Revista Exame

O novo arranjo da Hard Rock

Como a cadeia de bares temáticos virou também uma rede de hotéis — que enaltecem inclusive o hip-hop

O Guitar Hotel, na Flórida:  canhões de luz projetam no céu as cordas do violão  (Guitar Hotel/Divulgação)

O Guitar Hotel, na Flórida: canhões de luz projetam no céu as cordas do violão (Guitar Hotel/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às 05h15.

Última atualização em 11 de março de 2020 às 13h56.

Um dos maiores tesouros da rede de cafés Hard Rock está escondido num galpão sem nenhum indicativo na cidade curiosamente chamada Hollywood — não a que fica na Califórnia, e sim a da Flórida, a 30 quilômetros de Miami. É o paradeiro de uma das guitarras que Jimi Hendrix incendiou no palco e de duas daquelas que lembram poodles, usadas pelos barbudos do ZZ Top. O ônibus que aparece no filme Magical Mystery Tour, dos Beatles, também está lá, assim como a capa mais conhecida de Janis Joplin e a jaqueta de Michael Jackson no clipe de Beat It. O grupo amealhou 83.000 itens como esses, protegidos por um sujeito chamado Chase McCue, que exerce o cargo de diretor de memorabilia.

De camisa xadrez de flanela, tênis e calça preta, McCue concedeu um tour à nossa reportagem numa manhã recente — o espaço não é aberto ao público. Ele explica que uma de suas tarefas é garimpar novos itens, de preferência de astros jovens. “Não dá para investir só nos roqueiros clássicos, precisamos também atrair as novas gerações”, justifica. Sua última aquisição foi a jaqueta do rapper Post Malone, de 24 anos, o que indica que a rede está de olho em outros gêneros festejados, como o hip-hop.

A cifra gasta com o acervo é mantida em segredo, embora não faltem casos de doações. Mais de um terço da coleção permanece naquele galpão, a poucas quadras do quartel-general da companhia. O restante está nos 183 cafés da Hard Rock e também em seus 31 hotéis, dos quais muitos brasileiros nunca ouviram falar — presente em 75 países, o grupo também é dono de 12 cassinos e cinco casas de shows. “A música está no nosso DNA e queremos aproximá-la de todo mundo que pisa em nossas casas”, diz Dale Hipsh, vice-presidente sênior da divisão de hotéis.

É uma preocupação que remonta às origens da rede, surgida em 1971. Naquele ano, os americanos Isaac Tigrett e Peter Morton fundaram o primeiro café, em Londres, certos de que os hambúrgueres de sua terra natal fariam enorme sucesso na terra da rainha. No mesmo ano, um dos frequentadores doou uma Fender vermelha. Seu nome é Eric Clapton. Não demorou para o guitarrista do The Who, o Pete Townshend, doar uma de suas guitarras, acompanhada de uma provocação por escrito: “Mine’s as good as his! Love, Pete”.

A expansão dos cafés para outros paí-ses, sustentada pelo modelo de franquias, teve início na mesma década. Em 1995, surgiu o primeiro hotel e cassino, em Las Vegas, um dueto que soou bem mais rentável aos dois sócios. Em 2007, a tribo indígena Seminole, da Flórida, que se tornou multibilionária graças à jogatina, na qual começou a investir nos anos 70, arrematou o grupo por 965 milhões de dólares. E a expansão da hotelaria ganhou impulso.

O hotel mais recente do grupo é o Guitar Hotel, também em Hollywood. Inaugurado em outubro, ocupa um edifício espelhado de 36 andares em formato de violão. Falta o braço do instrumento? Não às 18h30 e às 20 horas, dia sim, dia também, quando 2,3 milhões de lâmpadas de LED na fachada projetam formas e cores ao som de hits — e canhões de luz na cobertura rabiscam no céu as cordas do violão.

