Revista Exame

O novo luxo no Brasil: como o consumidor de alta renda passou a olhar para dentro do país

Empresas expandiram operações, marcas vieram, e o agronegócio abriu portas para outro público. E a tendência é crescer ainda mais

Cristina Betts: shoppings do grupo Iguatemi acompanham a evolução da renda nas praças. (Leandro Fonseca/Exame)

Cristina Betts: shoppings do grupo Iguatemi acompanham a evolução da renda nas praças. (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 23 de novembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 23 de novembro de 2023 às 17h22.

Nesta época do ano o shopping Iguatemi de São Paulo, localizado na Faria Lima, avenida pela qual circulam banqueiros e empresários, já está decorado com as luzes vermelhas e douradas para o Natal. Logo na entrada do prédio fica a Tiffany, com sua inconfundível identidade azul. Subindo a rampa encontra-se a Louis Vuitton, a marca de moda mais valiosa do mundo, cercada por Prada, Rolex, Montblanc. Mas é no piso superior onde o esplendor se revela em lojas imponentes, com pé-direito altíssimo, de grifes como Saint Laurent, Chanel e Bottega Veneta. Nas vitrines, os preços das peças impressionam tanto quanto a arquitetura. Uma pasta de couro da Dolce & Gabbana custa 11.250 reais. Na Zegna, uma jaqueta leve de linho sai por 22.800 reais.

A concentração de marcas de desejo no Iguatemi de São Paulo não fica atrás da vista em shoppings internacionais de alto padrão, como o Bal Harbour, em Miami, na rede Westfield, espalhada pela Europa e pelos Estados Unidos, e em ruas charmosas, como a Bond, em Londres, ou a Via Monte Napoleone, em Milão. O centro de compras paulistano faz parte do grupo de mesmo nome, hoje com 14 shopping centers e dois outlets premium. O balanço do terceiro trimestre apontou uma receita líquida de 302 milhões de reais, alta de 12,3% em relação ao mesmo período do ano passado. Entre julho e setembro, as vendas das lojas atingiram 4,5 bilhões de reais, um crescimento de 9,3% na comparação com 2022.

Boa parte dos bons resultados do grupo vem do sucesso das marcas de luxo. No Iguatemi e no JK Iguatemi, em São Paulo, 30% da ocupação é de marcas internacionais. Nem sempre foi assim. Quando o Iguatemi foi inaugurado, em 1966, com show de Chico Buarque e Nara Leão para um público de 5.000 pessoas, chique mesmo era fazer compras na Rua Augusta. Seu fundador, Alfredo Mathias, foi à falência. Foi a partir da compra do shopping pela família Jereissati, em 1979, que o comportamento começou a mudar. As facilidades dos shopping centers, aliadas à sensação de segurança, foram tirando aos poucos os consumidores das ruas. No Iguatemi, assim como em outros shoppings brasileiros, marcas de luxo convivem com lojas de departamento e serviços como cabeleireiro, cinema e praça de alimentação.

“Precisamos criar fluxo, recorrência. Ninguém compra bolsa cara todo dia”, diz Cristina Betts, que foi CFO do grupo por 14 anos até assumir a presidência, em janeiro do ano passado, sucedendo a Carlos Jereissati Filho. Ainda assim, a vocação do grupo é clara. “Queremos ser o melhor shopping para uma classe alta, na praça em que estiver. Vamos acompanhando a evolução de renda de cada cidade”, afirma a executiva. Neste ano, o shopping de Porto Alegre recebeu uma loja da Gucci, por exemplo. “Este é o melhor momento do mercado de luxo no Brasil.”

Altos e baixos do luxo no Brasil

O mercado de luxo teve fases distintas por aqui. No fim dos anos 1950, algumas grifes começaram a desembarcar no país pelas mãos de importadores como Lúcia Piva de Albuquerque e Lourdes Aranha dos Santos, fundadoras da Villa Daslu, uma casa na Vila Nova Conceição frequentada pela elite paulistana. Na década de 1970, o empresário Andre Brett licenciou marcas como Yves Saint Laurent, Pierre Cardin e Christian Dior. Mais tarde, inaugurou as primeiras lojas da Emporio e Giorgio Armani e Ermenegildo Zegna, entre outras. A abertura das importações do governo Collor, nos anos 1990, foi um incentivo para a entrada de produtos de alto valor.

