Revista Exame

Compras coletivas: o novo jeito do comércio

Ao lançar as compras coletivas — uma febre no Brasil e no mundo —, a americana Groupon inicia uma onda de inovação que pode mudar aquilo que entendemos por comércio

Groupon: a empresa deve passar de 2,5 bilhões de dólares de faturamento em apenas dois anos e meio (Scott Olson/Getty Images)

Groupon: a empresa deve passar de 2,5 bilhões de dólares de faturamento em apenas dois anos e meio (Scott Olson/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 29 de fevereiro de 2012 às 14h49.

Aaron Montgomery Ward estava cansado das viagens. Ele era vendedor de um atacadista e estava o tempo todo no trem, visitando pequenos comerciantes que abasteciam a população rural das redondezas de Chicago. Até o dia em que teve uma ideia que mudaria para sempre o comércio: por que não vender diretamente para os consumidores?

Em 1872, com dois funcionários e um capital inicial de 1 600 dólares, Ward inaugurou a venda a distância. Seus clientes escolhiam as mercadorias num catálogo e enviavam e recebiam os pedidos pelo correio. Por 128 anos, até a falência, em 2001, a Montgomery Ward seria um dos nomes mais conhecidos do varejo nos Estados Unidos.

Do império criado por Ward resta apenas a marca, hoje licenciada para uma loja online. Mas num dos antigos armazéns da empresa, na região central de Chicago, convertido em prédio de escritórios, uma nova revolução no comércio está sendo gestada. A novidade tem a ver com a internet, mas não é uma empresa puramente de tecnologia.

Também tem o espírito desbravador de Ward — e, como a criação do pioneiro dos catálogos, tem sido copiada no mundo inteiro. A inovação ficou conhecida pelo nome de compras coletivas, mas os descontos em manicures e restaurantes são só o começo de uma nova onda de inovação que pode mudar mais uma vez o que entendemos por comércio.

Da primeira grande onda da internet, um dos nomes mais conhecidos é a varejista Amazon, fundada em 1994. Desta vez, quem saiu na frente foi o Groupon, empresa criada pelo ex-músico Andrew Mason e dois sócios.

A ideia inicial era “simples e óbvia”, como disse Mason a EXAME. Um spa, por exemplo, oferece um cupom de desconto de 50% desde que pelo menos 100 pessoas se comprometam a comprar uma sessão de massagem (o nome da companhia é uma mistura de “grupo” com “cupom”).

O apelo irresistível da oferta, que, em geral, não dura mais de 24 horas, somado ao enorme alcance da internet, fez o negócio crescer de maneira extraordinária: o Groupon foi chamado pela revista Forbes de empresa de crescimento mais rápido da história da web.


Em apenas dois anos e meio de vida, caminha para um faturamento de mais de 2,5 bilhões de dólares neste ano — e ainda dá prejuízo (mais sobre isso em instantes).

Nesse período, a empresa reuniu uma base de 83 milhões de usuários, que já compraram 70 milhões de cupons de desconto em 43 países, incluindo o Brasil. No começo de junho, deu início ao processo de abertura de capital na bolsa de Nova York. O IPO pode resultar num valor de mercado de 20 bilhões de dólares.

E o Groupon já tem companhia: Facebook, Google, Amazon e Microsoft, entre outras empresas, estão de olho nessa nova intersecção entre o comércio local e a internet.

Tudo começou por acidente. Mason estudava políticas públicas e mantinha um site chamado ThePoint, cujo objetivo era reunir pessoas em torno de uma causa comum (um exemplo: construir uma cobertura sobre a cidade de Chicago para afastar o frio). Também trabalhava como programador numa empresa de tecnologia.

Seu chefe, Eric Lefkosky, achou que o site poderia se transformar num negócio e investiu 1 milhão de dólares na ideia. Mason largou a faculdade e passou a se dedicar integralmente ao ThePoint. Mas logo ficou claro que o site não sobreviveria só da venda de publicidade.

Mason notou que as campanhas que geravam mais audiência eram as que reuniam consumidores para comprar em grupo, obtendo descontos. “Montamos um blog muito simples, totalmente improvisado, usando a tecnologia do ThePoint para vender cupons”, diz Mason. “Aparentemente, funcionou.”

