Revista Exame

O novo ciclo do petróleo

A instalação de centros de pesquisa de grandes empresas globais de petróleo pode transformar o Rio de Janeiro numa das capitais intelectuais mundiais de energia

Centro de Pesquisas da Petrobras, no Rio: o vizinho que toda empresa de tecnologia do setor de petróleo quer ter (André Valentim/EXAME.com)

Centro de Pesquisas da Petrobras, no Rio: o vizinho que toda empresa de tecnologia do setor de petróleo quer ter (André Valentim/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Há 41 anos, sempre no mês de maio, a cidade texana de Houston, quarta maior dos Estados Unidos, é invadida por pesquisadores e executivos do setor de petróleo. Para esses profissionais, é praticamente obrigatório participar da Offshore Technology Conference — ou OTC, como a feira é conhecida. Nos quatro dias do evento, o mais importante do setor de óleo e gás, são apresentadas as mais novas tecnologias de exploração e produção de petróleo em altomar. Na edição deste ano, a OTC recebeu 70 000 pessoas de todas as partes do mundo e movimentou 90 milhões de dólares na cidade, sem contar os negócios fechados entre as empresas. Em outubro de 2011, o Rio de Janeiro se tornará a única cidade a sediar uma conferência da entidade fora de Houston. A escolha aconteceu depois de a organização do evento avaliar cidades chinesas, indianas e do Oriente Médio. “Todas as empresas de tecnologia do setor de petróleo querem estar no Rio”, diz o americano Stephen Graham, gerente executivo da OTC. “O Brasil tem grandes oportunidades e desafi os na indústria de petróleo e uma empresa líder em tecnologia, a Petrobras.”

A escolha do Rio de Janeiro referenda a avaliação de mais de uma dezena de especialistas ouvidos por EXAME: a cidade está diante da possibilidade de se transformar numa das capitais intelectuais do petróleo. A oportunidade é resultado da descoberta de reservas gigantes na camada do pré-sal — que podem quintuplicar as reservas brasileiras de óleo e gás para 80 bilhões de barris — e da decisão da Petrobras investir 80 bilhões de reais por ano para explorar esse novo petróleo. Os desafios tecnológicos envolvidos na exploração dos campos do pré-sal, localizados a 7 quilômetros abaixo do nível do mar, estão desencadeando uma espécie de novo ciclo do petróleo na cidade. A vantagem do ciclo atual é sua enorme dependência de novas tecnologias. Pela primeira vez, fornecedores globais do setor estão investindo em pesquisa no Brasil. É diferente do que ocorreu no fim dos anos 90, quando, com a quebra do monopólio, 30 petroleiras estrangeiras se instalaram no Rio para disputar blocos de petróleo nos leilões (que, até 2008, eram realizados anualmente pela Agência Nacional do Petróleo), e iniciaram operações com tecnologias desenvolvidas em suas matrizes.

O principal polo de inteligência está se formando na Ilha do Fundão, sede da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Lá, numa área onde, por 40 anos, só cresceu mato, dez grandes fornecedores da Petrobras estão construindo centros de pesquisa com investimentos que somarão 500 milhões de reais nos próximos cinco anos. Juntas, as empresas empregarão 5 000 pesquisadores de diversas áreas da engenharia. A franco-americana Schlumberger foi a primeira a se instalar. Investiu 85 milhões de reais no centro de pesquisas que acaba de ser inaugurado, onde pretende criar uma espécie de forno que reproduz as condições nas rochas do fundo do mar. A empresa só tem estruturas semelhantes na Europa e nos Estados Unidos. A americana FMC, já em estágio avançado de construção de seus laboratórios, desenvolverá robôs capazes de fazer reparos em equipamentos no fundo do mar. Também dos Estados Unidos, a Baker Hughes pretende adaptar às rochas do pré-sal o sistema de geração de imagens produzidas nas perfurações que realiza em outros tipos de rocha. A última a anunciar sua chegada ao Parque Tecnológico do Fundão foi a americana GE. Há poucos dias, a multinacional tornou público um investimento de 175 milhões de reais para construir laboratórios de pesquisa na áreas de petróleo, energias renováveis, transportes e mineração. O Brasil será o quinto país a sediar um centro da GE desse tipo — os demais são Estados Unidos, Alemanha, China e Índia.