Nos anos 2000, de olho nesse novo público consumidor, em um país com moeda estável e crescimento de renda, as marcas internacionais começaram a tomar conta das operações brasileiras. A crise econômica a partir de 2015, no entanto, reduziu o consumo de alto padrão e fez muitas marcas saírem do mercado brasileiro.

A pandemia mudou esse cenário. Um estudo da World Inequality Lab mostrou que o exclusivo grupo de multimilionários no mundo viu suas fortunas crescerem 14% entre 2019 e 2021. “Esse também foi um período de autoindulgência. Como ninguém sabia se estaria vivo no dia seguinte, quem podia passou a se presentear, a comprar seu objeto de desejo, que podia ser uma joia ou um Porsche”, diz Freddy Rabbat, diretor da operação brasileira da TAG Heuer e presidente da Associação Brasileira das Empresas de Luxo (Abrael).

Cartier no shopping Cidade Jardim, em São Paulo: butique com identidade global (Katia Kuwabara//Divulgação)

No Brasil, outro fator ajudou a transformar esse mercado: a restrição às viagens internacionais. “Quando os brasileiros passaram a comprar localmente, descobriram um nível de serviço melhor”, diz Elodie Thellier, presidente da Bvlgari para a América Latina e Caribe. “Aqui os vendedores conhecem os clientes. Eles descobriram que era bom consumir localmente e ainda ter os mesmos produtos e a mesma acessibilidade à marca, a preços semelhantes, com a vantagem do parcelamento no cartão de crédito. Dobramos nossas vendas globalmente para o Brasil nesse período. Para nós, o país virou prioridade máxima, e acredito que será o maior mercado de luxo da América Latina, ultrapassando o México.”

A marca se prepara para abrir a maior loja da América Latina, no shopping Cidade Jardim, em São Paulo. A Bvlgari não é exceção. No geral, todas as marcas de luxo cresceram nesse período. Um estudo da Euromonitor International mostra que, de 2018 a 2023, esse mercado viu um incremento de 30% e hoje movimenta pouco mais de 37 bilhões de reais, em contraste com a dificuldade de setores como serviços e varejo. Até 2028, a tendência é crescer mais 18%. Ou seja: o hábito de comprar de dentro de casa, que foi registrado na pandemia, deve permanecer.

No mundo, esse mercado movimenta 1,3 trilhão de dólares. Até 2028, deve crescer por volta de 30%, mesmo com pequenas oscilações no caminho. Em outubro, as ações do LVMH caíram porque o grupo, o maior do mundo nesse mercado, cresceu “apenas” 9% no terceiro trimestre. “O mercado de luxo demonstrou uma notável resiliência, e o consumo global atingiu os níveis pré-pandemia já no fim de 2022”, diz Fflur Roberts, head de luxury goods da consultoria Euromonitor International. “Um fator que continuará impulsionando as vendas no mercado de luxo é a forte demanda dos consumidores de alta renda, que enfrentaram os desafios econômicos e testemunharam um crescimento substancial em suas posições financeiras.” Segundo Roberts, isso vai acontecer especialmente nos mercados emergentes, como em países da América Latina, que devem registrar as maiores oportunidades de expansão de negócios em bens de luxo e hospitalidade no longo prazo.

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O público de produtos de alto padrão é pequeno. Freddy Rabbat, da Abrael, estima algo em torno de 100.000 pessoas, ou 0,05% da população brasileira. É um estrato social que tem se beneficiado do histórico aumento de renda. Segundo dados do Banco Mundial, o PIB per capita brasileiro mais do que triplicou de 1960 para cá, passando de 2.578 dólares para 8.831 dólares, em um país que deve terminar o ano como a nona economia global. Essa riqueza gerada, porém, não foi distribuída de forma equânime. Em 2000, o 1% mais rico concentrava 44,2% da riqueza do Brasil, de acordo com um relatório do banco UBS. Em 2022, essa proporção cresceu para 48,4%. Sinal de que há muito trabalho a fazer.