Ouve-se música em todos os cantos, da área do valet ao fundo das piscinas — todo hotel tem um vibe manager, ou gerente de vibe, cuja missão é escolher a canção que melhor combina com os ambientes a cada momento do dia. Sem custo extra, uma vitrola e um punhado de discos fazem parte da decoração dos impecáveis quartos, assim como uma Fender, uma pedaleira e fones de ouvido. No spa, é ao som de Bob Dylan, Yo La Tengo e bandas desse tipo que as massagens são ministradas, em vez daquelas sonolentas trilhas new age.

Anexo a um antigo hotel do grupo, o novo custou 1,5 bilhão de dólares. O que conecta as duas propriedades é o cassino, que já existia e foi ampliado. Abarrotado de caça-níqueis, foi alçado a ponto turístico imperdível graças ao novo prédio, que não deve nada a Las Vegas. Em dezembro deste ano fica pronto o primeiro hotel da rede no Brasil. Fica na Praia da Lagoinha, 100 quilômetros ao norte de Fortaleza. Trata-se de um edifício comprido de oito andares que contorna a orla, além de nove predinhos mais afastados que agrupam 360 apartamentos. Os menores, de 37 metros quadrados, têm capacidade para quatro pessoas. Os maiores podem acomodar até oito. Outras 36 casas, algumas com 495 metros quadrados, espalham-se pelo terreno — no qual caberia, com folga, o estádio do Maracanã. Todas têm piscina privativa e hospedam até 12 pessoas. O projeto inclui duas piscinas, três restaurantes, spa e arena para shows.

O resort do grupo no Ceará: 36 casas em terreno com piscinas e casas de shows | Divulgação

A incorporadora responsável é a Venture Capital Investimentos (VCI), que está desembolsando 250 milhões de dólares com o projeto. Mas já há um retorno garantido de mais de 500 milhões de reais. Explica-se: todas as acomodações são vendidas em frações. Cada uma delas corresponde a duas semanas fixas em uma das unidades. O comprador pode desfrutar seus dias no apartamento escolhido, pelo resto da vida, sem desembolsar 1 real pelas diárias. E pode levar quem quiser, respeitando a acomodação máxima do quarto. O único custo extra é a taxa de condomínio, mensal e eterna, de 250 a 800 reais.

Dá para emprestar ao sobrinho? Sem problemas. Não pode viajar em uma de suas semanas? Um sistema de trocas resolve o problema. As semanas não usadas pelos donos e aquelas de propriedade da VCI são oferecidas aos turistas tradicionais, por diárias em torno de 1.200 reais. Não quer ir ao mesmo destino pelo resto da vida? O resort é filiado à RCI, companhia americana especializada na troca de diárias de hotéis que adotam o timesharing — no portfólio dela estão mais de 4.300 empreendimentos em uma centena de países.

“Quem tem uma casa de praia gasta com a compra e com a manutenção e usa só duas vezes por ano. Aqui, só vai pagar pelo que usufruir”, diz Samuel Sicchierolli, presidente e um dos fundadores da VCI. O grupo está construindo um Hard Rock na Ilha do Sol, no Paraná, previsto para junho de 2021. A Hard Rock não gastou 1 dólar com a expansão brasileira. A atuação da companhia americana se limita à operação dos resorts. Para impulsionar as vendas, um Hard Rock Café foi montado em Fortaleza. 

Estão previstos resorts Hard Rock em Recife e Natal e outros quatro em parceria com a rede espanhola Eurostar. A VCI também está por trás do Hard Rock da Avenida Paulista, em São Paulo. Em fase de aprovação na prefeitura, esse hotel não terá apartamentos fracionados. O  fim das obras está prometido para 2021. Caso os cassinos sejam liberados no Brasil, o primeiro da rede por aqui já tem endereço definido. Ficará a 20 quilômetros de Florianópolis, onde funciona a Arena Petry. Em breve, ganhará o nome de Hard Rock Live. A área para shows será reformada e vizinha de mais um hotel do grupo, talvez, algum dia, com um cassino. Para a volta da jogatina no Brasil, a trilha sonora está garantida. 

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