetória do trio — e a escolha pelo empreendedorismo — resume a visão da Cornell Tech, universidade de pós-graduação que acaba de inaugurar um campus em Roosevelt Island, em Nova York. A escola quer oferecer um novo modelo de ensino de tecnologia. O objetivo não é só incentivar a economia das startups na região de Nova York — embora esse seja um dos pilares do projeto. “Queremos ensinar nossos alunos a fazer coisas reais ainda na universidade”, diz Aaron Holiday, investidor que divide o tempo entre seu fundo de capital de risco, o 645 Ventures, e a elaboração da parte “mão na massa” — por falta de outro termo — do currículo da Cornell Tech. “Queremos que nossos alunos cheguem a uma empresa e, em vez de dizer ‘eu sei’, digam ‘eu sei fazer, aqui está um portfólio das coisas que já fiz’. E sempre com ênfase numa abordagem multidisciplinar.”

Isso se observa na prática na Speech Up, a startup criada por Cheng e seus dois sócios. O objetivo da empresa é lançar até meados do ano que vem um aplicativo de terapia fonoaudiológica para crianças. Tanto Cheng como Serota tiveram de fazer terapia para corrigir problemas de dicção na infância. Os dois conheceram Eliza Bruce, especialista em design de interação, num programa que une alunos da Cornell Tech e de outras universidades de Nova York para tentar resolver com tecnologia desafios propostos por empresas ou entidades (como a própria prefeitura, que no ano passado pediu ideias para a questão da violência doméstica).

Depois de decidir que “trabalhavam bem juntos”, os três, todos com menos de 30 anos, lançaram a Speech Up. A empresa está desenvolvendo um aplicativo para que exercícios fonoaudiológicos possam ser feitos com o celular, num formato parecido com o de um jogo. A ideia foi uma das quatro vencedoras do concurso que a Cornell Tech realiza anualmente para premiar as propostas de startups mais promissoras dos alunos. A Speech Up recebeu 100 000 dólares em dinheiro mais o direito de ocupar uma sala do campus por um ano sem pagar aluguel — algo que, em Nova York, já é um empurrão e tanto.

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Os benefícios vão além do dinheiro, é claro. A promessa da Cornell Tech é ajudar as empresas a se estruturar, e isso inclui a rede de contatos com investidores e professores, muitos deles ex-empreendedores de sucesso. A parte do curso que simula a criação de uma startup é chamada de Startup Studio.

O chefe da área é David Tisch, diretor de um fundo que faz investimentos em empresas recém-lançadas e que colocou dinheiro em companhias de enorme sucesso, como a fabricante de óculos Warby Parker e o serviço de portfólios online Behance, recém-adquirido pela Adobe por mais de 150 milhões de dólares. O CEO — nesse caso, chief entrepreneurial officer, ou algo como “diretor de empreendedorismo” — do Startup Studio é Greg Pass, ex-responsável pela área de tecnologia do Twitter. “No caminho até aqui cruzei com um professor que já levantou mais de 1 bilhão de dólares em investimentos”, disse Cheng na entrevista a EXAME. “Quando tenho uma dúvida sobre nosso modelo de negócios, posso me sentar por 1 hora com um professor que já passou por isso na carreira.”

A palavra “estúdio” aparece em todas as conversas envolvendo a escola — e ela não foi escolhida à toa, segundo o reitor da Cornell Tech, David Huttenlocher. “Pensamos num estúdio de designers ou de arquitetos”, afirmou Huttenlocher numa apresentação recente. “A ideia é que nossos alunos desenhem, construam e compartilhem um produto ou um serviço. Isso é parte integral do ensino.” O Startup Studio foi concebido para que os alunos passem por todas as etapas da criação de uma nova empresa, de refinar a ideia e encontrar o pessoal — idealmente vindo de cursos variados — a apresentar o projeto a investidores e empreendedores. Tudo começa numa matéria chamada Startup Ideas. “Acompanhamos todas as ideias de empresas geradas e já temos mais de 4 000 registradas em nosso sistema”, diz Holiday.

As melhores são selecionadas e passam para a fase do estúdio. Algumas acabam virando startups de verdade. Desde 2014, 38 startups foram fundadas no campus da Cornell Tech. “O objetivo não é necessariamente criar um novo Facebook. Estamos reavaliando nossa metodologia para contemplar startups que não cresçam tão rápido, mas que gerem receitas desde o início, ou então que se dediquem ao terceiro setor.” Duas novas matérias no horizonte, segundo Holiday, são sobre “early adopters” (como conseguir adeptos para seu produto ou serviço) e fontes de financiamento além dos fundos de capital de risco.