Para atrair e reter essa restrita, porém exigente, clientela, as marcas têm investido maciçamente no e-commerce e na presença em marketplaces como Farfetch e a Shop2Gether. Mas, quando se trata de peças que partem de quatro dígitos, a experiência no ponto físico é fundamental. Arquitetos de renome têm sido convidados para assinar a identidade visual das butiques. É o caso de Renzo Piano, com a Hermès em Tóquio, e de Frank Gehry, com a Louis Vuitton de Seul. Em abril deste ano, a maison francesa lançou o livro Louis Vuitton Skin: Architecture of Luxury, com imagens das lojas pelo mundo, de São Paulo a Pequim. “O exterior de cada loja é projetado para oferecer o mesmo apelo dos produtos de alta qualidade dentro dela, com foco na criação de uma experiência visual poderosa”, diz Paul Goldberger, autor e vencedor do Prêmio Pulitzer, que assina o projeto.

Os pontos de venda também recebem instalações que viralizam nas redes sociais. No começo do ano, um enorme boneco imitando a artista japonesa Yayoi Kusama, que lançou uma linha de roupas e acessórios da Louis Vuitton, aparecia do lado de fora da loja em frente à Pont Neuf de Paris. Mais do que vender bolsas estampadas com monogramas, os espaços oferecem experiências. Se tomar um café da manhã na Tiffany era apenas o tema do filme Bonequinha de Luxo, a icônica loja da Quinta Avenida de Nova York ganhou de fato um espaço para o desjejum chamado Blue Box Café, com cardápio de Daniel Boulud.

Thiago Alonso, da JHSF: investimentos em hospitalidade e shopping centers  (Leandro Fonseca/Exame) (Leandro Fonseca/Exame)

A experiência das grifes se estende ao turismo, com hotéis assinados por elas pelo mundo. Os primeiros foram o hotel da Armani em Dubai, inaugurado em 2010, e o da Versace, também nos Emirados Árabes Unidos, em 2015. Neste ano o portfólio hoteleiro com grifes de vestuário cresceu com a inauguração do hotel da Bvlgari em Roma, da Louboutin em Portugal e de Paul Smith em Londres.

A Louis Vuitton tem planos de abrir seu hotel em Paris. No Brasil, o destaque ficou por conta da parceria entre a Gafisa e a grife italiana Missoni, conhecida pelas estampas coloridas, em um projeto residencial e comercial, com opções de lazer e entretenimento, no Itaim, em São Paulo.

Mas a porta de acesso para esse universo quase nunca se dá com as peças mais caras ou experiências exclusivas. Perfumes e produtos de beleza costumam ser os itens de entrada, e esse setor está aquecido. As vendas no mundo de cosméticos passaram de 46.585 milhões de dólares em 2018 para 58.584 milhões de dólares neste ano -— e a previsão para 2028 é alcançar 71.973 milhões de dólares, segundo a Euromonitor International. Com o confinamento da pandemia, a venda de batons caiu, enquanto a de produtos para olhos, como sombras e máscaras, cresceu. Nessa época, grifes como a Valentino expandiram seu portfólio com maquiagens.

No Brasil, a Vivara possui estratégias distintas para alcançar diferentes públicos. No ano passado, a rede foi uma das duas empresas brasileiras incluídas no ranking das 100 marcas mais poderosas do luxo, da consultoria Deloitte — a outra foi o grupo de moda Soma. Trata-se do maior grupo de joalherias do país, com 254 pontos de venda próprios. “Acreditamos em eternizar momentos especiais por meio de uma joia, temos um público masculino fiel, mas nossa clientela é majoritariamente feminina”, diz Marina Kaufman, diretora-geral da Vivara. Apesar de mirar as classes A e B, a joalheria aposta nas peças de prata casuais e colecionáveis da linha Life. “Estamos crescendo em um público mais amplo, de jovens, adultos e mulheres maduras, que buscam a combinação de estilo, alta qualidade com informação de moda.”