E como. Do lado dos vendedores, o Groupon encontrou uma maneira nova pa­ra que empresas, especialmente as pequenas, consigam fazer marketing e vender. Do lado dos compradores dos cupons, passou a oferecer descontos atraentes o bastante para que as pessoas busquem novas experiências, seja um restaurante novo, seja uma aula de mergulho, seja um passeio de helicóptero.

O dinheiro é recolhido pelo Groupon, e uma porcentagem, em geral 50%, é repassada aos vendedores — junto com um grande número de novos clientes. O modelo de negócios é elementar e gera muito, mas muito dinheiro. Um exemplo: a re­de de livrarias Barnes & Noble ofereceu, por 10 dólares, vouchers de 20 dólares em compras.


Nada menos que 695 000 pessoas compraram o cupom. Considerando uma divisão igualitária da receita, o Groupon levou quase 3,5 milhões de dólares somente nessa oferta.

Essa simplicidade foi responsável por seu sucesso estrondoso, mas também abriu um enorme flanco. É fácil demais copiar o modelo. Só no Brasil estima-se que existam 1 800 clones do Groupon. Não se sabe ao certo quantos sejam no mundo, mas eles certamente se contam às dezenas de milhares.

O maior concorrente global do Groupon é o LivingSocial, empresa de Washington presente em 13 países. As duas companhias estão numa corrida pela consolidação, adquirindo concorrentes mundo afora e crescendo sua base de usuários. Se não há barreiras tecnológicas naturais contra os copiadores, a esperança é que o tamanho faça a diferença.

“Vejo muitos paralelos com a história do comércio eletrônico”, diz Jeffrey Grau, analista sênior de comércio eletrônico da consultoria eMarketer. “Haverá algumas empresas de grande porte, mas muitas outras ficarão pelo caminho. E haverá aquelas que atendem nichos.” Já existem sites de compras coletivas especializados em gays e lésbicas, restaurantes e viagens, por exemplo.

O problema da comparação com a história do comércio online é a inevitável lembrança de empresas que faziam bonito no papel, mas nunca conseguiram provar sua viabilidade no mundo real.

Alguns analistas enxergam uma mórbida semelhança entre as valorizações estimadas para o Groupon e outras grandes empresas do setor e a alucinação coletiva do fim da década de 90.

O IPO do Groupon deve ser um dos grandes eventos da bolsa americana neste ano. Embora a empresa não tenha divulgado quanto pretende levantar, estima-se que o montante esteja próximo de 1 bilhão de dólares. Muito dinheiro? Não necessariamente. Em 2010, o Groupon deu prejuízo de 413,4 milhões de dólares.

Só nos três primeiros meses deste ano, o buraco foi de 113,9 milhões. Queimando dinheiro nesse ritmo, o bilhão de dólares não vai durar muito.  “Quando virmos oportunidades de investir no crescimento de longo prazo, espere que o façamos, apesar de certas consequências de curto prazo”, escreveu Mason na carta aos investidores.


“Fiquei surpreso ao tomar conhecimento dos números”, diz Douglas Clinton, analista do banco de investimentos Piper Jaffray, refletindo a opinião de muitos de seus colegas. “Mas não seria possível crescer nesse ritmo de outra maneira.” Vale lembrar: a Amazon foi fundada em 1994, estreou na bolsa em maio de 1997 e só foi registrar seu primeiro lucro líquido no final de 2001.

Parte das elevadas expectativas em torno do Groupon (e de outras empresas de tecnologia que devem estrear na bolsa nos próximos meses) está relacionada à falta de ações de empresas de rápido crescimento. Mas parte está no potencial transformador desse tipo de companhia.

O Facebook lançou, no final do ano passado, seu sistema de descontos. A ideia é que os usuários do serviço, munidos de um smartphone, consigam descobrir ofertas nas proximidades de onde estiverem.

Como o Facebook tem mais de 500 milhões de pessoas registradas e conhece como ninguém o que elas “curtem”, pode ser uma maneira imbatível de unir vendedores e compradores na hora certa e no lugar certo. O Google colocou no ar há poucas semanas sua versão das compras coletivas.