Universidade Colúmbia: Nova York tem tradição em geração de conhecimento | Education Images/UIG/Getty Images

Há dois meses, a escola ocupa seu campus definitivo em Roosevelt Island, uma ilha de 3 quilômetros de extensão por 240 metros de largura, espremida entre a ilha de Manhattan e o distrito do Queens (nos primeiros quatro anos, a universidade funcionou no prédio do Google, no bairro de Chelsea). A primeira fase do novo campus foi inaugurada em setembro, e o projeto só será concluído em 2037. Os três edifícios já em uso foram desenhados para criar um novo modelo de instituição de ensino e estão repletos de inovações, como não poderia deixar de ser numa universidade dedicada à tecnologia. O primeiro deles foi batizado de Emma e Georgina Bloomberg Center, em homenagem às filhas do ex-prefeito da cidade, responsável pela iniciativa que deu origem à universidade.

O Bloomberg Center abriga a parte “tradicional”, ou educacional, por assim dizer. Ocupado por professores e doutorandos, o centro parece um moderno edifício de escritórios. Painéis solares no teto geram toda a eletricidade, e o sistema de climatização é geotérmico. O edifício é um dos maiores dos Estados Unidos a produzir e a consumir 100% de sua energia. Os espaços internos são todos abertos, com salas de reunião espalhadas pelos andares e cabines telefônicas (mas sem telefones) que podem ser usadas para conversas privadas. “O corpo docente não tem salas próprias. E também não estamos organizados em departamentos tradicionais, como as outras escolas, o que é meio esquisito”, diz o reitor Huttenlocher, rindo.

Atravessando um pátio, chega-se a The Bridge (“A Ponte”), um prédio desenhado pelo premiado escritório de arquitetura Weiss/Manfredi. Segundo Huttenlocher, o edifício é a expressão física do objetivo da Cornell Tech de unir a academia ao mercado. O espaço é dominado por uma enorme escadaria central, que conta com mesas e cadeiras nas plataformas -entre cada lance de degraus. “A ideia foi criar espaços variados para a colaboração”, disse Marion Manfredi, uma das responsáveis pelo projeto, num tour pelo edifício. “O prédio é meio empresa, meio academia. Não há muitos precedentes disso.” A universidade vai ocupar 30% da área, e os 70% restantes serão alugados para empresas. Alguns inquilinos — todos com algum tipo de intersecção com o que é ensinado na escola — já foram definidos, como o fundo de investimento Two Sigma, que usa intensamente a tecnologia digital em sua estratégia, e o grupo italiano Ferrero, dos chocolates Ferrero Rocher, que vai instalar um laboratório de pesquisa e desenvolvimento em The -Bridge.

Desenhar esse novo tipo de edificação de uso misto, segundo Manfredi, foi “libertador”. O terceiro prédio, chamado The House, é um conjunto de apartamentos para alunos e professores.

Aula na Technion, em Haifa: o instituto israelense é a base da tecnologia na Cornell Tech | Moran Mayan /Technion Institute of Technology

A Cornell Tech é uma parceria entre a Universidade Cornell, uma das mais tradicionais do país, com sede na cidade de Ithaca, no estado de Nova York, e o Technion, instituto israelense focado em engenharia e ciências exatas. As duas escolas venceram uma competição promovida por Nova York em 2010 e receberam 100 milhões de dólares, além do terreno onde o campus agora está instalado. O objetivo é “criar a economia do futuro para Nova York”, nas palavras do ex-prefeito Bloomberg, que idealizou a competição e doou outros 100 milhões de dólares de seu bolso à instituição.

A iniciativa ainda é modesta quando se considera o caso de Stanford, universidade no coração do Vale do Silício, de onde saíram os fundadores de empresas como Cisco, HP, Google, Snapchat e dezenas de outras gigantes do setor digital.

Um estudo publicado em 2012 indica que as companhias fundadas por empreendedores saídos de Stanford geravam receitas de 2,7 trilhões de dólares anualmente e haviam criado 5,4 milhões de empregos desde a década de 30. A -Cornell Tech tem somente sete cursos de pós-graduação e, atualmente, conta com cerca de 300 alunos.

O plano é ter entre 2 000 e 2 500 alunos nas próximas décadas. Nova York, com a nova escola, reforça seu poderio para gerar conhecimento, um atributo já conhecido por centros de excelência, como a Universidade Colúmbia, entre outras instaladas na cidade. Roosevelt Island, que abrigou uma prisão no século 19 e, mais tarde, manicômios e hospitais para recuperação de tuberculosos, agora conta com tecnologia de ponta na lista de seus ocupantes.

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