Marina Kaufman, da Vivara: marca eleita uma das mais poderosas do mundo tem linha mais acessível  (Leandro Fonseca/Exame) (Leandro Fonseca/Exame)

Uma das estratégias mais usuais das marcas para crescer entre outros públicos tem sido as coleções em conjunto, as incensadas collabs. O intuito é expandir a base de clientes, reforçar os atributos da marca e, é claro, crescer em vendas. Os exemplos são os mais variados, do Air Force da Nike com a Tiffany ao Moonswatch, uma coleção da Swatch com a Omega. As marcas, que fazem parte do mesmo grupo, lançaram uma releitura do clássico Speedmaster, mas feito de plástico vegetal e com movimento a quartzo. Foi o relógio mais comercializado do ano passado, com 1 milhão de peças vendidas.

De relógios a jatos executivos

Em 2022, a indústria relojoeira suíça movimentou 24,8 bilhões de francos suíços em exportações, segundo a Fédération de l’Industrie Horlogère Suisse. Foi o melhor ano da história. Antes disso, o recorde havia sido em 2021, com 22,3 bilhões de francos suíços. Outro termômetro para a alta do mercado foram os bons números da última edição do Watches & Wonders, maior e mais luxuoso salão de relojoaria do mundo, em março passado. Pela feira de Genebra passaram mais de 43.000 visitantes, quase o dobro do ano passado. Também estiveram presentes 5.400 revendedores, de 125 nacionalidades.

A Rolex, marca de relojoaria de luxo mais vendida do mundo, tem fila de espera para muitos modelos, como o Daytona. A Cartier também tem registrado aumento de procura. Em abril deste ano, a marca francesa inaugurou uma butique no shopping Cidade Jardim, em São Paulo. O espaço de 263 metros quadrados é a primeira loja do país a aderir ao novo conceito visual global. “Entre as nossas estratégias estão a releitura de nossos códigos e novidades, mas buscando preservar a essência de nosso design, caracterizado por linhas simples”, diz Maxime Tarneaud, gerente-geral da Cartier no Brasil. “Nossa missão é manter vivos os clássicos, mas sempre com evolução.”

Vitrine da Rolex em Milão: modelos mais disputados têm fila de espera (FABRICE COFFRINI/AFP//Getty Images)

Apesar de ser uma maison tradicional, a Cartier tem nas redes sociais uma de suas principais ferramentas de comunicação. “Quanto mais nos concentramos em designs atemporais, mais conseguimos falar com todas as gerações e atrair clientes mais jovens, tanto para relógios quanto para joias”, diz Tarneaud. “Nos últimos anos lançamos campanhas e iniciativas arrojadas, que contribuíram para avançarmos na revitalização da nossa imagem.” Nomes como Vanessa Kurby, Lily Collins e V (membro do grupo BTS) estiveram à frente de coleções como Panthère e Clash de Cartier, em campanhas com altos índices de engajamento nas redes sociais, como no TikTok.

Nessa nova fase do luxo no Brasil, com as marcas internacionais à frente das operações, a comunicação também acaba sendo global. A Jaguar Land Rover tem neste momento um desafio: reforçar a identidade de cada uma de suas linhas (Defender, Range Rover e Discovery, além de Jaguar) como marcas independentes. “Isso ainda não está claro para as pessoas, precisamos criar esse imaginário”, diz Paulo Manzano, CMO do Grupo JLR (como o grupo passou a ser chamado). “A Land Rover é uma empresa de 75 anos, superconsolidada, mas com um posicionamento de marca que nem sempre reflete todos os atributos de seus produtos. O Defender lembra aventura, lama. Já a Range Rover é mais refinada, mais luxuosa. E o Discovery é mais para a família, tem carros com sete lugares, sempre foi muito vendida no Brasil.”