Chamado Offers, o sistema pode ir além da indicação de promo­ções. Com a esperada inclusão de chips de pagamento nos celulares (o modelo Nexus S, do Google, é um dos primeiros equipados com o dispositivo), o Google quer mostrar um mapa dos descontos e cuidar dos pagamentos.

É por isso que enxergar os sites de compras coletivas como meros vendedores de cupons de desconto é um erro. O objetivo é muito mais ambicioso: ser uma poderosa ferramenta de marketing para todo e qualquer tipo de comerciante.

Um novo sistema do Groupon, chamado Groupon Now, permite que um restaurante crie descontos instantâneos quando o movimento estiver abaixo do esperado, por exemplo. “Estamos tentando oferecer, a pequenos comerciantes, um sistema comparável ao das empresas aéreas ou dos hotéis”, diz Mason.

O LivingSocial também criou um sistema similar chamado Instant. Esse tipo de sofisticação exige porte e dinheiro. O Groupon tem 7 000 funcionários.


Desse total, 400 se ocupam apenas dos textos de apresentação das ofertas — redigidos em estilo jornalístico, com uma dose de humor —, o que a empresa considera vital para a venda dos cupons. A empresa também tem um escritório com 100 programadores no Vale do Silício para desenvolver a plataforma tecnológica.

Concorrência

O crescimento dos líderes, em tamanho e cobertura geográfica, certamente vai acelerar a taxa de mortalidade das empresas que são meras copiadoras. Um site de compras coletivas se tornou um tipo de negócio cobiçado.

E também simples de colocar de pé. Por 5 000 reais, uma empresa chamada Ofertas Club promete oferecer tudo que é preciso para montar um negócio de compras coletivas — site, 2 000 cartões de visita e treinamento comercial incluídos. No site Mercado Livre, é possível comprar o sistema que roda ofertas e promoções por 19 reais.

Abrir um site de compras coletivas parecia a ocupação ideal para a acupunturista Aline Toledo, de 33 anos, depois do nascimento do quarto filho. Junto com o marido, biólogo, Aline colocou no ar, em dezembro, o Agarre Facil, site de compras coletivas em Atibaia, no interior de São Paulo. Mas nem tudo andou como o planejado.

Poucos estabelecimentos pareciam se interessar pelas promoções. Vender cupons também se revelou mais difícil do que parecia de início. Depois de menos de cinco meses no ar, as ofertas foram suspensas. Aline e o marido pretendem relançar o site em São Paulo. “Quem sabe lá as coisas sejam diferentes”, diz Aline.

Apesar de haver cerca de 1 800 sites de compras coletivas no Brasil, estima-se que 80% do faturamento do setor, que deve bater 1 bilhão de reais em 2011, esteja nas mãos dos cinco maiores. No Brasil, o movimento de consolidação já começou. O Ofertas.com.br, site de compras coletivas do Grupo Multi, dono das escolas de idiomas Wizard e Yázigi, foi lançado em março.

O investimento inicial foi de 20 milhões de reais e incluiu anúncios na TV aberta. A ideia era começar com uma base de 6 milhões de potenciais usuários: os alunos das escolas do grupo. “Não é tão simples quanto parecia”, diz Charles Martins, presidente do Ofertas.com.br. “Saindo do zero, é difícil alcançar o passo dos pioneiros no setor.”


Em julho, o Ofertas.com.br vai juntar forças com o Oferta Única, um dos cinco maiores sites de compras coletivas do Brasil. A marca Ofertas prevalecerá, mas o dia a dia ficará a cargo dos criadores do Oferta Única.

No Peixe Urbano, pioneiro e um dos líderes do mercado brasileiro, a preocupação, por enquanto, é com o crescimento. Júlio Vasconcellos, um economista brasiliense de 30 anos de idade que voltou dos Estados Unidos decidido a montar uma empresa parecida com o Groupon, fez 8 000 ofertas e vendeu mais de 6 milhões de cupons desde a estreia do Peixe Urbano, em março do ano passado.