Boa vizinhança

Para essas empresas, além da proximidade com pesquisadores e laboratórios de pós-graduação da UFRJ, é fundamental estar perto do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). Conhecido não só no Brasil, mas por toda indústria mundial de petróleo, o Cenpes é o maior centro de pesquisas da América Latina, responsável pela sofisticada tecnologia que permitiu à Petrobras explorar petróleo em águas profundas. Fundado há 47 anos, o centro acaba de ser duplicado, ao custo de 1,2 bilhão de reais. Atualmente, reúne 137 laboratórios e 800 pesquisadores. Nos próximos anos, o Cenpes e os fornecedores da Petrobras perseguirão tecnologias que possam vencer o desafio do pré-sal — ou seja, extrair petróleo de campos que estão a quase o triplo de distância da costa, em rochas pouco conhecidas e muito mais profundas. Isso tudo, obviamente, terá de ser feito de maneira rentável e segura. Daí a necessidade de tanta pesquisa — e tanto dinheiro. Já se sabe o nome de cinco empresas que estão instalando seus centros de pesquisa na Ilha do Fundão, e até o final deste ano outras cinco devem anunciar novos investimentos. “Não existe em lugar nenhum do mundo uma aglomeração de empresas e, consequentemente, de cérebros desenvolvendo tecnologia de petróleo como no Rio de Janeiro”, diz Paulo Couto, vice-presidente da FMC.

A 20 quilômetros da Ilha do Fundão está em curso outra corrida por cérebros e espaços. O epicentro, nesse caso, é a própria Petrobras, cuja sede fica no centro do Rio de Janeiro. Os investimentos crescentes da estatal têm provocado a migração de empresas para a capital fluminense, que tentam se instalar o mais próximo possível da petroleira. A fabricante de tubulações Mercotubos, sediada em Atibaia, no interior paulista, está investindo 30 milhões de reais na abertura de uma fábrica e um escritório, ambos no Rio. “Quem vier depois vai sofrer mais para achar lugar e gente”, diz Luiz Fernando Pugliesi, fundador da Mercotubos. Dois terços dos 250 milhões de reais de receita da empresa são originados de vendas a fornecedores da Petrobras. O objetivo da migração para o Rio, segundo Pugliesi, é aumentar a fatia de petróleo para 80% do faturamento total da empresa em cinco anos. A Odebrecht e a IBM acabaram de criar, praticamente do zero, áreas voltadas para a prestação de serviços exclusivamente para petroleiras. “A Petrobras tem uma cultura própria de negociação. É preciso estar perto dela e contar com executivos que a conheçam”, diz Alessandra Simões, sócia da Fesa, empresa de recrutamento de executivos. O resultado da movimentação de fornecedores da Petrobras já pode ser constatado nos salários de executivos de petróleo — 30% mais altos em relação a 2009, segundo a consultoria Robert Half — e no preço do aluguel do metro quadrado de imóveis comerciais de alto padrão, que subiu 60%, superando os de Nova York, de acordo com a consultoria Cushmann & Wakefield.

Janela aberta

A consolidação do Rio como uma capital mundial do conhecimento do petróleo precisará, porém, de mais que as encomendas bilionárias da Petrobras. Os desafios vão da necessidade de formação de mão de obra qualificada ao enfrentamento dos problemas sociais, que podem até ser agravados com o petróleo. O exemplo a evitar está a 180 quilômetros da capital, em Macaé, base operacional da produção na bacia de Campos. A favelização se tornou um dos mais graves problemas da cidade, com a chegada de trabalhadores não qualificados vindos de todo o país, seduzidos pela prosperidade do petróleo, e, logo depois, desiludidos, por não conseguirem emprego numa indústria que exige qualificação. Outro risco é a perda dos investimentos para estados vizinhos. Há três meses, o governo de São Paulo — por onde escoará 40% da produção do pré-sal — mapeou as oportunidades que surgirão com a indústria do petróleo e anunciou ações para a atração de investimentos, como incentivos fiscais e a criação de cursos profissionalizantes. A GE chegou a ser cortejada pela prefeitura de São José dos Campos, no interior paulista. “O Rio precisa traçar um plano que defina como aproveitar a riqueza do petróleo e as ações de médio e longo prazo para atrair as empresas. Governos e até a Petrobras devem participar disso”, diz Segen Stefen, diretor da Coppe, a coordenadoria de pósgraduação de engenharia da UFRJ.

Se fizer o dever de casa, o Rio de Janeiro terá não só uma população com renda mais alta como também contará com inteligência e meios para pensar o futuro além do petróleo. “Temos de lembrar que a idade da pedra não acabou porque as pedras acabaram, mas porque o homem desenvolveu ferramentas mais eficientes”, diz David Zylbersztajn, sócio da consultoria DZ Negócios em Energia, alertando para o fato de que a era do petróleo não vai durar indefinidamente. “Podemos e devemos direcionar a estrutura de inteligência criada com o petróleo para pesquisar a produção de energia limpa, que é para onde o futuro aponta. A janela de oportunidades está aberta.”

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