Ricardo Almeida: nova loja na Cidade Matarazzo não tem araras e só atende com hora marcada  (Leandro Fonseca/Exame) (Leandro Fonseca/Exame)

O segmento de carros de luxo vive um bom momento no país. Na avaliação de Milad Kalume Neto, diretor de desenvolvimento de negócios da Jato do Brasil, consultoria especializada no setor automotivo, há alguns motivos para isso. Um deles é a valorização do real diante do dólar. “Mesmo em se tratando de centavos, essa diferença é um desconto significativo quando falamos de produtos com alto valor”, diz. A Land Rover já vendeu, no acumulado de janeiro a outubro, 380 unidades a mais do que no ano passado inteiro, quando fechou com 3.651 carros vendidos. A Porsche também já registrou um aumento de quase 1.200 unidades no mesmo período. Todo o segmento de luxo passou de 2,5% na participação total de vendas de 2022 para 3,4% neste ano, com mais de 46.000 unidades vendidas até agora.

O ritmo aquecido também está nos rios e mares brasileiros. O setor náutico movimentou mais de 1 bilhão de reais em vendas durante os eventos da marca Boat Show, o maior do segmento na América Latina. No evento realizado em São Paulo, no fim de setembro, foram vendidas 600 embarcações. “Essas vendas vão abastecer o mercado para os próximos seis meses. Ou seja, há espaço para crescer”, diz Ernani Paciornik, idealizador da feira. Nos ares, a expectativa é de que até o fim deste ano seja atingida a marca de 10.000 aeronaves executivas em operação no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), um recorde no setor. A TAM Aviação Executiva vendeu 42 aeronaves em 2019. No ano passado, foram 106. A francesa Dassault já vendeu ao Brasil duas unidades do seu mais novo Falcon 10X, um modelo de jato executivo que custa cerca de 75 milhões de dólares e pode voar de São Paulo a Nova York sem escalas.

O luxo invade o interior do país

“O luxo sempre existiu no Brasil. A diferença é que nos anos 1990 faltavam marcas e produtos”, diz Thiago Alonso, CEO da JHSF. O grupo se tornou referência em condomínios de luxo no país, com o complexo Boa Vista, lançado em 2007 em Porto Feliz, a 1 hora e meia de São Paulo. “Nossas pesquisas mostram que cerca de 60% dos clientes que se encaixam na nossa segmentação estão na região metropolitana de São Paulo”, explica Alonso.

Atualmente, 900 famílias têm casa em um dos empreendimentos no espaço, que deve crescer ainda mais, chegando a 2.000. No local há um hotel Fasano, marca que foi adquirida pelo grupo em 2014. O complexo conta até com uma área para surfe em uma praia artificial. A área total é de 30 milhões de metros quadrados, o equivalente a 40% da Ilha de Manhattan. Também está nos planos do grupo a construção de um shopping — ainda chamado provisoriamente de Town Center —, que deve reunir grandes marcas já presentes em outros empreendimentos da JHSF, como o Cidade Jardim e o Catarina Fashion Outlet, o maior da América Latina.

Tânia Bulhões: compra de fábrica francesa para a produção de louças de alta qualidade  (Leandro Fonseca/Exame) (Leandro Fonseca/Exame)

Outra empresa que aposta em condomínios de luxo é a Luan Investimentos. Em Araçoiaba da Serra, a pouco mais de 1 hora da capital paulista, um novo empreendimento de 300 milhões de reais vai contar com área residencial, clube e piscina com onda artificial. “O local terá ainda um hotel, o primeiro da marca chilena Vik no Brasil”, diz o CEO Adrian Estrada. A companhia foi responsável por construir os primeiros condomínios de alto padrão em capitais onde o agronegócio puxa a economia, como Palmas, no Tocantins.

Em Goiânia, o público de alta renda que antes precisava rodar 180 quilômetros para visitar o Iguatemi, em Brasília, ou viajar para São Paulo para comprar nas principais grifes, agora tem a seu dispor uma variedade de lojas de alto padrão no Flamboyant Shopping. Entre elas estão Gucci, Dolce & Gabbana, Bvlgari, Louis Vuitton, Diesel e Emporio Armani. Das 260 lojas, 25 são de marcas de luxo. Segundo o superintendente comercial João Ricardo Gusmão Ladeia, a oferta é um atrativo tanto para o público local quanto para o de outras cidades e até outros estados. “As grifes internacionais têm vindo a Goiás atraídas por um ciclo econômico bastante positivo, pelo crescimento em setores como varejo, construção civil e agronegócio”, diz Ladeia.