Numa manhã recente de maio, ele participava de um evento semanal na sede da empresa, em Botafogo, no Rio de Janeiro: o treinamento dos vendedores. Vindos de dez cidades do país, eles haviam sido recém-contratados e estavam ali para ouvir as instruções do presidente do Peixe Urbano.

Instruir bem funcionários, nesse negócio, pode ser essencial — Brasil adentro, eles são a cara da empresa e os responsáveis pela captura de cada uma das ofertas.

Durante o treinamento que começava naquela manhã, os novos vendedores — a maioria representantes comerciais, mas não raro advogados, psicólogos, corretores de imóveis — aprenderam estratégias para negociar promoções, explicar o modelo de negócios e argumentar no momento de fechar parcerias (dizer que a empresa tem como sócio o apresentador de TV Luciano Huck é uma das dicas).

De três fundadores, o Peixe Urbano chegou a 300 funcionários no final de 2010. O aumento dos quadros dá uma medida do ritmo de crescimento da empresa. Hoje são mais de 600, espalhados por 86 cidades do país.

Quinze meses de vida, para uma empresa, pode parecer pouco. Mas toda experiência, mesmo curta, pode fazer diferença quando se trata de um segmento ainda com muitas arestas por aparar. Nos primeiros meses, não foram poucos os casos em que promoções em sites de compras coletivas trouxeram o caos para estabelecimentos parceiros. Esses dias, segundo Vasconcellos, ficaram para trás.

“Aprendemos que vender cupons é só o começo da história”, diz ele. O relacionamento com os parceiros evoluiu. Hoje, há no Peixe Urbano uma equipe de 30 pessoas dedicadas exclusivamente ao pós-venda. À frente do ClickOn, terceiro maior site de compras coletivas do país, há um ano no mercado, o administrador Marcelo Macedo, de 36 anos, também vê evolução no modelo de negócios.


Presente em 66 cidades do Brasil, o ClickOn em bre­ve estrea­rá um serviço de agendamento e reservas associado à venda dos cupons. “O processo é cada vez mais controlado. Assim, conseguimos evitar surpresas desagradáveis”, diz Macedo.

O modelo prevê também parcerias com empresas de mídia (o site de compras coletivas Bananarama, do Grupo Abril, que edita EXAME, funciona em conjunto com o ClickOn). No início de maio, a Mosaico, empresa de investimentos das Organiza­ções Globo, adquiriu 40% do ClickOn.

Tropeços são naturais num segmento novo. Assim como nos primeiros dias do comércio eletrônico havia inúmeras reclamações sobre produtos não entregues e cobranças indevidas, nas compras coletivas não é diferente. São as dores do crescimento.

Hoje, o comércio eletrônico se aproxima da marca de 1  trilhão de dólares em vendas no mundo todo e já faz parte do dia a dia de centenas de milhões de pessoas. Existe o risco de que a novidade dos descontos perca a graça. A brincadeira dos leilões levou o eBay às alturas, mas hoje em dia a maior parte das vendas da empresa não depende mais do sistema de lances.

Alguns meses atrás, falava-se em “ansiedade do Groupon”: consu­midores que ficavam acordados até depois da meia-noite só para aguardar a chegada de uma nova promoção. Hoje, com a multiplicação dos sites de compras coletivas — e também do spam de sites que acreditam que vão conquistar clientes enviando mensagens a esmo —, a ansiedade pode facilmente se transformar em cansaço.

Outro risco é o resultado para quem faz as promoções. Se os lojistas não conseguirem manter pelo menos uma parte dos novos clientes, eles podem simplesmente abandonar os cupons. É por isso que os investimentos em tecnologia e segmentação dos usuários, além da nova fronteira aberta pelos smartphones, são peça-chave para o futuro dessas empresas.

Na recepção do Groupon há uma coleção de revistas emolduradas. Está lá a capa da Forbes do ano passado que estampou um Andrew Mason sorridente. Em volta, porém, estão outros empreendedores e empresas que ficaram só na promessa: Napster, MySpace, AOL.

As paredes da Montgomery Ward e os retratos nela pendurados são uma lembrança de que o mercado pode ser impiedoso mesmo com os pioneiros.

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