Boa Vista Village: expansão da Fazenda Boa Vista, com piscina para prática de surfe, do grupo JHSF (Divulgação/Divulgação)

O aumento das vendas de produtos de alto valor e a expansão para novos públicos favorecem também as marcas nacionais. Na moda casa, Tânia Bulhões criou uma assinatura própria nas louças que produz. No começo deste ano, a empresa anunciou a compra da Royal Limoges, fábrica francesa de porcelana fundada há mais de 200 anos e que produzia metade das peças da marca brasileira. O valor não foi revelado, mas mostra o apetite das empresas brasileiras por expansão internacional, sem tirar o foco do mercado local. “No começo do ano que vem, vamos abrir a maior loja da marca no país, em São Paulo”, revela a fundadora da empresa. Também sentindo a alta demanda interna nacional, a brasileira Trousseau, de produtos de cama, mesa e banho, vai encerrar o ano com 15% de crescimento no faturamento. Há quase cinco anos a marca abriu a primeira loja em Miami, no Brickell City Centre, e tem em operação um e-commerce nos Estados Unidos.

Na moda masculina nacional, Ricardo Almeida é a grande referência. No ano em que completa quatro décadas de carreira, ele inaugura o Studio Ricardo Almeida, um espaço de 700 metros quadrados na Cidade Matarazzo, sem araras e sem vitrines, onde cada cliente é recebido com hora marcada e de forma personalizada. “Este é um presente para os nossos clientes e para o mercado, um resgate do conceito de experiência imersiva na marca que oferecíamos no meu antigo ateliê na Vila Nova Conceição”, diz o alfaiate.

Durante a pandemia, Almeida reposicionou a marca, oferecendo peças com tecidos ainda de maior qualidade e uma alfaiataria mais relaxada, dentro do que se convencionou chamar de “quiet luxury”, um conceito de moda discreta e sem logos, com grifes como Bottega Veneta e Zegna de inspiração. A preferência por peças atemporais, de boa qualidade e muita durabilidade, vai ao encontro de um valor essencial hoje para qualquer empresa, de qualquer setor: a sustentabilidade.

Há um esforço hoje das marcas de alto padrão pelo uso de material mais sustentável, em processos mais limpos. A indústria do luxo costuma ser associada ao consumo excessivo. Mas também pode ser vista por outro ângulo, pelo uso consciente de peças de alta qualidade, feitas para passar de geração para geração. O produto, no fim, é o mesmo. O que muda é a forma de consumir. “A indústria do luxo precisa se reinventar e se engajar na transição ecológica e parar com o desperdício”, disse o filósofo francês Gilles Lipovetsky, autor do livro O Império do Efêmero — A Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas, durante passagem neste ano pelo Brasil para um evento de turismo. “Essa será a maior inovação, uma transformação estrutural e cultural e uma mudança de paradigma. Até agora o luxo ignorou o porvir. Chegou a hora de ele incorporar a ética do futuro.”

Flamboyant Shopping, em Goiânia: lojas de grifes internacionais para o público local (NELSON PACHECO//Divulgação)


A HISTÓRIA DO MERCADO DE LUXO NO BRASIL 

Os altos e baixos das marcas de consumo e serviços de alto padrão no mercado brasileiro

Primeira fase | Empreendedores trazem as primeiras marcas de luxo para o Brasil

1958 > Inauguração da Villa Daslu, na Vila Nova Conceição, em São Paulo

1966 > Abertura do Iguatemi, em São Paulo, o primeiro shopping center do Brasil

1970 > O empresário Andre Brett inicia o licenciamento de marcas como Pierre Cardin

1973 > A Chandon inaugura sua vinícola em Garibaldi, no Rio Grande do Sul, como parte da estratégia de expansão da Moët Hennessy, do grupo LVMH

1989 > A Montblanc inicia as operações no Brasil com o empresário Freddy Rabbat

Segunda fase | As marcas internacionais começam a assumir as operações brasileiras, mas a crise faz muitas encerrarem a operação por aqui

1990 > O presidente Fernando Collor reduz tarifas de importação, permitindo a entrada de carros e outros produtos

1993 > O empresário Leonardo Senna começa a importar a Audi

1997 > Brett inaugura a primeira Emporio Armani no Brasil, em São Paulo

2003 > Inaugurado o primeiro hotel Fasano, em São Paulo. Hoje, a rede pertence à JHSF e conta com dez hotéis e 29 restaurantes

2006 > A JHSF lança o complexo Cidade Jardim, com shopping e nove torres residenciais

2008 > O shopping Cidade Jardim, com lojas próprias como Hermès, é inaugurado em São Paulo

2009 > O Iguatemi inaugura a i-Retail, incubadora para auxiliar grifes de luxo a operar no país

2012 > O JK Iguatemi, voltado para o mercado de luxo, abre as portas na capital paulista

2016 > Muitas lojas começam a fechar e a sair do país devido à crise. Em três anos, 25 marcas deixam o Brasil

2017 > Importadoras deixam de trazer Aston Martin e Bugatti

2018 > A McLaren inaugura loja em São Paulo

2019> Inaugurado o São Paulo Catarina Aeroporto Executivo Internacional, primeiro aeroporto executivo privado do país

Terceira fase | As restrições às viagens devido à pandemia ajudam a retomada do consumo de luxo no Brasil

2020 > JHSF inaugura seu segundo shopping de luxo, o Shops Jardins, em São Paulo

2021 > A Balenciaga chega ao Brasil, no shopping Iguatemi de São Paulo

2022 > Aston Martin volta ao Brasil, agora com concessionária própria

2023 > A Gucci desembarca em Porto Alegre; a Range Rover inaugura butique dentro do Iguatemi de São Paulo; São Paulo Boat Show registra 600 barcos vendidos, em um total de 500 milhões de reais, recorde no setor

2024 > Prevista a inauguração da primeira flagship da Tiffany & Co. na América Latina, no shopping Iguatemi, para uma área de 450 metros quadrados divididos em dois andares

Fontes: Grupo Iguatemi, JHSF e EXAME.


Nicolas Baretzki: conexão com valores como sustentabilidade (Arte/Exame)

NICOLAS BARETZKI, CEO GLOBAL DA MONTBLANC
A maison procura estar onde o cliente está, seja numa viagem, seja a trabalho, na Europa ou no Brasil, diz o executivo

A Montblanc oferece itens de entrada e apresenta itens sofisticados a preços competitivos. É uma marca de luxo acessível?

Não. Somos uma maison que quer sempre entregar o maior valor ao cliente, mas não somos acessíveis. Temos relógios de edição limitada que custam 45.000 euros. Temos diferentes preços, em diversos segmentos. Oferecemos o melhor em manufatura, inovação, storytelling. Isso é diferente de ser acessível.

A venda de relógios suíços tem crescido. Por quê?

Isso não acontece só com relógios, mas com peças de luxo. Novas gerações estão entrando nesse mercado. O mundo digital ajuda a dar visibilidade a um produto bem-feito. Se você tem um bom storytelling, a surpresa, as diferenciações, consegue manter o interesse do público.

O que define o luxo?

Definitivamente não é o preço. Produzimos de um jeito tradicional, com material de muita qualidade. A decisão de compra não é racional. Diz respeito à emoção, à história. O preço é um elemento, mas não é o que define.

É possível ser uma marca tradicional e estar conectada com os valores atuais?

Quando lançamos uma coleção de relógios como a Iced Sea, temos como tema os glaciares. Estamos falando das condições das montanhas, das mudanças climáticas, com as novas gerações. Não é porque somos luxo que não estamos conectados com o mundo.

A Montblanc tem apresentado couros com novas cores, algo mais ligado à moda. Já os relógios têm conexão com aventura. São posicionamentos diferentes?

Somos uma maison que acompanha os clientes, dos negócios ao lazer. Eles estão no escritório das 9 da manhã às 6 da tarde, depois em casa, depois em uma viagem. O mesmo cliente vive em uma cidade, depois pode escalar uma montanha. Essa é a história da Montblanc. Começamos com a escrita, depois o couro, temos os relógios. Podemos entrar em outros segmentos se fizer sentido, não for algo artificial, oportunista. Vamos ver o que o futuro nos traz.

Onde a Montblanc tem mais oportunidades para crescer?

Acredito em continuidade, na consistência da nossa imagem. Procuramos sempre ser mais inovadores, trazer mais valor para os clientes, oferecer novas experiências. Abrimos uma linda flagship na Champs-Élysées, temos a Montblanc Haus, nossa sede em Hamburgo. Mas somos uma maison global, e vamos estar onde nossos clientes estão. No Brasil temos oito lojas. Não sei se tantas marcas de luxo no Brasil têm essa presença. Para nós é um mercado muito importante, com tradição, com um público que viaja muito. Sempre investimos bastante no país e isso não vai mudar.


Elodie Thellier: experiência na relojoaria e olhar para o futuro (Divulgação/Divulgação)

ELODIE THELLIER, PRESIDENTE DA BVLGARI PARA A AMÉRICA LATINA E CARIBE
O desafio da marca de origem italiana é manter a tradição e, ao mesmo tempo, criar conexão com novos consumidores

Qual é o momento da Bvlgari no Brasil?

Estamos no Brasil há dez anos, com a primeira loja no JK Iguatemi. Estamos inaugurando nossa flagship no Cidade Jardim, a maior loja da marca na América Latina. Também começamos a nos aventurar em outros estados. Para nós, o Brasil é uma prioridade máxima.

Com a pandemia, muita gente passou a consumir dentro do Brasil. Por quê?

Quando os brasileiros passaram a comprar localmente, descobriram um nível de serviço ainda maior. Aqui os vendedores conhecem os clientes. Os brasileiros têm aqui os mesmos produtos e a mesma acessibilidade à marca. E com a vantagem de parcelar no cartão de crédito.

Há diferença no que os consumidores procuram nos diferentes países?

Acho que é mais gosto pessoal. Quero dizer, você pode ter uma preferência por ouro rosa ou ouro amarelo, mas no geral vendemos a maioria de nossas peças icônicas em todo o mundo da mesma forma, seja para um brasileiro, seja para um asiático. Nossos ícones são pilares fortes em todos os lugares.

Quais são as estratégias para a joalheria e para a relojoaria?

A joalheria é de onde viemos, mas temos uma presença forte na indústria relojoeira. Trabalhei por 15 anos no segmento de relógios [na TAG Heuer, do grupo LVMH, o mesmo da Bvlgari] e posso dizer que fiquei muito impressionada com esse mercado. A Serpenti é a nossa linha mais vendida. Mas muitas vezes os clientes vão à loja para buscar uma coisa e acabam saindo com outra. Temos uma oferta que atende a um público muito amplo em termos de preço, categoria, idade, gênero.

Como a Bvlgari atrai novos consumidores?

As gerações mais novas muitas vezes procuram os ícones, eles querem ser reconhecidos com essas peças. Procuramos nos conectar com as pessoas certas, que representam a marca independentemente da idade que têm. Não precisamos necessariamente de um jovem para falar com um público jovem. Somos ativos nas mídias sociais.

O que é único da Bvlgari?

Já estamos aqui há muito tempo. Vamos comemorar o aniversário de 140 anos no próximo ano, permanecemos fiéis às nossas raízes italianas e à nossa herança, mas olhando para o futuro e o mundo contemporâneo. Estamos sempre em busca do equilíbrio certo entre a nossa herança e a inovação. Nosso modo de fazer artesanal é único e muito elevado. Então continuamos investindo nisso, sempre procurando o melhor material, a qualidade das gemas.


 

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